Henrique Fontana, relator da reforma política, defende o financiamento público.
Foto: Olga Vlahou
Por duas vezes o deputado federal Henrique Fontana conseguiu adiar a votação de seu relatório sobre a reforma política ao antever prováveis derrotas. A maior resistência ao texto concentra-se na proposta de financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais, uma ideia que tem unanimidade no PT, mas é rejeitada por quatro grandes legendas no Congresso: PMDB, PSDB, DEM e PP. E pior: mal compreendida e pouco debatida, encontra forte resistência na opinião pública. Fontana não desiste. Pretende levar o relatório à votação na quarta-feira 9, apesar de o risco de reprovação continuar o mesmo de antes. “O sistema de financiamento privado traz enorme prejuízo à democracia. Entre outros pontos, por dar enorme poder aos financiadores.” Segundo o parlamentar, o modelo atual pavimenta os caminhos da corrupção e afasta da política cidadãos com boas ideias e ideais.
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CartaCapital: Alimenta-se no Brasil a tese de que o sistema político brasileiro é imprestável e precisa ser totalmente reformado. É isso mesmo?
Henrique Fontana: Não, mas acredito que algumas mudanças estruturais seriam decisivas para consolidar a democracia. O voto proporcional, por exemplo, é uma qualidade do nosso sistema. O primeiro passo para não reformar nada, você sabe, é querer reformar tudo. Como relator da reforma na Câmara dos Deputados, optei por priorizar alguns pontos e focar no que me parece mais essencial. Se o gênio de Aladim me concedesse um único desejo nesta reforma, pediria a aprovação do financiamento público exclusivo de campanha com forte restrição nos custos. Para que as disputas eleitorais voltem a ser baseadas em programas e não sejam apenas um festival de marketing.
CC: Por que é tão difícil aprovar uma -reforma política, mesmo nestes termos?
HF: Há duas causas essencialmente. Existem setores que se beneficiam do sistema atual, caríssimo e baseado no financiamento privado das campanhas. E existe um temor de parte dos parlamentares eleitos de fazer a mudança. Na sociedade há uma maioria expressiva que apoia a reforma. Pesquisas indicam que mais de 80% da população a querem.
CC: Mas esta mesma população rejeita a ideia do financiamento público exclusivo. Por que ele seria melhor do que o sistema atual?
HF: O sistema atual, de financiamento privado, tem levado a um encarecimento astronômico das campanhas. Em 2002, os custos de todas as campanhas foram de 827 milhões de reais. Em 2010, a soma atingiu 4,8 bilhões. O aumento foi de 591%. As eleições se transformaram em uma corrida do ouro na qual a capacidade de arrecadar vale mais do que o projeto que se defende ou a história e o currículo de quem concorre. Das 513 campanhas mais caras do País, 369 tiveram resultado positivo. Ou seja, os candidatos foram eleitos. Quanto mais cara a campanha, mais chances de ganhar nas urnas. O sistema privado tem um componente que traz enorme prejuízo à política: ele dá enorme poder aos -financiadores. Ao escolher este e não aquele “merecedor” de financiamento, eles limitam as opções eleitorais. Fazem a seleção. E os mesmos que financiam vão depois tratar com o governo de obras, compras estatais etc. Isso gera um mecanismo que fortalece os caminhos da corrupção. Óbvio que a corrupção é algo multifatorial, mas eu não tenho dúvida de que o financiamento público é uma das armas mais poderosas para combatê-la.
CC: Há quem diga que o PT abraçou a proposta do financiamento público para tentar apagar a imagem do chamado mensalão.
HF: É uma tese irônica. Infelizmente quase todos os partidos brasileiros enfrentaram problemas com financiamento de campanha. Precisamos nos dar conta, em nome do futuro do País-, da nossa democracia, de que a adoção do financiamento público dará mais autonomia aos governos eleitos e vai retirar boa parte da pressão que o poder econômico exerce hoje. Vai oxigenar a democracia, por permitir que milhares de brasileiros refratários a participar da política nela ingressem. Também acho que todo setor empresarial desejoso de vencer licitações com base na qualidade dos serviços oferecidos, no preço, na incorporação da tecnologia e da inovação vai aplaudir a mudança. Pois muitas vezes esses setores se sentem chantagea-dos a participar de um sistema de financiamento, legal ou não, para não ver comprometidas suas relações com futuros governos. Hoje os eleitores pagam caríssimo pelas campanhas, sem saber o quanto pagam e como pagam.
CC: Como é possível estabelecer o financiamento público em um sistema de voto nominal? Como seria feita a distribuição de recursos por candidato?
HF: Na última versão do relatório que apresentei, no fim de outubro, sugiro o sistema de votação apelidado de belga, mas que é adotado também na Holanda, Noruega, Suécia e Dinamarca. Os partidos organizam uma lista de candidatos. Mas atenção, ela não será feita pelos caciques. Terá de ser submetida a uma votação de todos os filiados. O eleitor vai continuar a votar da mesma maneira. Se ele quiser votar no partido, vota. Se quiser escolher o candidato, o faz. Há uma diferença, os partidos serão obrigados a se democratizar. A política brasileira padece de três problemas centrais: o abuso do poder econômico no processo democrático, a falta de democracia nos partidos e o personalismo. Outro ponto do projeto é que ele amplia a possibilidade de participação direta da sociedade através das redes sociais. Atualmente, é muito difícil tramitar no Congresso um projeto de iniciativa popular. Eu sugeri um sistema no qual setores da sociedade, um único cidadão ou entidade, inclusive, poderão enviar sugestões. O tema será protocolado no Parlamento e ficará disponível no site por um tempo. Se a proposta obtiver 500 mil assinaturas digitais ou físicas ele passa a tramitar. Com um milhão, ganha regime de urgência. Abro também a possibilidade de emendas constitucionais de iniciativa popular, o que não é permitido hoje. Neste caso, o total de assinaturas necessárias sobe para 1,5 milhão.
CC: Enquanto os partidos de esquerda se fixam no financiamento público, aqueles de direita pregam o voto distrital. Qual a sua opinião?
HF: Sou crítico do voto distrital por diversas questões. Ele tende a concentrar o poder na mão de dois ou três partidos. Veja os Estados Unidos e o Reino Unido, dominados pelo bipartidarismo. Tem gente que defende esse sistema por achar que o PT sairia enfraquecido. É um engano. O PT é um dos grandes partidos do Brasil, tem 32% da preferência dos eleitores. Depois vem o PMDB, com 8%. Mas nem por isso vamos defendê-lo. Queremos um sistema capaz de aferir da melhor maneira a vontade da população. Outro problema do voto distrital é que ele joga fora muitos votos. Exemplo: em um distrito disputam cinco candidatos. Um faz 30%, o segundo faz 25%, o que fica em terceiro faz 20% e assim por diante. Alguém com 30% dos votos ganha o distrito todo. No sistema proporcional é diferente. Se 5 milhões de eleitores votarem num determinado estado, calcula-se o peso do voto desses eleitores e definem-se quantas vagas vão para cada partido. É muito mais plural, democrático. No distrital, o voto de opinião, de minorias, seria eliminado. O parlamentar viraria um defensor de temas paroquiais, locais. Seria avaliado pela quantidade de dinheiro que trouxer para uma ponte ou uma estrada.
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