A morte de um barão da imprensa que quis ser jornalismo e executivo ao mesmo tempo e fracassou em ambas as áreas.
Dilma definiu Ruy Mesquita bem melhor do que Lula definiu Roberto Marinho, e isso é de alguma forma um sinal animador.
Pode sugerir que o governo já não está imobilizado, de joelhos, diante das grandes empresas de mídia, brindadas ao longo dos tempos com espetaculares mamatas por sucessivas administrações.
A conta sempre foi paga pelos contribuintes – em operações como a isenção de impostos sobre o papel ou em empréstimos a juros maternais pelos bancos públicos.
Lula, em seu elogio fúnebre, disse que Roberto Marinho era um brasileiro que esteve sempre “a serviço”, e comparou-o ao pobre Carlitos Maia, que ainda hoje deve estar se chacoalhando em sua última morada por conta da comparação.
Dilma, bem mais comedida, disse que Ruy Mesquita foi um “homem de convicções”. Só não disse, inteligentemente, quais eram estas convicções.
Ruy Mesquita, morto aos 88 anos, pertenceu à geração que arruinou o Estado de S. Paulo. Se você, com algum esforço, pode atribuir o declínio da Folha à internet, no caso do Estadão não existe esta atenuante.
O Estado foi vítima de si próprio e de uma família controladora que quis administrar o negócio e o conteúdo ao mesmo tempo sem ter talento para uma coisa e nem para a outra.
Não bastasse a falta de competência, os ramos em que a família se dividiu acabaram se atracando numa guerra civil em que o objetivo parecia ser destruir os primos e os tios que estavam do outro lado.
A miopia editorial se traduziu na incapacidade de perceber que o país mudara no final da ditadura militar, sob Figueiredo.
Os militares estavam já extraordinariamente enfraquecidos depois de uma obra desprezível em todas as áreas – na economia, na política, no campo social.
Enquanto o Estadão publicava receitas num gesto oco e vazio para responder à censura, a Folha erguia a bandeira das Diretas Já.
Você tinha de um lado um jornal velho, ou dois, se incluir o Jornal da Tarde, também dos Mesquitas, e de outro um jornal que captara ardilosamente o espírito do tempo – embora mais adiante o perdesse também.
A morte do Estadão começou ali, há mais de 30 anos.
Se você aprumasse os sentidos, já sentia o cheiro de um cadáver em formação no prédio do jornal na Marginal do Tietê.
Ruy Mesquita comandou a maior parte do tempo a segunda divisão dos jornais da família, o Jornal da Tarde. Tinha ao lado filhos com as mesmas incapacidades administrativas e editoriais, entre eles Fernão Mesquita, que editou pessoalmente o jornal por mais tempo do que deveria.
Nos últimos anos da vida, Ruy conseguiu enfim o controle editorial também do Estadão, e isso foi bom apenas para ele. O jornal continuou a seguir seu prolongado processo de desaparição.
Sucessivos editores fora da família, nestes anos todos, ajudaram a matar o Estadão. Três nomes merecem destaque: Sandro Vaia, perto de quem Ruy Mesquita era um homem de esquerda. Augusto Nunes, que jamais soube para onde deveria caminhar um jornal. E Pimenta Neves, que foi realmente ganhar renome nas páginas policiais.
Os três foram mais coveiros que editores, a rigor.
Ruy Mesquita tem sido chamado de defensor da democracia, mas se ele é mesmo isso podemos colocar na mesma categoria Roberto Marinho e Octávio Frias de Oliveira: todos eles tiveram participação expressiva na derrubada da democracia brasileira em 1964.
Democracia, para a elite de que eles são a voz, é um conceito abstrato. Trata-se, basicamente, de um sistema que facilita ao máximo a vida de um pequeno grupo que transforma o Estado em sua babá.
O verdadeiro epitáfio de Ruy Mesquita diria o seguinte: foi um homem que defendeu os interesses de poucos, e nisso foi tão inepto que não soube defender sequer os seus, representados nos jornais da família. De quebra, contribuiu vigorosamente para que o Brasil se transformasse num dos campeões mundiais da desigualdade.
Paulo Nogueira. Jornalista baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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