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10/11/2014
Opera mundi - 9/11/2014
Quais as razões, afinal, para o documento aprovado pelo comando
petista ter alcançado esta repercussão e provocado repulsa em
determinados setores?
O primeiro motivo parece saltar aos olhos.
Há quinze dias a imprensa tradicional, a oposição de direita, as frações mais conservadoras da base governista e os áulicos do mercado só fazem chantagear a presidente reeleita. Exercem pressão para que o programa derrotado seja assumido pelo Planalto, como pré-condição para a pacificação política e econômica do país.
O PT rechaçou, com firmeza, a hipótese de capitulação condicional embutida nesta chantagem. Pode ou não ser acompanhado pela chefe de Estado, mas propôs abertura de um novo ciclo de mudanças, além de escalada contra fortificações do bloco político e de classes derrotado em outubro.
Mas a reação iracunda não se explica apenas porque os petistas se recusam a recuar diante de quem foi batido pela soberania das urnas.
Muito do nervosismo contra o texto vem de um trecho fundamental: “é urgente construir hegemonia na sociedade, promover reformas estruturais, com destaque para a reforma política e a democratização da mídia.”
Apesar dos cuidados para não ferir suscetibilidades internas, desponta como evidente uma certa autocrítica.
A continuidade do processo inaugurado em 2003 passou a depender, na nova abordagem, da refundação de instituições do Estado e da informação que bloqueiam o aprofundamento e a aceleração das demais reformas. Esse não era um ponto de vista prevalecente nas hostes petistas durante o período anterior.
O furor do conservadorismo contra o conceito de hegemonia, rotulando-o de “autoritário”, por sua vez, mal disfarça determinação em proteger a própria hegemonia oligárquico-burguesa através de entulhos herdados da ditadura militar, tais como o sistema político controlado pelo poder econômico e o monopólio dos meios de comunicação.
Os propósitos reformadores da resolução petista tampouco esgotam as explicações para o desconforto da direita. A irritação também se manifesta quanto ao caminho que o partido de Lula estaria decidido a trilhar para defender as mudanças.
“As eleições de 2014 reafirmaram a validade de uma ideia que vem desde os anos 1980: para transformar o Brasil, é preciso combinar ação institucional, mobilização social e revolução cultural”, ressalta o texto.
E diz mais: “será necessário, em conjunto com partidos de esquerda, desencadear um amplo processo de mobilização e organização dos milhões de brasileiros e brasileiras que saíram às ruas para apoiar Dilma Rousseff, mas também para defender nossos direitos humanos, nossos direitos à democracia, ao bem-estar social, ao desenvolvimento, à soberania nacional.”
Trata-se de notável guinada em relação aos últimos anos, quando a governabilidade esteve pensada quase exclusivamente em termos institucionais e dependente de acordos parlamentares cujo preço inevitável era o rebaixamento programático, quando não a conspurcação da imagem petista.
A própria política de alianças, na referida resolução, recebe nova embocadura.
Sem desconsiderar a necessidade de impedir, dentro do Congresso, a formação de uma maioria de centro-direita que paralise o governo, o PT decide “compor uma ampla frente onde movimentos sociais, partidos e setores de partidos, intelectuais, juventudes, sindicalistas possam debater e articular ações comuns, seja em defesa da democracia, seja em defesa de reformas democrático-populares”.
No centro da plataforma que poderia constituir esta “ampla frente” está a defesa de plebiscito para convocação de Constituinte exclusiva sobre o sistema político.
Outros itens de relevo, anunciados pelo partido, seriam a adoção de lei para democratização da mídia, a retomada do decreto de participação social, o fim do fator previdenciário, a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, as reformas agrária e urbana, a desmilitarização das polícias militares, mais investimentos em serviços públicos e revisão da Lei de Anistia.
Destaca-se igualmente, na deliberação petista, a seguinte afirmação: “o partido tem que retomar sua capacidade de fazer política cotidiana e sua independência frente ao Estado, …deve buscar participar ativamente das decisões acerca das primeiras medidas do segundo mandato, em particular… é preciso incidir na disputa principal em curso, as definições sobre os rumos da política econômica.”
A reviravolta de atitude manifesta-se também neste tema. Por vários anos, em seguida ao triunfo eleitoral de 2002, o PT aparentava ter optado por ser prioritariamente braço parlamentar do governo. Não destacamento de vanguarda, impulsionador de ideias e movimentos, mas repartição na retaguarda, relativamente desprovida de autonomia e iniciativa, além de fortemente estatizada.
