11/03/2015
O panelaço e o analfabetismo político

Tudo isso deve ser saudado como um passo positivo. O processo de criação de novas lideranças é prolongado e atuar em defesa de seus interesses de classe é não só legítimo, como pode servir de escola.
Porém, as eleições acabaram. Não está previsto um terceiro turno. E a classe média, agora, quer ganhar no grito. Literalmente.
Ela confunde o desabafo apaixonado do torcedor que grita gol de seu clube na sacada com o “fazer política” através de panelas e buzinas. É o barulho que cala o adversário e impede o diálogo. “Vaca”, “vadia” e “filha da puta” fazem parte do repertório de quem, no grito, quer negar ao outro o direito de se expressar.
A classe média, neste sentido, consegue ser ainda pior que o Jornal Nacional, que também cerceia a liberdade de expressão alheia, enquanto privilegia os seus - mas pelo menos o faz de maneira politicamente correta.
Existe um cordão umbilical entre ambos. Há quase 50 anos o JN, com suas mentiras, distorções, omissões e meias verdades, é o principal instrumento para moldar o analfabetismo político no Brasil.
Os governos do PT, como sabemos, quase nada fizeram para mudar isso. José Dirceu, lembrem-se, foi aquele ministro que acreditou que a Globo “era nossa”.
A classe média não quer saber de criar sindicatos, partidos, associações de moradores e movimentos sociais, nos quais um integrante pode tudo, menos ganhar no grito.
Até mesmo na reunião de condomínio é preciso argumentar, perder uma, ganhar outra e seguir a vida, do jeitinho que é na Política com pê maiúsculo.
Porém, os analfabetos políticos não conseguem alcançar intelectualmente a ideia de que conviver com o diferente está no cerne de qualquer democracia. Perder faz parte do jogo.
O GAFE - Globo, Abril, Folha e Estadão - faz o trabalho inverso daquelas máquinas de diálise e cada vez mais envenena o sangue dos desvairados.
O veneno é potencializado pelo organismo do analfabeto político. Lembrem-se, ele é um ser a-histórico, alimentado por doses diárias de informação descontextualizada.
Justamente por isso, vicejam neste ambiente as teorias conspiratórias mais desconexas. A acreditar nelas, o filho do Lula é dono de uma fazenda cuja sede é a Escola de Agronomia Luís de Queiroz (ESALQ), de Piracicaba. Tropas estrangeiras, vindas da Venezuela, já teriam invadido o Brasil com o objetivo de apoiar um golpe de esquerda de um governo cujo ministro da Fazenda é Joaquim Levy. Os médicos cubanos, devidamente infiltrados, estariam apenas esperando um sinal de Dilma para espalhar o vírus vermelho da comunização.
Estes absurdos não parecem absurdos a uma parcela considerável dos analfabetos políticos. Eles acreditam em tudo o que de alguma forma se encaixa em seus preconceitos.
Nesta manhã um colega narrou a seguinte experiência. Ele estava em casa quando ouviu a gritaria e o panelaço vindos, especialmente, de um prédio luxuoso, cujo condomínio custa 5 mil reais mensais. Saiu de casa e manifestou sua opinião contrária. Recolheu-se e foi dormir. Ao acordar, os vidros da porta principal de seu prédio estavam quase todos destruídos.
Este é o nível ao qual chegou o ódio irracional, capaz de fazer muito mais danos à democracia quando se espalha feito fogo pelas redes sociais. Marx talvez nunca tenha imaginado que chegaríamos a tal ponto: a guerra de classes instantânea.
No twitter, chamou minha atenção a mensagem de um internauta dizendo que a classe média brasileira tem sorte de não morar na Venezuela, onde falar mal do governo leva à cadeia. Eu o corrigi. Não é verdade. Pelo menos não enquanto Nicolas Maduro conseguir contemporizar com os militares à esquerda, que podem dar, sim, um golpe preventivo, caso a decisão de Obama de considerar Caracas uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos resulte no isolamento da Venezuela.
Lá, o maior legado de Hugo Chávez foi ter politizado como nunca a população do país. Tendo vivido uma guerra cruenta de Independência, ao contrário de nosso arranjo à brasileira nas margens do Ipiranga, os venezuelanos tem uma relação com a História muito diferente da dos brasileiros. O problema, lá, é que a elite militar que sobreviveu à guerra de extermínio dos espanhóis estabeleceu uma tutela sobre o poder civil, que ainda se manifesta nos dias de hoje.
Nosso problema, pelo menos o mais evidente, é que a famosa “modernização conservadora” nos impõe um pacto muito parecido com o de Punto Fijo, através do qual as elites venezuelanas fizeram um arranjo pelo qual se sucederiam no poder. Tal pacto, lá como aqui, é incompatível com a democracia. Lá, foi detonado por Hugo Chávez. Aqui, persiste, agora em crise profunda.
Se o PT não mexeu nos fundamentos dele, por outro lado ameaça ganhar outra eleição em 2018, impondo aos tucanos uma secura de 20 anos!
Em junho de 2013, a explosão difusa nas ruas chegou a ameaçar o nosso pacto. O analfabetismo político ficou explícito na incapacidade dos atores daquele movimento de tirar um saldo das manifestações de rua. A reação conservadora não tardou, na forma da criminalização dos protestos. Avança, com um Congresso mais conservador que o anterior, liderado por gente como Renan Calheiros e Eduardo Cunha.
Mas, a tensão continua no ar. A verdadeira elite, não a dos batedores de caçarola, parece dividida: “Ruim com Dilma, pior sem Dilma?” ou “Podemos dispensar a Dilma, fatiar a Petrobras e viver de rendas”.
Hoje, duas conhecidas - uma votou na Dilma e a outra em Aécio - falavam sobre seu desconsolo com a situação do Brasil. Reclamaram do preço do dólar, do possível desemprego, do petrolão e da inflação. Concordei com tudo. Acrescentei minhas próprias críticas ao aparente isolamento de Dilma, à sua inépcia política, ao discurso distante no Dia Internacional das Mulheres, ao ministério medíocre, às medidas econômicas que primeiro punem os trabalhadores.
Não disse, mas deveria ter dito, que se o Brasil tivesse uma Constituição como a da Venezuela, que prevê o recall, Dilma poderia ser submetida a um referendo na metade do mandato, cumpridas as exigências de assinaturas, etc. Chávez enfrentou um e venceu por 60% a 40%.
Ainda que tão desgostoso quanto elas com o quadro atual, propus um exercício.
“Ok, vamos derrubar a Dilma. Mas, o que virá em seguida? Temer? Cunha? Novas eleições? Intervenção militar? É possível consertar a economia com passes de mágica? Não seria melhor esperar por novas eleições, já que Dilma acaba de ser reeleita?”
Ambas me pareceram confusas depois de todas as minhas perguntas. É como se tivessem escolhido Dilma para desabafar, o que pode ser positivo do ponto-de-vista psicanalítico, mas não é recomendável quando estamos falando do futuro do Brasil.
Fiz as perguntas só para provocar. Fui embora intrigado: como pessoas inteligentes e bem informadas podem se deixar cegar por sua própria inconsequência política? Como é possível dar um passo de tal envergadura, como contribuir com o impeachment de um presidente, sem sequer avaliar as consequências que tal passo terá amanhã?
Tenho comigo que é o poder do ódio provocando uma epidemia de cegueira, equivalente àquela que o Saramago inventou.
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