04/06/2014
Dilma vira o jogo. Correspondente diz: "líder poderosa e menos compreendida do mundo".
Amigos do Presidente - quarta-feira, 4 de junho de 2014
Leia a seguir o relato de Wyre Davis (grifos meus):
Ela adora seriados britânicos de época e sonha com a anonimidade de uma vida "normal". Também se orgulha de apresentar aos seus convidados o local que chama de casa – certamente um dos mais finos projetos do arquiteto Oscar Niemeyer – e admite ter passeado por Brasília na garupa de uma moto.
Dilma Rousseff também defende com paixão a forma como o Brasil organizou e se preparou para a Copa do Mundo de 2014.
A presidente eleita de 200 milhões de brasileiros raramente dá entrevistas, muito menos para a imprensa estrangeira. Mas estes são tempos importantes para o Brasil, país que se encontra no centro da atenção global, nem toda ela positiva.
Faltando apenas uma semana para a abertura do torneio, a presidente me pergunta se eu acho que não vai ter Copa. A pergunta é retórica. "Claro que vai ter", responde, "e tudo vai estar pronto".
Ela diz que os grandes projetos de infraestrutura só são entregues na última hora "em todo lugar do mundo". Mas afirma que "estas obras ficarão prontas porque são projetos essenciais para todo o país, não apenas para a Copa", defende.
"Você não consegue terminar um metrô em dois anos. Pelo menos não no Brasil. Talvez só na China."
'Soluções macro'
Nosso seleto grupo conversa observando os agradáveis jardins do Palácio da Alvorada. Concordando em discordar sobre se os problemas serão esquecidos quando a bola começar a rolar, no dia 12 de junho, passamos à sala de jantar.
Dilma, a líder normalmente reticente, relaxa.
Enquanto os jornalistas se esbanjam em filé e moqueca de camarão, a presidente prefere um modesto prato de massa e não leva uma gota de álcool aos lábios em toda a noite. (Nota do blog: seria uma comparação com Aécio?)
Ela minimiza o que chama de histórias de horror reproduzidas pela imprensa sobre os possíveis problemas de transporte durante a Copa do Mundo, a segurança dos estádios e até uma epidemia de dengue.
Sua informalidade com pessoas que acaba de conhecer é cativante. Sua compreensão dos detalhes de questões de políticas públicas, especialmente macroeconômicas, é convincente.
A sensação é de que, apesar de estar absorvida pelas quatro semanas que duram a Copa do Mundo, suas preocupações reais são os desafios de longo prazo enfrentados pelo país.
"No Brasil, não temos projetos pequenos", conta, enquanto defende a resolução dos problemas brasileiros através de "soluções macro". Cita como exemplo os projetos de levar energia elétrica a milhões de brasileiros que vivem nas regiões mais pobres.
Dilma indica que, se for reeleita para um segundo mandato, não mexerá nos seus princípios de política econômica, que críticos veem como protecionista, marcada por excessivo intervencionismo estatal.
A presidente de centro-esquerda cita com orgulho os benefícios que tiraram 30 milhões de brasileiros da pobreza e rejeita a ideia de um livre mercado. Diz que o Estado é necessário para alcançar "melhoras" nos serviços públicos, especialmente na educação.
Política internacional
Um segundo mandato de Dilma Rousseff prometeria maior engajamento no cenário internacional. Uma das razões por que a imprensa estrangeira raramente tem acesso a ela é o fato de sua plataforma dar tão pouco espaço à política externa.
No alto desta agenda está reparar as relações com os Estados Unidos. A presidente cancelou uma visita de Estado a Washington no ano passado após revelações de espionagem, de que ela, ministérios, empresas e cidadãos brasileiros teriam sido alvos.
Durante o jantar, Dilma reafirma que deseja um sinal claro de que a espionagem não voltará a ocorrer. Ao mesmo tempo, afirma que o relacionamento Brasil-Estados Unidos vive apenas uma "pausa" e não uma paralisia.
"Temos uma parceria forte, estratégica com os Estados Unidos, e tenho muito respeito pelo (presidente americano, Barack) Obama", afirma. "Não estamos casados, mas estamos meio que namorando", brinca.
Dilma receberá no dia 17 de dezembro, em Brasília, o vice de Obama, Joe Biden – que assistirá no dia anterior à estreia da equipe americana na Copa.
A conversa inevitavelmente retorna ao Mundial. Sem ser questionada, Dilma fala dos protestos, e diz que os manifestantes têm "100%" de direito a se manifestar.
Mas ressalva que "a maioria dos brasileiros está apoiando a Copa" e os manifestantes não podem "interferir ou atrapalhar" o torneio.
Seu governo agora parece determinado a não deixar que os protestos ganhem força, como ocorreu em junho de 2013. A mobilização de milhares de policiais e soldados nas ruas brasileiras será acompanhada de perto pela imprensa.
Democracia
Dilma Rousseff tem orgulho da democracia brasileira cada vez mais forte. E acredita que o país está no caminho certo, apesar da violência nas grandes cidades. Rejeita que seu governo esteja "usando" o torneio para colher benefícios políticos.
"Eu estava na prisão na Copa de 1970. Havia uma ditadura brutal no país", relembra Dilma. Em meio à repressão e a tortura, muitos questionavam se seu seu apoio à Seleção significava apoiar o regime.
"Agora é diferente. O governo ajuda a organizar a Copa mas não vejo uma relação política entre as duas coisas."
A noite com a presidente termina com anedotas sobre como adoraria poder caminhar pelas ruas sem ser notada e sobre seu paixão pela leitura. Dilma está na casa dos 60 mas não dá sinais de desacelerar.
Mesmo dormindo apenas seis horas por noite – "nem de longe" o suficiente, diz – ainda encontra tempo para ciceronear jornalistas pelo Palácio da Alvorada e posar para fotos.
É um exercício de relações públicas para uma presidente que será pressionada a aparecer mais claramente no cenário internacional se for reeleita para um segundo mandato.
Para mim, foram horas valiosas ao lado de uma das líderes mais poderosas, porém menos compreendidas, do mundo. (Da BBC Brasil)
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