segunda-feira, 20 de junho de 2011

Contraponto 5580 - "Com Humala, Peru se une à guinada à esquerda da América Latina"

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20/06/2011

Com Humala, Peru se une à guinada à esquerda da América Latina

Ollanta Humala

Do Vermelho - 20 de Junho de 2011 - 10h20



Acrescentem o Peru à lista de países latino-americanos que guinaram à esquerda. No dia 5 de junho, os peruanos votaram no segundo turno e elegeram presidente Ollanta Humala, um oficial do exército na reserva, de 48 anos.

Por Greg Grandin, em The Nation

Esta é a segunda tentativa de Humala de chegar ao cargo. Em 2006, ele chegou perto da vitória, mas telegramas do Wikileaks revelam que os políticos do establishment peruano deixaram suas diferenças de lado e abriram caminho até a embaixada dos EUA, pedindo ajuda para retratar Humala como um Hugo Chávez peruano.

O Wikileaks também revela que, no mesmo ano, a direita mexicana e o Departamento de Estado dos EUA trabalharam juntos para derrotar o candidato presidencial populista Andrés Manuel López Obrador, levando muitos nos EUA a proclamarem que a "guinada à esquerda" na América Latina havia chegado ao fim.

A vitória de Humala indica o contrário. Eis apenas alguns dos fatos ocorridos desde 2006: na Bolívia, Evo Morales liderou a ratificação de uma nova Constituição social-democrata e foi reeleito presidente em 2009 com 64% dos votos; no Equador, Rafael Correa também ganhou a reeleição facilmente e ratificou uma nova Constituição que garante os direitos sociais e impõe limites rígidos à privatização; recentemente, os equatorianos ainda votaram sobre dez iniciativas progressistas, aprovando todas. Entre elas está a regulação estrita de dois esportes sangrentos: os bancos agora estão proibidos de especular e os touros não podem mais ser mortos em corridas.

E no ano passado, no Brasil, o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva deixou o poder como o político mais popular do planeta, entregando a presidência de uma das maiores economias do mundo a Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira urbana e economista que promete continuar tentando tornar o Brasil uma nação mais humana e igualitária.

Todos esses projetos políticos nacionais de esquerda -- da Venezuela ao Uruguai -- têm seus problemas e defeitos, e estão abertos a críticas em várias questões por parte do povo progressista. No entanto, combinada, a esquerda latino-americana pode reivindicar uma façanha notável: ela tirou o conceito de democracia das mãos dos neoliberais e piratas corporativos, que quase convenceram o mundo de que democracia é sinônimo de capitalismo sem regras, e devolveram o termo a sua definição mais humana, sustentável.

Na América Latina, democracia significa social-democracia. Assim, considerando a paisagem global, de resto sombria, o retorno da esquerda latino-americana, que agora avança pela segunda década, é motivo de grande alegria.

O que a vitória de Humala significa para o Peru? Principalmente no curto prazo, ela impediu a volta do estilo de neoliberalismo de esquadrão da morte de Alberto Fujimori. A oponente de Humala era a filha de Fujimori, Keiko, que prometeu libertar o pai, condenado à prisão por assassinado, sequestro e corrupção.

No longo prazo, muitos peruanos, especialmente aqueles de fora de Lima, votaram em Humala porque viram poucos benefícios com o celebrado desempenho macroeconômico nacional ao longo da última década, impulsionado pelo alto preço da praza, zinco, cobre, estanho, chumbo e ouro -- que representam 60% das exportações do país.

Promessas

Mais de 30% dos 30 milhões de peruanos vivem na pobreza e 8%, na pobreza extrema. Nas áreas rurais, particularmente em comunidades indígenas, mais da metade das famílias é pobre, muitas em situação desesperadora. Humala prometeu combater essa desigualdade com uma série de medidas pragmáticas: uma pensão garantida a pessoas com mais de 65 anos; a expansão do atendimento de saúde nas áreas rurais, incluindo a construção de mais hospitais provinciais; um aumento nos salários do setor público, a ser pago com um inesperado imposto sobre o lucro no setor da mineração.

Em termos de política externa, a eleição de Humala é outra vitória para o Brasil na disputa com Washington por influência regional. Se Fujimori tivesse vencido, teria alinhado o Peru políticamente com Washington e economicamente com as corporações dos EUA e Canadá.

Humala, em contraste, se voltará para os interesses econômicos brasileiros. De fato, o historiador peruano Gerardo Rénique afirmou que a eleição, embora represente uma importante vitória das forças democráticas, também pode ser entendida em parte como uma disputa entre o Brasil e os EUA pelos recursos energéticos e minerais do Peru. Nessa perspectiva, é possível afirmar que não importa quem venceu a eleição peruana: a Amazônia perdeu.

Esta pode ser a questão que determinará o sucesso da presidência de Humala: ao tentar implementar sua agenda de "crescimento com inclusão social", ele será capaz de equilibrar os interesses conflitantes de seus aliados brasileiros e dos movimentos sociais que o elegeram, muitos dos quais lutam pelo desenvolvimento sustentável e pelo controle local dos recursos?

Racismo

Além de reavivar a social-democracia, a outra grande façanha da esquerda latino-americana renovada foi diluir o racismo entrincheirado que definiu o continente durante séculos. Na Bolívia, Equador, Chile, Brasil, Venezuela e outros países, os americanos nativos e os povos descendentes de africanos têm liderado uma democratização notável, ainda que incompleta, da política e da cultura. O Peru, com seus 45% de população ameríndia, ficou praticamente de fora desse processo.

Na verdade, alguns dizem que o racismo se aprofundou na última década, com o boom da mineração levando o caos ao interior andino e às terras baixas da Amazônia, com sua população de pele escura, enquanto financiava o surgimento de luxuosos condomínios e centros comerciais em Lima, branca e de classe média.

Assim, por mais difícil que possa ser para Humala obter capital internacional - o mercado de ações do Peru despencou 12% no dia seguinte à sua eleição -, uma tarefa igualmente difícil será combater o racismo peruano. "El Indio Humala" perdeu em Lima por ampla margem, uma consequência dos temores de que ele transformasse o Peru não só na Venezuela de Chávez, mas principalmente na vizinha Bolívia sob governo indígena. O candidato Humala fez o possível para afastar esses temores.

O presidente Humala, no entanto, terá de enfrentar esse racismo de frente se quiser ter sucesso na democratização do Peru. Afinal, antes mesmo da eleição, dezenas de milhares de seus simpatizantes começaram a lotar as praças do país, incluindo as de Lima. Eles ergueram a bandeira colorida wiphala, que se tornou onipresente na Bolívia durante a ascensão dos movimentos sociais que levaram Evo Morales ao poder. Hoje, ela é agitada ao longo dos Andes como um símbolo do orgulho e da soberania indígenas.
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