21/06/2014
Exoesqueleto do Professor Nicolelis deu um chute no traseiro dos detratores do Brasil
Carta Maior - 20/06/2014
Arquivo
De vez em quando, torcer contra o Brasil chega ao limite do ridículo e faz vítimas improváveis. O mais recente alvo dessa babaquice foi Miguel Nicolelis.
Antonio Lassance
Dizem os mais espirituosos
que, no jogo de abertura da Copa, Brasil x Croácia, quando o lateral
Marcelo (tricolor) viu a bola e o goleiro Júlio César (flamenguista) à
sua frente, não resitiu e pensou: "quer saber, isso aqui é Fla-Flu" - e
mandou a bola para dentro do gol brasileiro.
A piada é ótima porque explora o absurdo de uma situação improvável. Improvável?
Torcer contra o Brasil, por razões que vêm de outros carnavais, é algo mais comum do que se imagina.
Há, de tudo, um pouco. Comemorar o gol da Croácia é o de menos. Dizer que #NaoVaiTerCopa e queimar nossa bandeira em praça pública mostraram-se atos isolados, que acabaram surtindo efeito contrário.
Torcida do contra, para valer mesmo, foi aquela feita pelo representante oficial de um grande banco privado brasileiro, feita em Davos (Suíça) e alhures, que declarou enfaticamente torcer para que o país fosse rebaixado pelas agências de classificação de risco - aquelas mesmas que não viram o elefante na sala de estar do capitalismo na megacrise que explodiu em 2008.
De vez em quando, torcer contra o Brasil chega ao limite do ridículo e faz vítimas improváveis.
O mais recente alvo desse tipo de babaquice foi o respeitado neurocientista Miguel Nicolelis - respeitado principalmente lá fora, pois, aqui dentro, sobram detratores.
Nicolelis se apresenta nas redes sociais como cientista e "apaixonado pelo Brasil". Revela, porém, seu defeito de ser palmeirense - ainda assim, uma razão irrelevante para se torcer contra Nicolelis.
Este brasileiro de quem me ufano lidera pesquisas pioneiras que se dedicam a fazer com que pessoas que perderam seus movimentos voltem a andar, a correr, a jogar bola, a ter uma vida com menos limitações. Seu principal projeto tem um sugestivo e emocionante nome: "Andar de novo".
Sua mágica é juntar neurociência, computação e robótica. A combinação foi representada no exoesqueleto levado a campo, na abertura da Copa, para ajudar o paraplégico Juliano Pinto a dar um chute que, simbolicamente, foi o pontapé inicial de muitos avanços.
Mas nada disso mostrou-se suficiente para evitar que Nicolelis fosse alvo dos ataques dos calunistas de plantão, que o acusaram de midiático, perdulário com o dinheiro público, farsante e de criar algo que pode ter futuro uso militar - claro, como a pólvora, o avião, os alimentos enlatados, o satélite, o computador, o telefone celular.
Acredite, Nicolelis foi acusado de "nacionalista" e também de ser um novo Santos Dumont, pejorativamente, por se dizer inventor de algo já inventado - sim, há quem, por aqui, prefira acreditar na lenda de que quem inventou o avião foram os irmãos Wright, aqueles que fabricaram um planador que só decolava catapultado, que teve um voo documentado por uma foto desfocada e de escassas testemunhas.
Até hoje, ninguém conseguiu fazer uma réplica do aeroplano dos irmãos Wright que conseguisse voar, ao contrário do voo perfeito da réplica do 14-Bis, em seu centenário (2006).
A maledicência contra Nicolelis lembra o destino de outro gigante da Ciência do Brasil, Carlos Chagas (1878-1934).
A tripanossomíase americana, popularmente conhecida como Doença de Chagas, em homenagem ao cientista, era um verdadeiro flagelo de várias regiões mais pobres de países de clima tropical.
Chagas descobriu o agente transmissor da doença, descreveu seu ambiente de propagação, seu ciclo evolutivo e, mais importante, salvou muitas vidas.
Como o professor Nicolelis, Chagas era um apaixonado pelo Brasil. Seu filho, Carlos Chagas Filho, também grande cientista, conta em seu livro de memórias que uma das mais marcantes recomendações que recebeu do pai foi a de que conhecesse o Brasil - que fosse para o interior do País, visitasse as localidades mais distantes e pobres. Isso era ciência para os Chagas.
Carlos Chagas, o pai, foi indicado ao Prêmio Nobel e sua descoberta tinha razões de sobra para que ele fosse laureado.
Curiosamente, a principal oposição à indicação de Chagas não vinha da comissão do Nobel, mas de alguns de seus compatriotas do Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos (hoje, Fundação Oswaldo Cruz) e da Academia Nacional de Medicina.
A oposição dos "colegas", que disputavam influência no Instituto, contra o herdeiro natural de Oswaldo Cruz, ia ao ponto de se negar a existência da doença e de se levantar dúvidas sobre a seriedade do trabalho de Chagas.
Essas desavenças chegaram aos ouvidos da comissão do Nobel, que, por via das dúvidas, deixou o ano de 1921 sem a premiação da área para a qual Chagas estava indicado.
Nicolelis, com Santos Dumont e Carlos Chagas, está em boa companhia.
Ao fim e ao cabo, não só os calunistas de Nicolelis, mas a própria Fifa, que desprezou o experimento e foi uma das principais críticas da Copa do Mundo no Brasil, receberam um chute no traseiro, para usar a expressão preferida do cartola Jérôme Valcke.
