sábado, 7 de julho de 2012

Contraponto 8643 - "Neolacerdeismo e economia "

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06/07/2012
Neolacerdeismo e economia

(Ilustração capa: Cézanne)

Do Cafezinho - 06/07/2012

Miguel do Rosário

Temos dois artigos hoje no jornal escritos sob o mesmo espírito. Ziquinha e seu Oscar, de Chico Alencar, e Fantasmas no Caminho, de Fernando Gabeira encaixam-se melodiosamente na estratégia da mídia de criminalizar e denegrir a política. Neste sentido, são petardos conservadores. Ambas são levianos. Abordam temas profundos sem apresentar dados ou argumentos consistentes.

Gabeira inicia o seu texto com fundo musical de filme de terror. O cara realmente entrou pro lado mal da força. Fala que esteve em São Paulo, numa determinada loja, às 14 horas, e ela estava vazia. Daí, numa pirueta mortal, ele faz a ilação descarada de que vivemos uma crise anunciada, uma bolha de crédito que vai explodir a qualquer momento.

Um autêntico urubu.

Tenho pensado muito sobre isso. Uma vez, no Óleo do Diabo, recortei um trecho de Keynes, que adverte precisamente sobre o risco econômico de uma mídia empenhada em combater um governo progressista. Para isso, não hesitará em influenciar negativamente a tomada de decisões da classe empresarial no país, com vistas a produzir um ambiente de mal estar e crise.

Ora, acontece que o desenvolvimento industrial atualmente é uma questão sobretudo de atitude. Se todo mundo ficar se lamuriando, reclamando dos impostos, da infra-estrutura, então não sairemos nunca do subdesenvolvimento. O industrial brasileiro não pode esperar o governo resolver todas a confusões tributárias pra começar a trabalhar. Tem que botar a mão na massa agora. Burocracia é complicada no mundo inteiro.

A mídia comece a ser bem sucedida em sua estratégia de fazer profecias autorrealizáveis. É uma torcida tão engajada por números negativos na economia, que os empresários se retraem, atemorizados, e aí os números efetivamente se tornam negativos.

O pessimismo em relação à economia brasileira pode ser uma opção estética ou ideológica respeitável, mas considerado friamente é uma estupidez. O Brasil tem uma população enorme, dentro da melhor faixa etária possível, recursos naturais abundantes, crédito lá fora, democracia funcionando direitinho; os dados macro-econômicos são pujantes e tem melhorado ano a ano. Um amigo que trabalha na prefeitura do Rio me lembrou outro dia que o orçamento municipal cresceu nos últimos anos de uns 6 a 8 bilhões para 24 bilhões de reais em 2012.

Sobre a indústria, temos que pensar o seguinte: ainda que haja quedas pontuais em alguns setores, o Brasil está assegurando a infra-estrutura básica: na energia, na siderurgia, na construção-civil, na produção de carros, motos e tratores. Falta agora estabelecer uma indústria ferroviária, o que será uma consequência a médio-longo prazo da construção do trem bala – que os mesmos urubus não querem fazer.

Temos água potável, petróleo, terras, minérios, além de siderurgias, refinarias e fábricas de autopeças. Que país, além dos EUA, possui potencial tão espetacular, sendo que os EUA vivem o final de um impressionante ciclo de crescimento?

As análises econômicas não podem se amarrar a formas de pensar binárias, simplistas, que enxergam apenas um dado (o PIB, por exemplo) e não o conjunto da economia brasileira.

Por isso eu acho a choradeira política de Gabeira e Alencar uma reação infantil. Seus argumentos não se firmam em bases consistentes. Um deles encontra uma loja vazia em São Paulo, às 14 horas, e usa o fato como base para vaticinar desgraças. O outro inventa um personagem fictício para falar mal da política brasileira.

Ora, não é preciso inventar um “ziquinha” para falar mal da política. Mas critique de frente, com a própria boca, e não pela boca de um boneco inventado. Agora só falta a essa. O político não tem voto, não tem apoio de outros partidos, nem de movimento social, nem de sindicato, ou seja, não tem apoio de ninguém, então inventa um “ziquinha”, um homem “bem popular” na cidade, para corroborar suas ideias…

Chico Alencar comete um erro crasso, muito comum entre esquerdistas de botique: subestimar a inteligência do povo. Na verdade, é pior do que subestimar, parece que eles querem manter o povo na ingenuidade, e assim posarem de esquerdistas puros, eleitos com o voto da classe média mediatizada. O preço é ficar bem na Globo!

E assim o sujeito diz que “frequenta o movimento popular” e afirma que eles (o movimento popular) não entendem, por exemplo, o pragmatismo na política.

Eu não acredito na ingenuidade do povo. E se o “movimento popular” apresenta uma visão idealista ou ingênua de mundo, deve-se procurar esclarecê-lo acerca das estratégias. O movimento social brasileiro tem que ficar mais inteligente, astuto, vivo e determinado, ao invés de se tornar mais ingênuo, idealista e burro.

E a esquerda nunca pode esquecer a dimensão da urgência, que também requer flexibilidade política e disposição aliancista.

