22/05/2013
Da indignação à rebelião
São aterradores os números da OIT sobre o desemprego europeu. E há o risco de ocorrer uma convulsão social
Dominique Faget/ AFP
por Delfim Netto
Um milhão de pessoas engrossaram uma estatística já quase
inacreditável: somavam 26 milhões no início do ano passado os
desempregados em 22 dos 27 países da Comunidade Europeia.
Não refresca nada saber que chegaram a ser 30 milhões, no
auge da crise econômica deflagrada nos EUA, em 2008, produto da soma da
concupiscência do sistema financeiro e suas “inovações”, com o
tratamento descuidado pelos governos que deveriam regulá-las. Em alguns
casos, em evidente conspiração com o mesmo sistema financeiro!
Uma conspiração
que em quatro anos aumentou extraordinariamente os níveis da pobreza
universal. E continua a manter os próprios mercados financeiros sob
estresse e alta volatilidade.
Não deixa de ser patético, portanto, imaginar o
reequilíbrio da economia mundial como uma obra a ser executada por
governos “salvadores”. Eles só podem salvá-la à custa de recursos do
setor privado produtivo graças ao seu poder de império e caso consigam
reconquistar um padrão mínimo de credibilidade entre seus cidadãos, de
forma a convencê-los a voltar a procurar trabalho.
Aliás, a descrença a respeito da capacidade de reação dos
governos europeus revela-se no comunicado em que a OIT pede mudanças
urgentes nas atuais políticas de aperto orçamentário e a voltar do
objetivo de criação de empregos.
Segundo a instituição, o desemprego está
tornando-se um problema estrutural na Europa. Mais de 40% dos
desempregados em 19 países estão fora do mercado por mais de um ano. Em
apenas três países importantes do bloco (Alemanha, Áustria e Hungria) os
níveis de emprego se mantêm acima do nível anterior à crise.
Na Espanha, Portugal e Grécia, as
taxas de desemprego pioraram nos últimos 24 meses. A OIT adverte ter
aumentado o risco de convulsão social nesses países, ameaça visível
adotada nos slogans da manifestação popular em Madri no último fim de
semana com o lema principal: “Da indignação à rebelião”...
Professor graduado, doutor pela
Universidade de Cambridge, o economista sul-coreano Ha-Joon Chang, autor
de dois livros em que critica “a ideologia do livre-comércio dominante
no mundo desde a década de 1980”, comentou recentemente: “Os enormes
déficits orçamentários criados pela crise obrigarão os governos a
reduzir de maneira significativa os investimentos públicos e as
aplicações na área do bem-estar social, o que afetará negativamente o
crescimento econômico. Esses cortes provocarão uma conjuntura que pode
persistir por décadas”.
“A economia mundial está destroçada”, diz
Chang, que alerta para a possibilidade dramática de “algumas pessoas
desempregadas, e sem suas casas em razão da crise, talvez nunca mais
consigam ingressar novamente na economia convencional.”
Há uma trágica
ironia no fato de a renda e o emprego dos que ganham (ou ganhavam) a
vida honestamente virem a pagar a conta do governo “salvador”. Nunca é
demais lembrar um fato físico: os governos não criam recursos. No máximo
podem transferi-los. Tomam de um setor produtivo e os transferem a
outro, apropriando-se no caminho de um pedaço para o seu custeio...
A grande lição da crise é que a percepção
da existência de um sólido equilíbrio fiscal de longo prazo e uma
apropriada relação entre a dívida pública e o PIB (corretamente medida)
são fundamentos do sucesso da boa governança. São eles que dão aos
governos a capacidade de cumprir bem o seu papel no enfrentamento das
crises globais de oferta e procura.
O Brasil é um exemplo do sucesso dessa
lição, enquanto os fatos mostraram a velocidade com que controles
fiscais aparentemente bem-sucedidos podem deteriorar-se e ameaçar o
equilíbrio dos países.
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