Curiosamente, no seio de um governo de coalizão, fruto de cenário no qual a esquerda não tem maioria parlamentar, o principal partido oficialista talvez fosse o único a evitar protagonismo nos embates internos e na sociedade para estabelecer decisões governamentais.
Este conjunto de paradigmas fixado pela resolução deixa poucas dúvidas, mesmo que não esteja dito com todas as letras, sobre o fato de o PT estar empenhado em formidável virada na sua formulação política.
O documento da Executiva Nacional, aliás, consolida tendência nascida na leitura das manifestações de junho do ano passado.
Retirado abruptamente de sua zona de conforto, o petismo viu-se obrigado a reanalisar o fôlego da estratégia vigente, os impasses no programa de reformas, a relação entre partido e governo, a combinação entre institucionalidade e lutas sociais, a questão da participação popular e da democratização do Estado.
Idas e vindas neste esforço de retificação puderam ser observadas ao longo dos últimos meses, mas as condições dramáticas das últimas eleições presidenciais provavelmente determinaram a decantação do texto aprovado pelo estado-maior petista.
Ainda que possam ser feitas várias críticas pontuais – por exemplo, a ausência de referências à questão ambiental -, a citada resolução tem caráter histórico.
Claro que sua legitimidade depende de unidade, habilidade e força para implementar os enunciados ali contidos. A presidente e o governo podem ou não ser influenciados pelo pensamento emanado da direção petista. A realidade pode ou não dar razão às novas ideias. Nada disso, porém, tira a relevância do que foi decidido.
Talvez seja reconhecido, no futuro, como documento tão importante quanto as deliberações do V Encontro Nacional, de 1987, responsáveis pelas balizas do processo que, quinze anos depois, levaria à vitória de Lula.
A esquerda, a propósito, exibe tradição de dar nomes especiais a textos que forjam giros fundamentais em sua política.
As recentes decisões petistas, quem sabe, um dia venham a ser identificadas como “Resolução da Primavera”. Menos pela estação na qual foi concebida, mais por aceitar o risco de ver cem flores desabrocharem, como diria o revolucionário chinês Mao Tsé-Tung
10/11/2014
Resolução petista anuncia giro
Chamam
atenção, na velha mídia, os ataques cerrados e as críticas virulentas
contra as últimas deliberações da direção do Partido dos Trabalhadores,
em reunião de sua Comissão Executiva Nacional, realizada no dia 3 de
novembro.
O primeiro motivo parece saltar aos olhos.
Há quinze dias a imprensa tradicional, a oposição de direita, as frações mais conservadoras da base governista e os áulicos do mercado só fazem chantagear a presidente reeleita. Exercem pressão para que o programa derrotado seja assumido pelo Planalto, como pré-condição para a pacificação política e econômica do país.
O PT rechaçou, com firmeza, a hipótese de capitulação condicional embutida nesta chantagem. Pode ou não ser acompanhado pela chefe de Estado, mas propôs abertura de um novo ciclo de mudanças, além de escalada contra fortificações do bloco político e de classes derrotado em outubro.
Mas a reação iracunda não se explica apenas porque os petistas se recusam a recuar diante de quem foi batido pela soberania das urnas.
Muito do nervosismo contra o texto vem de um trecho fundamental: “é urgente construir hegemonia na sociedade, promover reformas estruturais, com destaque para a reforma política e a democratização da mídia.”
Apesar dos cuidados para não ferir suscetibilidades internas, desponta como evidente uma certa autocrítica.
A continuidade do processo inaugurado em 2003 passou a depender, na nova abordagem, da refundação de instituições do Estado e da informação que bloqueiam o aprofundamento e a aceleração das demais reformas. Esse não era um ponto de vista prevalecente nas hostes petistas durante o período anterior.
O furor do conservadorismo contra o conceito de hegemonia, rotulando-o de “autoritário”, por sua vez, mal disfarça determinação em proteger a própria hegemonia oligárquico-burguesa através de entulhos herdados da ditadura militar, tais como o sistema político controlado pelo poder econômico e o monopólio dos meios de comunicação.
Os propósitos reformadores da resolução petista tampouco esgotam as explicações para o desconforto da direita. A irritação também se manifesta quanto ao caminho que o partido de Lula estaria decidido a trilhar para defender as mudanças.
“As eleições de 2014 reafirmaram a validade de uma ideia que vem desde os anos 1980: para transformar o Brasil, é preciso combinar ação institucional, mobilização social e revolução cultural”, ressalta o texto.
