Um número considerável de cidadãos tem comemorado o tratamento
agressivo recebido pelos políticos que comparecem aos protestos de
domingo.
É um sinal preocupante e condenável. O silêncio dos políticos e a
perseguição das liberdades é uma herança do fascismo e das piores
tradições autoritárias.
Vamos aos fatos. No domingo, em São Paulo, o senador Aloysio Nunes
Ferreira, um dos líderes mais importantes do PSDB, foi hostilizado
quando se encontrava nas proximidades de um caminhão de som do Vem prá
Rua, movimento que tem ligações com os tucanos: "sem partido, sem
partido," gritavam.
Nenhum político foi tratado de forma tão humilhante como o deputado
Paulinho (SD-SP), presidente da Força Sindical. Paulinho tinha motivos
para imaginar que iria sentir-se em casa no domingo.
Afinal, foi ele
quem levantou o braço de Aécio no 1º de maio do ano passado, quando o
futuro candidato do PSDB disse que estaria de volta no ano seguinte como
"Presidente da República." Naquele mesmo dia, Paulinho chegou a dizer
que o lugar de Dilma "era na Papuda."
No domingo passado, Paulinho
não só foi impedido por vaias de abrir a boca quando chegou perto do
microfone num caminhão de som que ele próprio levou a manifestação.
Também ouviu gritos de "oportunista" e o célebre coro "Um, dois, três,
quatro, cinco mil, queremos que o Paulinho vá para a ....." descreve a
repórter Aline Ribeiro, da Época, que acompanhou a cena de perto. O
esforço de Paulinho para ajudar nos protestos incluiu, ainda, garantir a
presença de duas celebridades no caminhão de som, a cantora Vanessa
Camargo e Ronaldo, fenômeno do oportunismo. Nada mais injusto, portanto,
que chamar Paulinho da Força de oportunista, como se gritava em volta
do caminhão de som.
Em vários pontos do país, outros políticos, inclusive os tucanos
Carlos Sampaio e Marcos Pestana, sem falar no senador Ronaldo Caiado, do
DEM, preferiram participar dos protestos como cidadãos anônimos.
Os protestos são uma força contra o governo Dilma e a oposição, após
uma quarta derrota nas urnas, acredita que podem servir de atalho para
chegar a um poder de qualquer maneira — como se compreende por faixas
que pedem impeachment e/ou golpe militar. O alvo dos protestos é este,
como disse aqui ontem. O resto — mesmo a corrupção — é perfumaria do
ponto de vista da prioridade das manifestações.
Do ponto de vista histórico, o tratamento agressivo contra os
políticos — inclusive aliados — é uma herança do fascismo, aprende-se
pela leitura de Hannah Arendt.
Em "Origens do totalitarismo", ela explica o nascimento das ditaduras
do século XX a partir do colapso das organizações de classe — como os
sindicatos de trabalhadores – e dos partidos políticos, que sustentavam o
cotidiano de uma vida democrática.
"A queda das paredes protetores das classes transformou as maiorias
adormecidas, que existiam por trás de todos os partidos, numa grande
massa desorganizada e desestruturada de indivíduos furiosos que nada
tinham em comum exceto a vaga noção de que as esperanças partidárias
eram vãs."
A desilusão com o sistema partidário — conceito é a matriz da
"deslegitimação" do sistema político de que fala o juiz Sérgio Moro em
seu texto sobre a Operação Mãos Limpas — é parte necessária desse
processo.
Como explica Arendt, até "os mais respeitados, eloquentes e
representativos membros da comunidade" passam a ser apontados como "uns
néscios", enquanto as autoridades constituídas se tornam "não apenas
perniciosas mas também obtusas e desonestas."
Quem acha que essa opinião faz sentido com sua própria visão sobre os
políticos do Brasil de hoje, precisa repensar seus conceitos. Hannah
Arendt está falando sobre a base ideológica do cidadão comum que, na
Alemanha, deu a base social para o nazismo e, na Itália, forneceu o
cimento para o nazismo.
A construção das ditaduras em sociedades divididas em classes sociais
— um traço típico dos regimes capitalistas — envolve, em primeiro
lugar, reprimir e desorganizar os partidos que, pela simples existência,
demonstram a presença de interesses divergentes e contraditórios em
cada sociedade e afirmam o direito dos cidadãos optar por um lado e
outro, por um interesse e outro.
Na Alemanha da década de 1930, esses partidos eram a Social
Democracia e o Partido Comunista. Na Itália, era o PS, que mais tarde se
transformou-se no PCI.
Eles eram os baluartes da democracia, não porque tivessem grandes
amores pelas democracia — PC alemão era stalinista até a medula — mas
porque eram a garantia da divergência, a proteção ao confronto de ideias
e interesses.
Em suas campanhas eleitorais, Hitler se recusava a apresentar um
programa de governo, dizendo que o mais importante é a "vontade humana,"
recorda o professor Jean Touchard, em sua "Histoire des Idees
Politiques. Mussolini consolidou-se no poder dizendo que os "fascistas
têm a coragem de rejeitar todas as teorias políticas tradicionais: somos
aristocratas e democratas, revolucionários e reacionários, proletários e
anti proletários, pacifistas e anti pacifistas."
Numa definição essencial para eliminar a diferença, o conflito, a
alternância, a democracia, enfim, Mussolini sintetizou: "É suficiente
possuir um ponto fixo: a nação." O horror de Hitler a políticos e às
eleições o levou a copiar uma frase bíblica: "É mais fácil um camelo
passar por uma agulha do que descobrir um grande homem através de uma
eleição."
Precisa dizer mais alguma coisa?
.
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