Lembrando da malfadada
Marcha com Deus pela Família e pela Liberdade, que ajudou a derrubar
João Goulart, três décadas atrás, é justo perguntar quando o país
começará a dar gargalhadas dos protestos contra a democracia programados
para hoje.
Explico. Não existe,
em nossa época, iniciativa mais ridícula do que atacar um regime
democrático nem tentação mais vergonhosa do que tentar derrubar os
poderes soberanos do povo.
É um movimento que
contraria as melhores lições políticas que a humanidade aprendeu nos
séculos que se seguiram a Revolução Francesa. Que nega uma civilização
inteira, na qual nossos filhos e netos merecem viver para que possam
construir um mundo melhor para seus próprios filhos e seus netos.
Um mal disfarçado
projeto golpista, que reflete a incapacidade de conviver com a vontade
expressa da maioria, retira dos atos de hoje qualquer fiapo de
pretendida dignidade. Podem ser admitidos por lei mas são errados como
cuspir no chão, bater em criança e perseguir quem não pode se defender.
As conspirações
anti-democráticas devem ser denunciadas e combatidas sempre mas podem
levar semanas, durar meses ou prolongar-se por anos. anos. O ideal é que
sejam derrotadas de imediato, mas isso pode levar mais tempo. As vezes,
acontece a tragédia de chegarem ao poder, como já ocorreu com tantos
povos e países, inclusive conosco, infelizmente, logo depois daquela
marcha de 1964.
Mas sempre serão
vencidas, inevitavelmente. Os ditadores podem fugir do palácio pela
porta dos fundos, podem ser julgados e enforcados, podem ser pendurados
de cabeça para baixo pela massa em fúria por direitos que foram
roubados, pelo sofrimento causado. Com frequência, reescrevem a própria
história, escondem seus crimes, dissimulam, apagam indícios e sinais.
O mais comum é que
sejam ridicularizados em sua arrogância, em seu sonho pretensioso mas no
fundo apenas criminal e perigoso. Isso porque não há argumento
defensável na boca de quem tenta vencer a vontade soberana de uma nação.
A derrota dos
adversários da democracia é inevitável como a alvorada depois da noite. É
certa como a esperança que todo os dias nos leva sair da cama para
lutar pelo bem ainda que o mal pareça inevitável, a preferir a verdade
no lugar da mentira. Eles nunca deixarão de ser uma excrescência
absoluta, nem deixarão de refugiar-se na hipocrisia dos que falsificam a
história sem escrúpulos nem dores na consciência. Mas estão condenados a
perder, porque sua mensagem não eleva o bem estar do povo nem torna os
homens e mulheres de hoje mais iguais — mais humanos na realidade — do
que homens e mulheres de ontem. Seus projetos são obscuros e regressivos
e é por isso, mais do que qualquer outra razão, que eles perdem todos
os debates quando as diferenças se esclarecem, não conseguem ganhar
nenhuma eleição quando as fantasias se desmancham e o importante
aparece.
Detestam o voto popular, que só disputam quando não há outro
jeito.
Mesmo assim tentam comprar a vontade dos fracos, alugar a consciência dos estudados.
Os ataques à democracia fazem feridos, matam e machucam.
Mas sempre chega a hora em que
podemos rir deles, em gargalhadas que hoje fazem eco em minha memória,
quando lembro da minha mãe falando sobre as vizinhas, amigas e nem tão
amigas que foram às ruas para pedir golpe em março de 1964. Professora
num bairro de classe média, lutadora por muitos direitos que poucos
conheciam na época, dona Alcina tinha orgulho de ter recusado convites e
apelos para sair de casa naquele dia. Isso lhe fazia sentir orgulho,
dava um sentimento de honra, de dever cumprido. Também era a alegria de
quem não se deixara enganar.
Em tempos de maior religiosidade,
aquelas mulheres carregavam terços, usavam véus — e vociferavam contra
blasfêmias e pecados da época em que a mudança social estava tão
distante e a ignorância geral era tão grande que podia ser apresentada
como obra do demônio. Para combater o que se chamava de subversão,
diziam que iriam eliminar a corrupção. O truque é antigo, como sabemos.
Não vamos nos iludir. Os protestos
de hoje querem revogar as melhorias feitas na vida do povo. Expressam o
inconformismo de quem não suporta assistir ao progresso dos que sempre
estiveram em baixo. Seu horizonte é a escuridão e seu destino final será
fornecer enredos e personagens para as anedotas e comédias do futuro.
A gargalhada dos homens e mulheres
de amanhã é o destino inevitável dos golpistas que desfilam hoje. Nada
mais merecem além de vaias, piadas e deboche.
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