A urgência do povo, que ainda agoniza em hospitais lotados e infectos, e cujos filhos estudam em escolas de má qualidade, é absoluta: quer promover já mudanças efetivas, e se consolidem no longo prazo, que não seja apenas um “vôo de galinha”.

A democracia brasileira está viva. É capitalista, sim, envolve campanhas milionárias onde os interesses econômicos se conflitam, mas oferece também abundante recurso público e gratuito (via horário eleitoral e fundos partidários) para se fazer a luta política, o que é um aspecto socialista.

Segundo Robert Alan Dahl, um dos mais importantes cientistas políticos contemporâneos, as democracias modernas são uma mescla de capitalismo e socialismo.

Em todos esses países, há representantes e correntes de opinião divergentes entre os dois eixos básicos da política humana, ainda identificados como esquerda e direita: um mais voltado à promoção da igualdade e justiça social; outro voltado à valorização da criatividade e do empreendedorismo individuais; isso pra só falar dos aspectos positivos, claro. O progressismo democrático resulta de uma combinação equilibrada desses dois espíritos.

Os faniquitos de Chico Alencar e Gabeira não contribuem em nada para a valorização da política, não por causa do seu pessimismo, mas por sua inconsistência. Já que eles gostam tanto de falar em ética, digamos que o pessimismo de Gabeira e Chico não é ético. Não é um pessimismo viril e autêntico de um filósofo, ou de um cidadão qualquer que tenha uma visão de mundo inteligente e sombria. O pessimismo deles é superficial, partidário, adocicado, medroso. Tratam sua própria falta de perspectivas como se fosse um problema nacional.

Os estudos mais embasados da realidade política brasileira não mostram nenhuma “decadência” moral, ideológica ou política. Os partidos fazem alianças sim, mas se considerarmos o país como um todo, a maioria delas são alianças consistentes com os projetos nacionais. PSDB, DEM e PPS estão juntinhos no país inteiro. PT, PCdoB, PSB, estão mais unidos agora do em qualquer outro momento, apesar do estardalhaço com que a mídia trata problemas ocorridos em 2 ou 3 cidades. Sendo que em Recife, o PSB não tem culpa de absolutamente nada. O PT implodiu sozinho. A venda de tempo de tv feita por alguns partidos nanicos são fenômenos marginais; mas a negociação política em torno do tempo de tv dos partidos se dá em torno de interesses políticos e partidários que, mal ou bem, refletem anseios sociais e econômicos concretos.

Analisando o histórico das alianças dos últimos anos e a evolução dos representantes políticos, não há base para falar em decadência. Além do mais, o percentual de votantes no total da sociedade atingiu a plenitude somente nos últimos 10 anos, de maneira que só agora temos um parlamento realmente representativo do povo brasileiro. Um parlamento cheio de vícios, assim como o povo, mas não é científico dizer que é pior que os anteriores.

A tecnologia e a vontade popular tem tornado o ambiente político, institucional e partidário brasileiro mais transparentes. Há muito vício e corrupção, mas nunca tivemos tantas ferramentas para combatê-los como agora, em que todas as despesas, convênios e contratos terão que ser publicados na internet.

A verdade é que raramente os intelectuais, midiáticos ou não, entendem a política. Para eles, os políticos serão sempre seres impuros. Os intelectuais, ensina Espinoza, têm invariavelmente um visão irreal da política.

Em relação às alianças, temos o mesmo problema. Há um viés antidemocrático e reacionário no purismo. O que enriquece a democracia não é justamente a gama enorme de cores que ela oferece? Os políticos representam interesses econômicos. Um político que só represente a si mesmo não tem mais futuro no país. E se ele representa um setor econômico, então a sua aliança, à esquerda e à direita, é um fenômeno democrático; não necessariamente positivo, mas ainda sim democrático.

Quanto à ideologia propriamente dita, os partidos, os políticos e os povos, ou seja, a vida real é muito mais complexa, rica e interessante do que o mundinho das teorias. Tudo bem aceitar que existe diferença entre esquerda e direita, mas pretender que essas definições sejam uma questão fechada, ou pior, arrogar-se como único ou verdadeiro representante de uma ideologia ou de uma classe, não me parece sensato.

Por isso dou razão ao Congresso em ter derrubado a regra autoritária do STE de verticalizar a política de alianças, proibindo que partidos divergentes a nível nacional se aliassem a nível local. Seria uma violência à liberdade partidária e à democracia. Se um partido quer se desprender de outro, é ótimo que possa fazê-lo de maneira menos traumática, reduzindo o número se alianças locais. Da mesma forma, se um partido quer se aproximar de um antigo adversário, pode começar fazendo alianças locais. Cria-se um ambiente de liberdade que azeita as engrenagens ideológicas que criam e quebram alianças.

Quanto ao estado de espírito que eu mencionava no início do post, penso o seguinte: para desenvolver nossa democracia, assim como nossa indústria, temos que ser otimistas, empreendedores e criativos, o que implica em fechar o ouvido à mediocridade midiática e investir no futuro. Quem viver, verá.

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