Do JornalGGN - ter, 19/11/2013 - 14:06
Do Conjur
No último dia 11, a Folha de S. Paulo publicou reportagem intitulada “Corte Interamericana de Direitos Humanos não é tribunal penal de revisão, diz presidente”,
segundo a qual Diego Garcia-Sayán, seu presidente, teria afirmado que a
“corte não pode modificar uma sentença. Se houve pena de prisão, ela
não pode aumentá-la ou reduzi-la”.
De fato, está correto o presidente da
Corte Interamericana quando destaca que o tribunal não revisa “penas”,
ou seja, não se manifesta sobre temas que envolvem um processo “penal”
concluído em um dos Estados-partes. Assim, a Corte não diminui ou majora
uma pena criminal imposta pelo Poder Judiciário de um
Estado-parte na Convenção Americana de Direitos Humanos, e tal é assim
pelo simples motivo de que não se trata de um Tribunal Penal Internacional.
Aliás, tribunal dessa categoria (penal) só tem um em todo o mundo:
trata-se do Tribunal Penal Internacional, que tem sede na Haia (Holanda)
e cuja competência para julgamento diz respeito a crimes que envolvem a
humanidade como um todo, a exemplo do genocídio, dos crimes contra a
humanidade, dos crimes de guerra etc.
Contudo, o que pretendem os condenados
na Ação Penal 470 – e isso a reportagem não deixou claro – é outra coisa
bem diferente, nada tendo que ver com a revisão das “penas” impostas. O
que pretendem é que lhes seja oportunizado novo julgamento em razão de ter o STF afrontado a regra do duplo grau de jurisdição, prevista no artigo 8º, inciso 2, letra h,
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. De fato, ainda que o
tribunal interamericano não revise “penas”, pode perfeitamente condenar o
Estado brasileiro a dar a oportunidade de novo julgamento a todos os
réus que não detinham foro por prerrogativa de função à época do
julgamento.
A questão jurídica aberta, muito
simplesmente, é a seguinte: o STF deveria ter desmembrado o processo do
mensalão ao menos para os réus que não detinham, à época do julgamento,
foro por prerrogativa de função; e assim não procedeu. Com isto, violou
uma regra de direito internacional – a do “duplo grau de jurisdição” –
prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969,
conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, tratado internacional de direitos humanos que o Brasil ratificou (obrigou-se) em 1992.
Há, inclusive, um precedente já julgado
pela Corte Interamericana sobre o assunto, e que se encaixa como uma
luva à discussão. Trata-se do Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela,
julgado pela Corte em 17 de novembro de 2009, ocasião em que o tribunal
da OEA entendeu que a Venezuela violou o direito ao duplo grau de
jurisdição ao não oportunizar ao sr. Barreto Leiva o direito de apelar
para um tribunal superior — a sua condenação também ocorreu em instância
única (no caso do mensalão, este tribunal é o STF). Em outras palavras,
a Corte Interamericana entendeu que o réu não dispôs, em consequência
da conexão, da possibilidade de impugnar a sentença condenatória, o que
viola frontalmente a garantia do duplo grau prevista (sem qualquer
ressalva) na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 8, 2, h).
Como se percebe, o precedente do Caso Barreto Leiva coincide
perfeitamente com a situação dos réus condenados na AP 470, uma vez que
foram impedidos de recorrer da sentença condenatória para outro tribunal
interno, em desrespeito à regra internacional do duplo grau que o
Brasil aceitou e se comprometeu a cumprir. A Corte Interamericana terá
que decidir se a aceitação dos embargos infringentes pelo STF supre a
regra do duplo grau prevista na Convenção Americana.
Em suma, ainda que o tribunal da OEA não
revise “penas”, não há qualquer óbice — e é para isso que ele existe! —
para que condene o Estado brasileiro por violação da Convenção
Americana, mandando eventualmente oportunizar àqueles condenados novo
julgamento, em razão da não observância da garantia processual
internacional do duplo grau de jurisdição. Isso é o que merecia ser
esclarecido.
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