quarta-feira, 29 de junho de 2011

Contraponto 5640 - "A Grécia pode sobreviver? A União Europeia pode sobreviver?"


29/06/2011


A Grécia pode sobreviver? A União Europeia pode sobreviver?

Da Carta Maior 28/06/2011

Muitos desejam impor uma austeridade equivalente às sangrias “terapêuticas” medievais. Sustentam que o problema real é a falta de autodisciplina nos países periféricos. E essa ideia é amplamente compartilhada pelas elites desses mesmos países. Essas elites parecem se sentir felizes lançando seus próprios países no abismo da depressão, a fim de desbaratar toda resistência aos cortes salariais e ao fim de todos os programas sociais em favor da população trabalhadora. Essa é sempre a solução preferida pelas elites ignaras. Com este método pretende-se rebaixar os custos salariais nas nações periféricas e tornar a produção mais competitiva. O artigo é de Randall Wray.

Para quem entende a Teoria Monetária Moderna (TMM) sempre foi óbvio que o lançamento da União Monetária Europeia cometeu erros fatais. Sabíamos que na primeira crise financeira e econômica séria, sua própria existência já se veria ameaçada. Em certo sentido, repetiu-se o que ocorreu nos EUA de 1929, às vésperas da Grande Depressão: uma fraude creditícia excessiva, uma excessiva dívida das famílias e das empresas e um boom econômico que durou muito tempo. Qualquer coisa poderia ter disparado a crise que se seguiu, mas foi a descoberta de que a Grécia estava “cozinhando” sua contabilidade o que selou o destino da Eurolândia. E como nos EUA pós-1929, a Eurolandia luta para compreender e para lidar com a crise. Neste momento, desliza rumo a outra grande depressão.

Muitos economistas e autoridades políticas – inclusive alguns suficientemente ortodoxos – começam a reconhecer que o obstáculo atravessado no caminho é a incapacidade para armar uma resposta em termos de política fiscal efetiva. Essa incapacidade nasce da ausência de uma autoridade fiscal em nível europeu. Daí as “semi-medidas” tomadas pelo BCE e outras autoridades para pôr remendos no problema da dívida.
Há um conflito entre as autoridades a respeito da solução do problema, como não poderia ser diferente, dada a ausência de uma autoridade fiscal.

Muitos desejam impor uma austeridade equivalente às sangrias “terapêuticas” medievais. Sustentam que o problema real é a falta de autodisciplina nos países periféricos. E essa ideia é amplamente compartilhada pelas elites desses mesmos países. Essas elites parecem se sentir felizes lançando seus próprios países no abismo da depressão, a fim de desbaratar toda resistência aos cortes salariais e ao fim de todos os programas sociais em favor da população trabalhadora. Essa é sempre a solução preferida pelas elites ignaras. Com este método pretende-se rebaixar os custos salariais nas nações periféricas e tornar a produção mais competitiva.

Essa é também, cabe dizer, a posição dos membros mais poderosos da União Europeia. A prudente Alemanha segurou os salários durante a década passada, fazendo disparar a produtividade. Conseguiu assim converter-se no país com o menor custo de produção na Europa e, passo a passo, pode chegar mesmo a competir com a Ásia. Não na produção baseada em trabalho intensivo barato, mas sim na produção do setor exportador de alto valor agregado.

E essa é também a perspectiva mais comum entre as classes trabalhadoras nos países centrais que compartilham o prejuízo de populações periféricas tanto ociosas como "exageradamente" remuneradas. Mais assombroso ainda que a falsidade dessa atitude é o fato de que se a sangria fiscal e o corte dos salários forem efetivamente implementados nos países periféricos, não demorará para que fábricas comecem a sair da Alemanha, buscando trabalhadores menos custosos. Em outras palavras, o êxito da periferia seria a custa dos trabalhadores alemães que teriam que aceitar salários mais reduzidos para poder competir. O que de todo o modo ocorrerá, estimulado pela perda de postos de trabalho, se a Alemanha não conseguir encontrar mercado para seus produtos fora da União Europeia, onde a demanda cairá indefectivelmente a medida que as nações periféricas mergulhem ainda mais na depressão. O resultado será uma bonita corrida rumo ao abismo, da qual só se beneficiará a elite europeia. Muito bonito.