E diz mais: “será necessário, em conjunto com partidos de esquerda, desencadear um amplo processo de mobilização e organização dos milhões de brasileiros e brasileiras que saíram às ruas para apoiar Dilma Rousseff, mas também para defender nossos direitos humanos, nossos direitos à democracia, ao bem-estar social, ao desenvolvimento, à soberania nacional.”
Trata-se de notável guinada em relação aos últimos anos, quando a governabilidade esteve pensada quase exclusivamente em termos institucionais e dependente de acordos parlamentares cujo preço inevitável era o rebaixamento programático, quando não a conspurcação da imagem petista.
A própria política de alianças, na referida resolução, recebe nova embocadura.
Sem desconsiderar a necessidade de impedir, dentro do Congresso, a formação de uma maioria de centro-direita que paralise o governo, o PT decide “compor uma ampla frente onde movimentos sociais, partidos e setores de partidos, intelectuais, juventudes, sindicalistas possam debater e articular ações comuns, seja em defesa da democracia, seja em defesa de reformas democrático-populares”.
No centro da plataforma que poderia constituir esta “ampla frente” está a defesa de plebiscito para convocação de Constituinte exclusiva sobre o sistema político.
Outros itens de relevo, anunciados pelo partido, seriam a adoção de lei para democratização da mídia, a retomada do decreto de participação social, o fim do fator previdenciário, a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, as reformas agrária e urbana, a desmilitarização das polícias militares, mais investimentos em serviços públicos e revisão da Lei de Anistia.
Destaca-se igualmente, na deliberação petista, a seguinte afirmação: “o partido tem que retomar sua capacidade de fazer política cotidiana e sua independência frente ao Estado, …deve buscar participar ativamente das decisões acerca das primeiras medidas do segundo mandato, em particular… é preciso incidir na disputa principal em curso, as definições sobre os rumos da política econômica.”
A reviravolta de atitude manifesta-se também neste tema. Por vários anos, em seguida ao triunfo eleitoral de 2002, o PT aparentava ter optado por ser prioritariamente braço parlamentar do governo. Não destacamento de vanguarda, impulsionador de ideias e movimentos, mas repartição na retaguarda, relativamente desprovida de autonomia e iniciativa, além de fortemente estatizada.
Curiosamente, no seio de um governo de coalizão, fruto de cenário no qual a esquerda não tem maioria parlamentar, o principal partido oficialista talvez fosse o único a evitar protagonismo nos embates internos e na sociedade para estabelecer decisões governamentais.
Este conjunto de paradigmas fixado pela resolução deixa poucas dúvidas, mesmo que não esteja dito com todas as letras, sobre o fato de o PT estar empenhado em formidável virada na sua formulação política.
O documento da Executiva Nacional, aliás, consolida tendência nascida na leitura das manifestações de junho do ano passado.
Retirado abruptamente de sua zona de conforto, o petismo viu-se obrigado a reanalisar o fôlego da estratégia vigente, os impasses no programa de reformas, a relação entre partido e governo, a combinação entre institucionalidade e lutas sociais, a questão da participação popular e da democratização do Estado.
Idas e vindas neste esforço de retificação puderam ser observadas ao longo dos últimos meses, mas as condições dramáticas das últimas eleições presidenciais provavelmente determinaram a decantação do texto aprovado pelo estado-maior petista.
Ainda que possam ser feitas várias críticas pontuais – por exemplo, a ausência de referências à questão ambiental -, a citada resolução tem caráter histórico.
Claro que sua legitimidade depende de unidade, habilidade e força para implementar os enunciados ali contidos. A presidente e o governo podem ou não ser influenciados pelo pensamento emanado da direção petista. A realidade pode ou não dar razão às novas ideias. Nada disso, porém, tira a relevância do que foi decidido.
Talvez seja reconhecido, no futuro, como documento tão importante quanto as deliberações do V Encontro Nacional, de 1987, responsáveis pelas balizas do processo que, quinze anos depois, levaria à vitória de Lula.
A esquerda, a propósito, exibe tradição de dar nomes especiais a textos que forjam giros fundamentais em sua política.
As recentes decisões petistas, quem sabe, um dia venham a ser identificadas como “Resolução da Primavera”. Menos pela estação na qual foi concebida, mais por aceitar o risco de ver cem flores desabrocharem, como diria o revolucionário chinês Mao Tsé-Tung
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