25/03/2019
Agência Xeque: os sofismas no combate ao programa nuclear brasileiro
Um país moderno estaria discutindo Angra 3 em cima de informações precisas. Não é o caso.
Do GGN - 25/03/2019
Por Luis Nassif
Uma das marcas do subdesenvolvimento brasileiro é a facilidade com que o chamado mercado consegue emplacar sofismas primários na mídia. As agências de checagem esmeram-se em checar fatos, mas jamais em checar a lógica de determinadas afirmações que, por falta de questionamento, tornam-se habituais na imprensa.
Um dos casos mais gritantes é Angra 3. O refrão eternamente repetido é que, com o que foi gasto na obra, a tarifa pela energia produzida seria muitas vezes superior às de outras fontes de energia.
Suponha que eu vá montar um boteco. Gasto 100 mil em reformas. Faltam 20 mil para completar a obra. Aí um gênio financeiro pega sua planilha, faz as contas e prova que jamais o boteco gerará uma receita para bancar investimentos de 120 mil. No máximo, comportaria um investimento de 50 mil.
A partir daí, há duas decisões possíveis: parar ou completar a obra.
1. Se paro a obra perco os 100 mil.
2. Se continuo a obra, perco os 100 mil do mesmo modo.
Então, toca a “realizar o prejuízo”, ou seja, dar os 100 mil por perdidos. A conta correta, então, passaria a ser a que comparasse as receitas futuras do boteco com o investimento que falta para viabilizá-lo.
Vamos a um exemplo numérico para facilitar o raciocínio.
Caso 1 Caso 2 Caso 3
Investimento 150.000,00 50.000,00 20.000,00
Fatura .6.000,00 6.000,00 6.000,00
TIR 6% 6% 6%
Prazo .#NÚM! 11,90 3,83
Estimando que o boteco vá render 6 mil por período e o custo do dinheiro seja de 6% por período.
Caso 1 – com 150 mil investidos, jamais conseguirei retorno do investimento.
Caso 2 – investindo 50 mil, para completar a obra, obterei o retorno dos 50 mil em 11,9 períodos.
Caso 3 – investindo os 20 mil que faltam para completar a obra, obterei o retorno do investimento desses 20 mil em apenas 3,83 períodos.
Caso 4 – parando as obras, não terei mais receita alguma e nem boteco para tocar.
É evidente que o cálculo terá que ser feito sobre o montante que falta para completar a obra, não sobre o total. É possível que, mesmo assim, o custo da energia produzida seja muito cara. Ora, mas para ter uma discussão honesta, há que se basear em argumentos honestos, não em cima de sofismas primários.
Aliás, o programa do Fantástico sobre o tema incorre em uma série de impropriedades técnicas e jornalísticas:
Corrupção – A Lava Jato do Rio fala em desvios de R$ 12 milhões. Até agora foram investidos R$ 7 bilhões nas obras. É evidente a desproporção. Angra 3 atrasou por conta das mudanças de prioridade de sucessivos governos e da falta de recursos orçamentários. Mesmo dentro do universo de propinas de Temer, Angra 3 deu uma contribuição mínima em 2015 estavam claras as intenções políticas da Lava Jato, ao cometer assassinato de reputação contra o conselheiro da Eletronorte que desarmou jogadas do empreiteiro Ricardo Pessoa.
Não transferência de tecnologia – entrevista-se um técnico que diz que o Acordo com a Alemanha não viabilizou transferência de tecnologia. Está certo. Mas quando se percebeu o engodo do acordo (os alemães pretendiam que o Brasil bancasse para eles o custo do desenvolvimento de um novo sistema de enriquecimento do urânio), decidiu-se desenvolver o sistema no Brasil. Na época, por volta de 1983 e 1983, foram analisadas três propostas.
Uma, de físicos brasileiros, organizados em torno da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) propondo o sistema de águas pesadas, já adotado na Argentina. O principal líder do movimento era José Goldemberg, entrevistado no programa. O processo acabou se mostrando inviável na própria Argentina.
A segunda alternativa foi proposta pela Aeronáutica, em cima de um sistema tendo como base tecnológica os raios laser.
A alternativa vitoriosa foi da Marinha, com o sistema de ultracentrífugas que se tornou o maior feito tecnológico do país de 1980 para cá. O pai dessa tecnologia foi o Almirante Othon, condenado a 45 anos de prisão porque se descobriu que uma das empresas contratadas para Angra encomendou um trabalho para sua filha de R$ 3 milhões. Se estivesse na iniciativa privada, Othon estaria biliardário com o know how que desenvolveu.
Um país moderno estaria discutindo Angra 3 em cima de informações precisas. Não é o caso.
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