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17/03/2015
Vire à esquerda, presidenta
Eduardo Guimarães
Olhando as ondas humanas que engolfaram as ruas do Brasil no último domingo, a impressão que se tem é a de que o país é hoje todo de direita. Porém, não é bem assim. Essas manifestações não contaram com movimentos populares como de mulheres, homossexuais, negros etc., que, via de regra, costumam estar presentes em grandes atos públicos.
O site da BBC Brasil também contraria essa percepção de que o Brasil “endireitou”. O que constata a empresa jornalística de matriz britânica é, ipisis-litteris, o mesmo que foi dito nesta página no post anterior: tratou-se de um protesto da dita “elite branca”.
Para chegar a essa conclusão, a BBC Brasil fez um apanhado do que opinaram grandes veículos da imprensa internacional. Vejamos o que foi dito.
“Centenas de milhares de brasileiros predominantemente brancos e de classe média tomaram as ruas ontem [15/3] para pedir o impeachment da presidente e, alguns, um golpe militar”, publicou o britânico The Guardian.
Já o espanhol El País noticiou, na capa do periódico, que “os protagonistas das marchas pertencem às classes médias mais educadas“.
No insuspeito argentino Clarín, destacou-se que o deputado federal Paulinho da Força (SD-SP) foi “o único que levou grande número de manifestantes que não são nem brancos nem ricos para a manifestação“. Mas o jornal destacou que Paulinho foi hostilizado pelos manifestantes, pois estes têm ojeriza a trabalhadores e sindicalistas.
Se restasse alguma dúvida do caráter de ultradireita dessa manifestação, bastaria verificar que os motivos militares com pregações de golpe de Estado a la 1964 foram aceitos sem maiores problemas nessas manifestações.
Além disso, segundo o instituto Datafolha 82% dos participantes desses protestos votaram em Aécio Neves na eleição presidencial do ano passado.
Esses dados são mais do que suficientes para que a presidente Dilma e seu estafe se convençam de que não adiantará se ajoelharem no altar dos adversários e, sobremaneira, da ultradireita que manteve este país prisioneiro durante duas décadas, sem poder se manifestar eleitoralmente.
O que acontece é que a maioria que elegeu o atual governo está desmotivada, calada, acuada e, em grande parte, decepcionada, de modo que não aderiu aos protestos levados a efeito pela Central Única dos Trabalhadores dois dias antes do protesto reacionário.
Dilma assumiu seu segundo mandato com uma agenda destinada a pacificar o “outro lado”, ou seja, aqueles que derrotou em 26 de outubro do ano passado. Não funcionou. Na abertura da atual Legislatura, o candidato derrotado no segundo turno, Aécio Neves, deu a senha. A grande mídia, idem. Não estavam – e não estão – dispostos a aceitar o resultado da eleição.
Dilma também buscou fazer um agrado ao capital ao nomear como ministro da fazenda um Armínio Fraga “fake”, ou seja, uma cópia “light” daquele que Aécio anunciou, durante a campanha eleitoral, que seria o seu ministro da economia.
Dilma chegou a dizer, durante a campanha eleitoral de 2014, que ajustes na economia seriam necessários, mas não os especificou. E muito menos explicou que, devido às políticas anticíclicas que adotou para que os brasileiros não sentissem a crise internacional, as contas públicas foram se desajustando, o que fez os investidores se retraírem.
Como esta página vem explicando desde o “day after” das eleições, sem investimentos privados o Brasil não cresce. Ora, as contas públicas, tanto quanto as privadas, sofrem reajustes.
Assim como aumentam a escola dos filhos ou o aluguel, as despesas do Estado sofrem reajustes. Se o país não cresce, o governo, assim como o cidadão, tem que recorrer ou à poupança ou ao “cheque especial”.
Ao longo dos últimos quatro anos, o governo federal tratou de impedir que a crise internacional afetasse os brasileiros gastando acima do que arrecadava em impostos e por outros meios.
