11/02/2016
Muito além das fronteiras do ridículo
Na tentativa de incriminar Lula, os perdigueiros da informação mordem seu próprio rabo, mas poucos se riem
Sérgio Lima/ FolhaPress
Um triplex em uma Guarujá degradada e
um sítio em Atibaia protagonizam enredos completamente desenrolados
para provar que não são propriedade da família Lula da Silva.
por Mino Carta
Na
semana passada, sugeri aos perdigueiros da informação que passassem a
procurar o jatinho, o Rolls-Royce, a fazenda, o iate que Lula não
possui. E não é que acharam o barco de dona Marisa? De lata, custa 4
mil reais. Quanto à fazenda, fazendeiro mesmo é Fernando Henrique
Cardoso e de jatinho há de voar Aécio Neves, ao certo sei que dispõe de
campo de pouso.
Está claro que de FHC e
de Aécio não é admissível suspeitar: postam-se na proa da fragata
tucana e, portanto, são intocáveis. Seu partido tornou-se de fato o mais
perfeito intérprete dos ideais da direita mais reacionária do País.
O Partido da Social-Democracia Brasileira, e já aí nos defrontamos com
uma piada. Nunca houve quem ousasse perguntar-se como um professor
universitário seja proprietário de um apartamento paulistano muito maior
do que o triplex praiano que dona Marisa não comprou, e de uma fazenda
de boa extensão, fruto de uma obscura história a envolver um certo
Jovelino Mineiro, de turva memória.
O único filho de FHC (o outro dele
não era) andou metido em aventuras estranhas e eu não esqueço as
excelentes relações que o ex-presidente mantinha com Daniel Dantas,
o banqueiro do Opportunity, deliberadamente favorecido pelo então
presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, por ocasião da
bandalheira da privatização das comunicações.
Não são eles que podem rir. (Edilson Dantas/ Ag. O Globo)
Tive a oportunidade de ouvir a gravação dos grampos das
conversas telefônicas entre Mendonça de Barros, André Lara Resende e
Pérsio Arida e parte mais significativa CartaCapital publicou em
25/8/1998, ecoada obviamente pelo estrondoso silêncio da mídia nativa.
Ouvi claras referências à manipulação dos resultados da privatização a
favor “dos italianos” e, portanto, de Dantas, admitida a possibilidade
de recorrer, caso necessário, à “bomba atômica”, ou seja, o presidente
FHC. Certa vez, de volta de Cayman, onde cuida dos seus negócios e de
muitos outros graúdos, o banqueiro foi diretamente a Brasília para uma
visita ao Alvorada. Perguntei-me se estaria em missão de agradecimento.
A vocação aérea de Aécio Neves
é certa e sabida, costumava usar o avião da governança mineira para
viagens sem agenda oficial, e o emprestava com generosidade aos amigos e
nem tanto para suas deslocações Brasil afora. Até um vilão recente,
Delcídio do Amaral, gozou da regalia. Do ex-governador falou-se muito e
mal, em incursões inclusive por sua vida privada, e eis que, de
improviso, ao se tornar candidato tucano contra Dilma Rousseff, a mídia nativa o assume como varão de Plutarco.
Os argumentos brandidos agora na
tentativa de incriminar Lula, repetidos à exaustão produzem jornalões
idênticos de um dia para o outro, e também revistas e programas de rádio
e tevê. Ao ler a Folha de S.Paulo de sexta-feira você pode ser levado a crer que de verdade se trate de O Globo de domingo ou do Estado de S. Paulo da
quinta seguinte. Não se distingue colunista, ou um comentarista, de
outro.
Por exemplo, Dora Kramer de Eliane Cantanhêde. De todo modo, na
terça 2 de fevereiro, na Folha Mario Sergio Conti aponta em
Ernesto Geisel um herói da probidade. Dado a esquecimentos, o colunista
graciosamente olvida a vivenda nababesca que Geisel construiu na encosta
da Serra do Mar e de como permitiu que o então mandachuva da Petrobras,
Shigeaki Ueki, cobrasse pedágio sobre cada barril produzido ou
importado. Sem contar que, ao encerrar o seu “mandato”, levou para casa
os presentes recebidos de visitantes ilustres na qualidade de ditador.
Consta ter apreciado sobretudo vasos chineses da dinastia Ming.
Há 18 anos provamos a maior bandalheira da história, ecoar por estrondoso silêncio
Mesmo para quem se acostumou à
leitura da imprensa, ou acompanha programas políticos na tevê e no
rádio, haveria de sofrer autênticas crises de desalentado enfado diante
da repetição dos tais argumentos, de resto até o momento tão pouco
consistentes. Os jornais contam até as vezes em que a família de Lula
esteve no celebérrimo sítio de Atibaia como se os passeios apontassem
para os verdadeiros donos do imóvel. Fica provado apenas que a polícia
segue os passos da família Lula da Silva e se prontifica a vazar
informações aos repórteres que certamente não se dispõem a certas
tarefas.
