Numa tarde em que se ouviam discursos que lembram
tempos de Reagan e Thatcher, Câmara aprovou uma barbaridade histórica
contra os direitos dos trabalhadores e a herança de Vargas.
Numa
época que convive com denúncias frequentes de trabalho escravo, que
envolvem até grandes empresas multinacionais, supostamente modernas e
socialmente responsáveis — numa lista bem lembrada pela deputada Janete
Capiberibe (PSB-AP) em discurso na tarde de ontem — o projeto de lei
4330, que libera as terceirizações, é um erro histórico e um abuso. O
projeto foi aprovado ontem por 324 votos a 137. Em breve será
encaminhado para o Senado. Minha opinião é que, se for aprovado também
nesta Casa, a presidente Dilma Rousseff não terá alternativa além do
veto.
É uma decisão drástica, que até pode vir a ser derrubada pelo Congresso, em outra votação. Mas é uma questão essencial para o país e a disputa vale à pena.
Depois da votação de ontem, o secretário da Presidência, Miguel Rossetto, divulgou nota, condenando a decisão. Está certo.
Mas é preciso ir além e tomar todas as medidas legais, ao alcance de um governo eleito pela maioria brasileiros, para corrigir uma decisão que é uma barbaridade histórica, questiona a Consolidação das Leis do Trabalho, uma das mais progressistas instituições brasileiras, e um dos elementos centrais da herança de Getúlio Vargas. Pelas leis em vigor, hoje é possível terceirizar atividades-meio numa empresa. Por exemplo: pode-se terceirizar o ascensorista de um banco, o serviço de manutenção de computadores e assim por diante. Os resultados nem sempre são os melhores nem os mais convenientes para todos os assalariados. Mas não se pode terceirizar o caixa nem a gerência. Agora pode. O mesmo vale para as montadoras de automóvel, para a industria de informática, para as escolas.
Imagine o que irá acontecer com os salários, com os ganhos por produtividade, com o plano médico e assim por diante. Pense na luta cotidiana por direitos, que acompanha a história dos assalariados desde a invenção do capitalismo. Ficará mais difícil, complicado, burocrático, defender conquistas e melhorias — quando mesmo funcionários de um único departamento passam a responder a sindicatos diferentes, com regras diversas, estabelecidas em convenções diferentes. Para as empresas, uma das principais vantagens do PL 4330 é permitir que boa parte dos funcionários sejam excluídos dos benefícios celebrados em convenções coletivas, como hoje.
Ainda que os discursos dos aliados da terceirização, ontem, lembrassem a retórica de triunfo reacionário surgida nos anos Ronald Reagan-Margaret Thatcher — alguns parlamentares até lamentaram que não se pretendesse estender a terceirização em toda linha à administração direta do Estado — cidadãos em pleno gozo da saúde mental têm dificuldade para imaginar que os patrões da Casa Grande brasileira tenham inventado um projeto, o 4330, para minorar o sofrimento dos mais humildes, não é mesmo?
O argumento levado ao plenário é que o 4330 iria proteger os 12 milhões de brasileiros que trabalham sem direito algum — o que lhe daria um caráter socialmente justificável. “Vamos tirar as máscaras,” rebateu a deputada Erika Kokay (PT-DF), voltando-se para o plenário: “Alguém aqui acha que o projeto defende o terceirizado?”, disse, deixando claro que em vez de regulamentar o trabalho hoje desregulamentado, o que se busca é desregular a condição de trabalho de milhões de trabalhadores, que desfrutam de uma condição de trabalho que, mesmo sem nada de luxuosa, muitos consultores pós-modernos consideram exageradamente favorável.
O deputado Glauber Braga (PSB-RJ) pediu aos parlamentares que tentassem imaginar uma conversa com seus eleitores, nas próximas semanas, quando seriam forçados a entrar numa agência bancária e explicar para os funcionários que a partir agora eles não eram mais bancários. É uma votação “perigosíssima,” disse Glauber.
O placar final nem de longe reflete a visão da população, para quem a CLT é uma conquista histórica — pode ser aperfeiçoada e atualizada, mas não desfigurada. Encalhado há onze anos na Câmara, onde não era levado a votos pelo receio óbvio de ser derrubado em plenário, no ano passado o PL 4330 esteve no centro de uma conversa entre parlamentares e lideranças empresariais reunidos no hotel Fazano, em São Paulo. A ideia era aprovar o projeto. A promessa, garantir recursos de campanha. Mais uma vez, o temor de enfrentar uma votação tão delicada em ano eleitoral motivou um adiamento da decisão, uma das primeiras no pacote de medidas conservadoras em curso após a vitória de Eduardo Cunha.
A pressa para votar logo o projeto, quando faltam três anos e cinco meses para a próxima eleição, inspirou uma ação de emergência de Cunha, 24 horas antes da decisão. Isso porque chegou ao Congresso uma Medida Provisória, de número 661, que não foi debatida nem votada pelos parlamentares. Conforme entendimento em vigor até 48 horas atrás, essa situação deveria impedir a votação de projetos de lei pelo prazo de 45 dias. Na terça-feira, ao analisar uma questão de ordem, Eduardo Cunha alterou o entendimento da casa sobre tramitação das MPs, definindo que esse tipo de exigência só passa a valer após leitura em plenário, o que não ocorreu. Na tarde de ontem, o deputado Alessando Molon (PT-RJ) e o líder petista, Sibá Machado, bateram às portas do Supremo para pedir a declaração da ilegalidade da votação. “O presidente da Casa não pode escolher quando vai respeitar a Constituição e seguir os seus prazos e quando não vai. O regimento interno não pode passar por cima da Constituição Federal”, protestou Molon, discursando em plenário
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