Foi um chute no traseiro com estilo, VIP, dado de dentro de um exoesqueleto por alguém que quer andar de novo.
(*) Antonio Lassance é cientista político. Texto publicado originalmente no Blog da Editora Boitempo
.
A piada é ótima porque explora o absurdo de uma situação improvável. Improvável?
Torcer contra o Brasil, por razões que vêm de outros carnavais, é algo mais comum do que se imagina.
Há, de tudo, um pouco. Comemorar o gol da Croácia é o de menos. Dizer que #NaoVaiTerCopa e queimar nossa bandeira em praça pública mostraram-se atos isolados, que acabaram surtindo efeito contrário.
Torcida do contra, para valer mesmo, foi aquela feita pelo representante oficial de um grande banco privado brasileiro, feita em Davos (Suíça) e alhures, que declarou enfaticamente torcer para que o país fosse rebaixado pelas agências de classificação de risco - aquelas mesmas que não viram o elefante na sala de estar do capitalismo na megacrise que explodiu em 2008.
De vez em quando, torcer contra o Brasil chega ao limite do ridículo e faz vítimas improváveis.
O mais recente alvo desse tipo de babaquice foi o respeitado neurocientista Miguel Nicolelis - respeitado principalmente lá fora, pois, aqui dentro, sobram detratores.
Nicolelis se apresenta nas redes sociais como cientista e "apaixonado pelo Brasil". Revela, porém, seu defeito de ser palmeirense - ainda assim, uma razão irrelevante para se torcer contra Nicolelis.
Este brasileiro de quem me ufano lidera pesquisas pioneiras que se dedicam a fazer com que pessoas que perderam seus movimentos voltem a andar, a correr, a jogar bola, a ter uma vida com menos limitações. Seu principal projeto tem um sugestivo e emocionante nome: "Andar de novo".
Sua mágica é juntar neurociência, computação e robótica. A combinação foi representada no exoesqueleto levado a campo, na abertura da Copa, para ajudar o paraplégico Juliano Pinto a dar um chute que, simbolicamente, foi o pontapé inicial de muitos avanços.
Mas nada disso mostrou-se suficiente para evitar que Nicolelis fosse alvo dos ataques dos calunistas de plantão, que o acusaram de midiático, perdulário com o dinheiro público, farsante e de criar algo que pode ter futuro uso militar - claro, como a pólvora, o avião, os alimentos enlatados, o satélite, o computador, o telefone celular.
Acredite, Nicolelis foi acusado de "nacionalista" e também de ser um novo Santos Dumont, pejorativamente, por se dizer inventor de algo já inventado - sim, há quem, por aqui, prefira acreditar na lenda de que quem inventou o avião foram os irmãos Wright, aqueles que fabricaram um planador que só decolava catapultado, que teve um voo documentado por uma foto desfocada e de escassas testemunhas.
Até hoje, ninguém conseguiu fazer uma réplica do aeroplano dos irmãos Wright que conseguisse voar, ao contrário do voo perfeito da réplica do 14-Bis, em seu centenário (2006).
A maledicência contra Nicolelis lembra o destino de outro gigante da Ciência do Brasil, Carlos Chagas (1878-1934).
A tripanossomíase americana, popularmente conhecida como Doença de Chagas, em homenagem ao cientista, era um verdadeiro flagelo de várias regiões mais pobres de países de clima tropical.
Chagas descobriu o agente transmissor da doença, descreveu seu ambiente de propagação, seu ciclo evolutivo e, mais importante, salvou muitas vidas.
Como o professor Nicolelis, Chagas era um apaixonado pelo Brasil. Seu filho, Carlos Chagas Filho, também grande cientista, conta em seu livro de memórias que uma das mais marcantes recomendações que recebeu do pai foi a de que conhecesse o Brasil - que fosse para o interior do País, visitasse as localidades mais distantes e pobres. Isso era ciência para os Chagas.
Carlos Chagas, o pai, foi indicado ao Prêmio Nobel e sua descoberta tinha razões de sobra para que ele fosse laureado.
Curiosamente, a principal oposição à indicação de Chagas não vinha da comissão do Nobel, mas de alguns de seus compatriotas do Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos (hoje, Fundação Oswaldo Cruz) e da Academia Nacional de Medicina.
A oposição dos "colegas", que disputavam influência no Instituto, contra o herdeiro natural de Oswaldo Cruz, ia ao ponto de se negar a existência da doença e de se levantar dúvidas sobre a seriedade do trabalho de Chagas.
Essas desavenças chegaram aos ouvidos da comissão do Nobel, que, por via das dúvidas, deixou o ano de 1921 sem a premiação da área para a qual Chagas estava indicado.
Nicolelis, com Santos Dumont e Carlos Chagas, está em boa companhia.
Ao fim e ao cabo, não só os calunistas de Nicolelis, mas a própria Fifa, que desprezou o experimento e foi uma das principais críticas da Copa do Mundo no Brasil, receberam um chute no traseiro, para usar a expressão preferida do cartola Jérôme Valcke.
Foi um chute no traseiro com estilo, VIP, dado de dentro de um exoesqueleto por alguém que quer andar de novo.
(*) Antonio Lassance é cientista político. Texto publicado originalmente no Blog da Editora Boitempo
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