18/05/2013
Torcedores pessimistas e... embriagados
Da Carta Maior 17/05/2013
Abrir os jornais do dia e conferir a escalada de assuntos dos telejornais noturnos, surfar nas ondas da Web, nossa conhecida internet, é convite solene para dar de cara com um mundo de personagens embriagados. A revista ‘Veja’ está aí para provar.
Washington Araújo
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Tudo o que é real não resiste a uma breve análise, a um sopro de sanidade, a um reles mergulho na profundidade de um pires. Abrir os jornais do dia e conferir a escalada de assuntos dos telejornais noturnos, surfar nas ondas da Web, nossa conhecida internet, é convite solene para dar de cara com um mundo de personagens embriagados. Alguns por mera vaidade e generosas doses de arrogância, outros, por revelar o que pode ser mais sórdido na natureza humana – esse simulacro de cidadania e humanidade que mal encobre interesses não mais que mesquinhos, escusos e espúrios.
Agora entendamos esta abertura de artigo como se fosse não mais que uma luva. Pois bem, a luva está pronta para ser usada e o palavreado precisa agora de imagens, sensações, frases, eventos, fatos e até mesmo, versões.
Em poucas semanas foi notícia fatos por demais desabonadores de personagens há apenas um passo de canonização dos principais meios de comunicação do Brasil.
Tenhamos em mente as estripulias verbais e gestos tresloucados do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa. Em uma ocasião é ríspido com presidentes de associações de magistrados (portanto, entidade representativa de juízes como ele); já em outra, repete a rispidez, agora acrescida de desmedida grosseria, ordenando que jornalista que cobre regularmente o STF “vá chafurdar no lixo”; já em outra, lança pesadas cortinas de demonização contra advogados – “juiz não deve recebê-los sem a presença de advogados da outra parte”, “advogados acordam por volta das 11 da manhã” e por aí vai. E não faz muito as diatribes de Barbosa eram dirigidas sem pit stop algum diretamente aos seus pares no Supremo: Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Eros Grau. Enfim, quase todos foram alvos de achincalhe do presidente da Suprema Corte do Brasil.
Vejamos o jeito truculento de ser do igualmente ministro do STF, Gilmar Mendes. Em curiosíssima interpretação do texto constitucional decide sustar a tramitação de Proposta de Emenda Constitucional na Câmara dos Deputados. Cria assim a figura do “exame prévio” dos temas e assuntos que podem ou não podem ser apreciados pelos 513 parlamentares que, eleitos por sufrágio universal e secreto, representam lidimamente os pouco mais de 200.000.000 de brasileiros.
A politização do Poder Judiciário é um desserviço explícito ao estado democrático de direito, nubla o próprio horizonte da justiça, obscurece o notório saber jurídico que deveria vestir como luva os gestos, as palavras e as ações dos 11 ministros que formam nosso Supremo Tribunal Federal. A mera existência de tais precedentes conspira contra a harmonia entre os Poderes da República e contribui de maneira significativa para o descrédito das instituições responsáveis pelo bem-estar da Nação como um todo.
Reflitamos sobre a parcialidade midiática dos principais (com maior tiragem e com maior Ibope) meios de comunicação do país para com temas que afetam diretamente a vida de cada cidadão e cidadã residente no Brasil. A torcida – cada vez mais escancarada – pelo retorno da espiral inflacionária se esconde nos editoriais, cadernos de economia, colunas, e também nos personagens selecionados cautelosamente para entrevista de página inteira, bem como pululam nos infográficos. A embriaguês nos escaninhos do Quarto Poder (a imprensa) tudo faz para se comportar como se fosse irmã siamesa de um novo surto infeccioso - a paixonite partidarizada.
É desse caldo que vemos surgir previsões de que a Petrobras encontra-se em estado pré-falimentar. Aliás, uma exótica falência, para quem não cessa de receber apoio financeiro escancarado de megaempresários de todo o mundo – leiam-se os US$ 11 bilhões captados pela Petrobras em bônus no mercado internacional, representando nada menos que “a maior emissão feita por uma companhia sediada em mercados emergentes, de acordo com uma fonte próxima ao negócio.” E, para quem se encontra tão mal das pernas, segundo o noticiário, parece que o problema é bem mais grave e trata-se de um surto de demência econômico-financeira: a estatal brasileira do petróleo amealhou estes recursos... para tornar viável ambicioso plano de investimento, que contempla um desembolso de US$ 236,5 bilhões até 2017.
E de quebra, ainda podemos ouvir as trombetas apocalípticas do carro-chefe da Editora Abril, a revista ‘Veja’, em edição nº 2218 (25 maio de 2011), descascando a incapacidade de o Brasil conseguir realizar uma boa Copa do Mundo em 2014. Em relação à construção e/ou reforma estrutural dos estádios de futebol a revista parece haver contratado como articulista Mãe Dinah. ‘Veja’ o que a ‘Veja’ (desculpe o trocadilho infame) previu e o que a realidade, teimosa como ela só, tratou de desdizer:
1. Maracanã – Rio de Janeiro: ‘Veja’ previu a entrega em 2038, mas foi inaugurado em 27/04/2013
2. Mineirão – Belo Horizonte: ‘Veja’ previu a entrega em 2020, mas foi inaugurado em 21/12/2012.
3. Castelão – Fortaleza, ‘Veja’ previu a entrega em 2013, mas foi inaugurado em 15/12/2012
4. Fonte Nova – Salvador, ‘Veja’ previu a entrega em 2015, mas foi inaugurado em 5/4/2013
5. Estádio Nacional de Brasília, ‘Veja’ previu a entrega em 2021, mas será concluído em maio de 2013
6. Arena Pernambuco – Recife, ’Veja’ previu a entrega em 2017, mas será inaugurado em maio de 2013
7. Arena da Baixada – Curitiba, ‘Veja’ previu que NUNCA seria inaugurada, mas já tem 56% das obras concluídas
8. Arena das Dunas – Natal, ‘Veja’ previu que NUNCA seria inaugurada, mas já tem 61% das obras concluídas
9. Arena Corinthians – São Paulo, ‘Veja’ previu que NUNCA seria inaugurada, mas já tem 70% das obras concluídas
10. Arena Pantanal – Cuiabá, ‘Veja’ previu a entrega em 2017, mas já tem 62% das obras concluídas
11. Arena da Amazônia – Manaus, ‘Veja’ previu a entrega em 2024, mas já tem 56% das obras concluídas
12. Beira-Rio – Porto Alegre, ‘Veja’ previu a entrega em 2017, mas já tem 65% das obras concluídas
É pertinente – e não deixa de ser risível – destacar os dons proféticos de Reinaldo Azevedo, articulista de ‘Veja’: “O Maracanã, um símbolo do futebol brasileiro, escolhido para receber a partida final do torneio, tudo o mais constante, ficará pronto em… 2038!”
Fica evidente que na falta de tempo de Mãe Dinah para apresentar prognósticos certeiros à revista semanal dos Civita, esta teve que se contentar com a solução caseira, qual seja, os préstimos da prata da casa.
Vivemos, certamente, em tempos embriagados.
Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil, Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com
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