O resultado é que há uma conta que chega a 100 bilhões de reais (dívida no “cheque especial”), o que nem chega a ser muito para um país cujo PIB beira os 5 trilhões e que tem quase 400 bilhões de dólares de reservas cambiais, mas, para quem decide se vai investir, o fato de o país estar “no vermelho” inibe essa decisão de investimento.
O fato é que a política econômica de Dilma está correta. É possível fazer esse ajuste sem grandes sacrifícios. Porém, a presidente não levou em conta a política. Não imaginou que a oposição e a mídia não aceitariam o resultado da eleição.
O grande erro de Dilma foi não preparar o povo e as forças políticas de esquerda que a apoiaram no segundo turno para o ajuste fiscal. Deixou de lado quem trabalhou por sua reeleição e foi afagar aqueles que a cada afago respondem com um chute na canela ou, como no domingo, com um soco no rosto.
Se os protestos de sexta-feira 13 tivessem sido em favor da presidente e atraíssem a sociedade civil em grande número, teriam anulado os protestos de domingo e ficaria tudo na mesma. O problema é que inúmeras entidades de esquerda nem deram as caras e os cidadãos progressistas, salvo raras exceções, ficaram em casa.
Isso sem falar que o ato da CUT continha críticas ao governo…
Ainda no domingo, com as ruas do país ainda tomadas pelos tarados de ultradireita que saíram protagonizando cenas que lembram a ascensão do nazismo na Alemanha, ministros de Dilma deram declarações de “humildade” e ensaiaram uma tentativa de diálogo com as massas revoltadas. Na segunda-feira, a própria Dilma pediu compreensão.
Tudo perda de tempo. A presidente colheu mais panelaços enquanto contemporizava na TV.
É impossível contemporizar com aqueles que fizeram bonecos de pano simulando a presidente da República e seu antecessor e os penduraram pelos pescoços em viadutos, sugerindo linchamento físico de ambos.
O que resta a Dilma é a esquerda (do centro à extremidade). Esse setor foi majoritário na eleição de 2014, bastando para reelegê-la – ainda que parte do eleitorado que reconduziu a presidente ao poder não tenha ideologia, mas medo de perder tudo que conquistou nos últimos 12 anos.
Em vez de Dilma ficar afagando quem não quer seus afagos e, sim, o seu sangue – em alguns casos, literalmente – deve tentar – ao menos tentar – um diálogo com a esquerda.
Claro que o grande problema da esquerda é o mais absoluto desconhecimento de economia e de administração pública, até porque quem administra a coisa pública desde de sempre, neste país, é a direita – seja mais moderada, seja mais radical.
Porém, se Dilma chamar as lideranças de movimentos sociais e partidos de esquerda para o diálogo, pode tentar conseguir apoio que lhe permitirá governar e que evitará, para a própria esquerda, que seja dizimada pelo conclave reacionário de ultradireita que vai se formando.
O que Lula, Dilma e o PT têm que tentar é fazer a esquerda pensar no “day after”, ou seja, dizer a movimentos sociais, sindicais e partidos se já refletiram sobre o que sobrevirá caso ela seja derrubada ou mesmo se tiver que governar por quatro anos como uma marionete, cedendo a tudo que a ultradireita neoliberal quiser.
Mais: há que propor uma agenda progressista a partidos, sindicatos, movimentos sociais e mesmo aos cidadãos com pensamento de esquerda. Uma agenda a ser implementada conforme a situação político-econômica se estabilizar.
O que vai exposto acima não chega a ser o melhor dos planos, mas, no entender deste blogueiro, é o que há para hoje. Antes de começar redecorar a casa incendiada, há que apagar o incêndio. E fazer afagos na direita, no momento, equivale a jogar gasolina nesse incêndio. Quanto mais Dilma falar para essa gente, mais furiosa ela vai ficar.
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