29/05/2018
Eu lembro. Não faz tanto tempo assim, por Luis Felipe Miguel
Do Jornal GGN - TER, 29/05/2018 - 10:12
............................................................Foto Huffpost Brasil
por Luis Felipe Miguel
Quando Dilma foi afastada da presidência, foi uma festa. Finalmente, depois de tantos anos, tínhamos de novo um presidente à altura do cargo. Um homem cujo terno era elogiado por cientistas políticos. (É verdade, não estou inventando.) Que dignificava seu discurso com mesóclises. Foi uma caravana de jornalistas puxa-sacos entrevistá-lo no Palácio, uma entrevista inacreditável que permanecerá para sempre como um ponto culminante da carreira de Noblat, Cantanhede e outros. A Veja ressaltava a posição da nova primeira-dama, “bela, recatada e do lar”, expressão que, antes de virar piada, foi – eu lembro – o título, a sério, de uma reportagem laudatória.
Só precisava de umas décadas a menos e umas plásticas a mais para Michel Temer se transformar no nosso John Kennedy. Seus discursos eram recheados de banalidades, mas elas eram aplaudidas com frenesi. Via-se uma sabedoria profunda, de idiot savant, em frases como “Pare de pensar em crise, trabalhe”. Aliás, o fato de Temer só falar banalidades contava entre seus méritos. Era disso que o Brasil precisava. Um velho e bom governo convencional. Previsível. Confiável. Oligárquico. Um governo de homens brancos idosos.
Na economia, arrocho nos gastos sociais, redução de direitos, mais mercado e menos Estado. Na política, a construção de uma enorme base parlamentar que garantiria a “governabilidade”. Sem falar na moral e nos bons costumes. Família patriarcal e camisa verde-amarela. Em tudo, sempre, as fórmulas de sempre. O empresariado aplaudia, a mídia ululava, a classe média abanava o rabo. Como podia dar errado?
Os coleguinhas mais afoitos vestiam a autoridade de cientistas políticos para falar, nos jornais, em “governo de salvação nacional”. Eu lembro.
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A situação em que nos encontramos hoje é a consequência direta e esperada daquele momento, dois anos atrás. O golpe de 2016 foi quando a classe dominante brasileira decidiu realizar seu programa máximo. Reduziu a quase zero o espaço para concessões aos dominados. Atropelou a Constituição, atropelou a democracia, destruiu o que se conseguira construir como espaço de convivência e disputa politica civilizada nas últimas décadas.
Era, de fato, um grande acordo nacional. Com o Supremo, com tudo, com todos os que importam. Afinal, nesse tipo de acordo nunca há espaço para a classe trabalhadora, para os aposentados, para as mulheres, para a população negra, para os povos indígenas.
Hoje, temos o país à beira do caos, um governo incapaz de governar e nenhuma saída na nossa frente. A greve dos caminhoneiros apenas desvelou a situação em que os encontramos – e sua própria ambiguidade é um indício das incertezas profundas do momento.
Qualquer solução será, com certeza, uma meia sola. Em parte porque o próprio movimento não parece ter rumo certo e se mostra embevecido com sua própria força. Mas, sobretudo, porque não há, no governo que aí está, nem disposição nem autoridade para mais do que isso. Quem confiaria num acordo com o governo Temer?
E as eleições, que teriam o condão de relegitimar o centro do poder, ficam despidas desta capacidade na medida em que a expressão da vontade popular está tolhida por um ato de força. Com a decisão de impedir a candidatura de Lula – e em seguida aprisioná-lo –, as classes dominantes anunciaram que não desejam qualquer repactuação da ordem anterior. Jogaram o país numa crise política impossível e se recusam a discutir qualquer solução.
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