Para dizer de modo claro, eu não creio que a União Europeia possa chegar a sugar sangue suficiente dos gregos (e dos espanhóis, italianos, irlandeses e portugueses) para que isso possa funcionar. Seria muito mais razoável agora um aumento salarial na Alemanha para conseguir competitividade dentro da União Europeia pela via de elevar o nível geral. Mas tampouco isso parece provável, levando em conta que a Alemanha olha para além das fronteiras europeias, sobretudo na direção do Leste. Por conseguinte, seguirá empenhada em cortar seus próprios custos trabalhistas, e as nações periféricas nunca conseguirão arrastar a Alemanha para um desfiladeiro comum.

Isso deixa somente duas alternativas. A primeira é uma reestruturação contínua da dívida, com compras do Banco Central Europeu (BCE) pela porta traseira (permitindo que os bancos centrais nacionais comprem a dívida) e com garantias e empréstimos do próprio BCE. Tudo na esperança de que as instituições financeiras portadoras de toda a dívida pública periférica possam, ou bem retirá-la de sua contabilidade, ou bem servir-se do método norteamericano de ir propondo o ajuste na baixa de seus balanços, alargando indefinidamente o processo de ajuste para não reconhecer sua insolvência. O problema é que quase todos os dados econômicos das últimas semanas são ruins – em praticamente todo o mundo – o que torna mais provável que se produza algum tropeço em algum lugar e que isso se propague através dos mercados financeiros tão rapidamente como ocorreu na Crise Financeira Global de 2007.

Muitos bancos europeus ficaram com as nádegas de fora como insolventes sem remédio e a dívida pública dos PIIGs (Portugal, Irlanda, Itália e Grécia) será um problema adicional. O BCE está legitimamente preocupado com os “precedentes” e com os “efeitos de incentivos”. Não se trata das normas reguladoras do que o BCE pode ou não fazer: tem tanta permissão como a Federal Reserve para intervir em uma crise e comprar ou emprestar em troca de praticamente qualquer tipo de ativo. Trata-se daquilo que o BCE entende ser a sua independência. Os mercados veriam um resgate de estilo norteamericano do sistema financeiro europeu (com garantia da dívida pública das distintas nações, por acréscimo) como uma perda da independência. O certo é que o BCE já a entregou, mas se agarra à esperança de poder recuperar de algum modo a virgindade perdida.

Isso deixa somente uma terceira possibilidade: criar a necessária autoridade fiscal. Isso permitiria ao BCE limitar-se à política monetária, cedendo ao Tesouro europeu as rendas para lidar com a crise. Venho sustentando desde 1996 que este é o único caminho para tornar viável o projeto da UE. A teoria econômica subjacente a esse ponto de vista é simples e é a que vale em todos os países desenvolvidos. Com efeito, os EUA são, na verdade, uma União Monetária Norteamericana, mas uma união monetária bem constituída, que dispõe de um Banco Central e de um Tesouro. No entanto, por razões políticas, isso não vai ocorrer na União Monetária Europeia. Estamos agora ainda mais longe disso do que estávamos em 1996, porque a crise fez crescer a hostilidade entre seus membros. Ninguém quer ceder poderes ao centro.

Assim, pois, nada disso vai acontecer. O que resta? Sair da união.

(*) Randall Wray é Professor de Economia da Universidade de Missouri, Pesquisador Sênior do Center for Full Employment and Price Stability, Pesquisador visitante da Jerome Levy Economics Institute da Bard College, Ex-Presidente da Association for Institutionalist Thought (AFIT) e ex-Diretor da Association for Evolutionary Economics (AFEE). Possui Doutorado e Mestrado em Economia pela Universidade de Washington. É autor de diversos livros e artigos na área econômica.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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