Ampla conspirata em andamento como se vê,
conluio de policiais com os perdigueiros midiáticos, diante do olhar
atônito de Rolando Lero, perdão, do ministro da Justiça. Envolvidos,
ainda, promotores certos da autoridade que a Constituição lhes concede,
qual fossem instituições à parte, além das três previstas pelo regime
democrático. No caso, o doutor Ulysses Guimarães, pai da Carta de 1988,
cometeu um equívoco. Houve, entre seus assessores, quem recomendasse não
conceder ao Ministério Público tamanho poder, mas o “Senhor Diretas
Já”, movido a idealismo, não quis ouvir.
Os enredos protagonizados pelo triplex
praiano e pelo sítio interiorano foram completamente desenrolados. No
caso do sítio, um dos donos é filho de um dos fundadores do PT, Jacó
Bittar, velho companheiro de lutas sindicais do ex-presidente do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Jacó comandava o
sindicato dos petroleiros de Paulínia, e os filhos dos dois
sindicalistas cresceram juntos. Seria imaginável que um Bittar
funcionasse como laranja de Lula? Mesmo assim, os perdigueiros farejam o
pecado e contam com um promotor paulista, Cassio Conserino, para dar
ouvidos à sua algazarra e indiciar o casal Lula da Silva para depor no
próximo dia 17. Admita-se a hipótese de que Conserino aspirasse a ter
seu retrato nas páginas dos jornalões.
A razão da caçada é transparente, nasce
do ódio de classe dos senhores da casa-grande e visa cortar pela raiz a
eventualidade de uma candidatura de Lula em 2018. Ocorre que os
perdigueiros se perdem pelo caminho à procura do que não existe, vítimas
de sua própria insistência ao longo da pista que a nada leva. Surpresa?
O jornalismo à brasileira é o mister, com raríssimas exceções, de uma
horda de lacaios dos barões midiáticos. Estes se odeiam entre si, mas se
unem à frente do risco comum, para formar o verdadeiro partido de
oposição a qualquer ameaça à fórmula medieval, casa-grande e senzala.
Nem por isso sobra espaço para espanto quando os perdigueiros estão a
morder seu próprio rabo.
O doutor Ulysses cometeu um equívoco ao conceder poder excessivo ao MP na Constituição de 1988...(Sergio Amaral)
Quantos, além do promotor Conserino, não
percebem o ridículo? Em primeiro lugar, os proprietários de apartamentos
mensuráveis em milhares de metros quadrados de construção, dotados de
terraços gourmet e de sete a oito garagens, em edifícios definidos como
torres. Foi-se o tempo em que veraneavam em Guarujá. Por lá havia até um
cassino em roleta, dedicado, porém, a jogos de baralho, e à mesa de
pôquer o rebento de uma graúda família paulistana certa vez perdeu um
carro Studebaker, verde e recém-importado. Décadas e décadas atrás,
quando a Praia das Astúrias servia apenas para os passeios dos moradores
de Pitangueiras, esta sim, habilitada a receber na orla a aristocracia,
enquanto o time aspirante se espalhava por trás, em prédios ou sobrados
sem vista para o mar. Guarujá é hoje uma amostra terrificante da
degradação brasileira, com suas praias cercadas de favelas e bandos de
assaltantes estavelmente instalados no túnel que dá acesso às praias da
Enseada, Pernambuco e Perequê no rumo de Bertioga.
É um faroeste do terceiro milênio, bem diferente de Coral
Gables, onde inúmeros privilegiados brasileiros têm apartamentos, quando
não os têm em Nova York, com vista para o Central Park, e em Paris na
Avenue Foch. Das Astúrias cabe dizer ter-se tornado há muitos anos a
meta preferida dos farofeiros. Permito-me achar que dona Marisa agiu bem
ao renunciar a tão falado triplex, que, aliás, com seus duzentos e
poucos metros de construção, não há de ser a morada do rei. Basta, no
entanto, pensar nele e, evidentemente, na possibilidade de que a família
Lula da Silva dele usufruísse, para enraivecer os senhores até o
paroxismo, bem como toda uma dita classe média que aspira a morar, algum
dia, ao menos na mansarda da casa-grande.
....e o promotor Conserino aproveita-se. (Sergio Amaral)
Não vivessem uma poderosa degradação
mental, fruto da incultura e da parvoíce dignas de uma república
bananeira, perceberiam que essa história transpôs as fronteiras do
ridículo, e o fracasso dos perdigueiros se retorceria contra quem os
soltou. Receio que ninguém escape ao final infeliz de uma tragicomédia,
mesmo quantos não merecem este destino, vítimas do carnaval encenado
pela minoria branca, como diria Cláudio Lembo.
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