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26/05/2013
Um telhado de vidro no STF?
Rodolplo Motta Lima
Se Joaquim Barbosa quer pronunciar-se como um cidadão comum deve,
antes de mais nada, transformar-se em um cidadão comum, despir-se da
toga de super-herói que a mídia lhe vem conferindo , renunciar ao cargo
de ministro do STF e, aí sim, deitar falação sobre o que lhe venha à
cabeça, enfrentando , é claro, eventuais reações daqueles que considerem
que “quem tem telhado de vidro não joga pedras no telhado do vizinho”.
Na condição de advogado bissexto, bancário aposentado e professor
ainda atuante, julgo-me no direito cidadão de opinar sobre os que me
representam nos três poderes constituídos da República. No exercício
democrático, não só posso, como devo, manifestar-me criticamente sobre o
que considere deslizes das três áreas – Executivo, Legislativo e
Judiciário - , principalmente nos momentos em que vislumbro agressões à
cidadania. Como eu, qualquer brasileiro possui esse direito e deve mesmo
refletir sobre se o tem ou não exercido de forma efetiva.
Joaquim Barbosa é um brasileiro e, portanto, também detém tal
prerrogativa. Essa parece ser uma verdade indiscutível. Mas é também
verdade que a sustentação republicana passa, sabemos todos, pela
independência entre os três poderes. E eles têm funções claramente
previstas na nossa Constituição, de tal forma que um não pode nem deve
interferir na atuação de outro, a não ser quando chamado a isso, em
função de suas atribuições. Não é por outra razão que se vem criticando,
no nosso cenário político, esse indesejável tipo de interatividade
entre o poder executivo e o legislativo , em um jogo de interesses que
inclui a malfadada palavra “governabilidade”, fundada em forças
políticas heterogêneas, onde a unidade ideológica passa longe, até
porque a ideologia de alguns é não ter qualquer princípio ideológico.
Joaquim Barbosa declarou, em uma palestra para estudantes – a que foi
convidado não pelos seus belos olhos, mas pelo prestígio granjeado na
condição de Presidente do STF – que o Brasil tem partidos “de
mentirinha” e que o legislativo é “inteiramente dominado” pelo
Executivo”. Aqui, antes de prosseguir, lembro que, tempos atrás, o
então metalúrgico Lula mencionou a existência de 300 picaretas no
Congresso. Logo, a frase do ministro sobre a “mentira legislativa” está
longe de revestir-se de originalidade ou de modernidade. Outra
observação é a de que há quem pense que não é o Executivo que domina o
Legislativo, mas o contrário, o que obriga a presidenta Dilma a
conviver, para poder governar, com o fisiologismo e as diversas
“bancadas” representativas do pensamento retrógrado do país... Não fosse
esse “domínio” dos partidos, que agora se pretende ver
quantitativamente aumentado - casuisticamente (como sempre) -.
talvez os brasileiros estivessem hoje vivenciando muito mais êxitos na
luta contra as desigualdades do que os tantos já obtidos nos últimos
anos.
De qualquer forma, meu intuito aqui não é discutir as teses do
presidente do STF, mas de verificar, com espanto – e algum temor – que
os cidadãos brasileiros da elite, na sede permanente de opor-se ao atual
governo , não percebem a brecha que se pode abrir na democracia quando
o titular de um dos três poderes, do alto do seu repentino prestígio,
resolve desancar um segundo poder (aliás, por tabela, também um
terceiro).
Fala-se muito de uma aspiração que o ministro acalentaria de vir a
ser candidato à Presidência da República. Não creio que seja assunto
para agora. Mas o que minha consciência impõe é questionar, coerente
com tudo o que penso da cidadania, a postura do presidente do STF. Não
porque eu acredite na “verdade” de nossos partidos políticos, nem
porque possua uma inocente posição otimista em relação aos nossos
infelizes legisladores. O que penso é que é inadmissível o titular de um
poder (que deve ter isenção para julgar assuntos que envolvem outros
poderes) vir, de público. fazer declarações que estimulem a
instabilidade institucional e, de quebra, o pensamento golpista e
democraticamente incivilizado.
Se age assim, Joaquim Barbosa não pode insurgir-se quando é acusado
de estar fazendo um perigoso jogo político, com presumíveis objetivos
eleitorais. Apresentando-se, diante dos holofotes da mídia, quase como o
único defensor da dignidade e honradez, ele dá margem a que se coloque
em dúvida as intenções e a validade de suas ações, a começar pelo denodo
e obstinação quase sagrada em condenar os réus do mensalão. Aqui e ali,
aliás, já começam a surgir, nas redes sociais – sempre nelas, porque a
mídia tradicional envergonha os seus desígnios – fortes indícios de
falhas jurídicas ocorridas no julgamento da ação 470. Aqui e ali, já se
pergunta porque ele abriu mão da relatoria no mensalão “tucano” (origem
do que foi julgado). Aqui e ali, está vindo à baila a constatação de
que não teria havido, no caso do mensalão, o tão propalado desvio do
dinheiro público. E aqui e ali, já se nota uma retomada do furor
midiático no sentido de “pautar” os ministros do STF no julgamento dos
recursos que vêm aí. É que já se percebe, claramente, o fundamento legal
de muitos deles.
Creio que, neste momento, mesmo tendo formulado um juízo crítico
sobre o legislativo que corresponde ao pensamento de muitos brasileiros,
o presidente do STF deve posicionar-se como magistrado maior,
sobrepondo os interesses do país aos seus interesses pessoais.
Rodolpho Motta Lima. Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil)
e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado
pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de
Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente
no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
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