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16/01/2015
PSDB, da social-democracia à reencarnação da velha UDN
O Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB) nasceu quando o PMDB deixava de representar a aliança contra a
ditadura e transformava-se, aos poucos, em uma força política
indefinida. Naquele fim dos anos 1980, quando surgiu, o PSDB
personificou a esperança de organizar uma alternativa social democrata
em meio ao conjunto das forças políticas que emergiam no País.
Suas alianças e estratégia permitiram que, já
em 1994, o partido chegasse à Presidência da República com a promessa
de dar continuidade ao Plano Real, fundamental esforço de combate a
inflação.
O controle de inflações elevadas, todavia,
implica custos e redistribuição de renda. O governo do PSDB escolheu,
então, os perdedores, os que pagariam a conta: os trabalhadores (1).
Foram os anos de liberalização da economia
com abertura comercial (sem contrapartidas), privatização de empresas
(em processos questionados), redução do papel do Estado (desarticulando e
minando órgãos) e ênfase sobre a regulação (enfraquecendo políticas
estratégicas de Estado).
O capital, por sua vez, pouco sofreu, pois o
Governo Federal propôs uma rota de fuga para a multiplicação do
dinheiro. Foi o período das incrivelmente elevadas taxas de juros, em
que a compra de um papel da dívida pública garantia alto rendimento com
baixíssimo risco.
A liquidez necessária aos ativos para serem
aplicados no mercado financeiro foi conseguida, muitas vezes, com a
venda de empresas nacionais ao capital estrangeiro.
Além desse receituário inspirado no Consenso
de Washington, outras medidas aumentaram a distância do PSDB em relação à
população menos abastada: o partido raro conversou com as organizações
populares, os pobres foram pouco aquinhoados no orçamento da União, o
governo aliou-se à direita mais conservadora (o Democratas, ex-PFL que,
antes, foi PDS e Arena) e, por fim, emendou a Constituição no capítulo
econômico, extinguindo qualquer viés nacionalista.
Como prêmio pela ajuda aos capitais nacionais
e estrangeiros, o governo do PSDB recebeu apoio da imprensa nacional
que, mesmo quando denunciava problemas, não aprofundava a investigação e
tendia a esquecer rápido cada acusação (2).
Em 2002, todavia, outra força política ganhou
as eleições ao encarnar a esperança na retomada do crescimento
econômico e na melhor distribuição de renda no País. Nos anos seguintes,
programas redistributivos foram melhorados e ampliados, o salário
mínimo cresceu significativamente, cessaram as privatizações e os
investimentos públicos foram retomados.
O setor externo facilitou a tarefa, pois a valorização das commodities exportadas gerou divisas suficientes para controlar, através de importações, qualquer pressão inflacionária.
O cenário favorável ao novo governo acuou a
oposição peessedebista que, sem projeto político alternativo, passou a
gritar o samba de uma nota só: corrupção, corrupção, corrupção. Era o
início do período lacerdista do PSDB, a inesperada aflição de refundar o
comportamento da velha UDN que acusava Getúlio Vargas de administrar um
“mar de lama”. O contraditório era que o PSDB acusador também era
acusado de ter seu próprio “mar de lama” (3).
Em 2010, o PSDB abraçou explicitamente o
moralismo da velha UDN. Naquele ano, José Serra (PSDB) enfrentou Dilma
Rousseff (PT) pela Presidência da República. Ali, a guinada conservadora
do partido impressionou pelo uso de símbolos religiosos e
partidarização de temas caros aos fiéis evangélicos e católicos. A
escolha feita pelo PSDB, naquele momento, afastou-o de mais elementos
primários da social democracia. Agora, o partido descuidava da defesa do
Estado laico.
Do mesmo modo, a recente eleição de outubro
de 2014 reforçou a opção do PSDB de afastar-se da social democracia e
trouxe, também, uma preocupação: o partido encarnou, para parte dos
eleitores, uma alternativa conservadora e de direita no cenário político
brasileiro.
O motivo estava nas escolhas. Por exemplo, o
PSDB continuou buscando apoio de figuras conservadoras do pensamento
religioso, não se aproximou dos movimentos sociais, o programa de
governo destacou a regulação e as funções liberais do Estado, o
candidato cercou-se de economistas neoliberais, arrecadou o apoio do
setor financeiro entre outras escolhas.
A imagem do candidato do PSDB, então, atraiu
os insatisfeitos com o atual governo, mas principalmente os radicais de
direita, muitos deles sem qualquer noção sobre o funcionamento da
política, da economia ou da história do País, mostrando o lado para o
qual pendia a candidatura.
Nesse ambiente, o PSDB, ao solicitar uma
auditoria sobre a eleição presidencial, lançou uma nuvem de suspeita
sobre o processo eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral. O pedido
atendeu aos reclamos dos descontentes com o resultado da eleição e jogou
gasolina sobre a brasa dos grupos de extrema direita. Aparentemente, a
intenção limitou-se a agradar esses grupos para mantê-los ativos em
ataques ao Governo Federal, como linha de frente da batalha política que
se anuncia.
Em resumo, o PSDB precisou assumir o apoio da
direita e caminhar mais alguns passos na mesma direção, encarnando, no
imaginário dos brasileiros, a ordem e o status quo, em oposição a projetos populares.
O resultado, portanto, foi que o PSDB saiu
fortalecido das urnas em 2014, mas fortalecido à direita e não em nome
da social democracia. O crescimento do partido é um fato para seus
líderes comemorarem, mas pode revelar-se lamentável quando se recorda o
discurso de sua fundação: um partido social democrata que deveria buscar
a construção da justiça social em uma nação marcada pela desigualdade e
pobreza, aplicando-se, portanto, na luta pela distribuição de
oportunidades, poder e cultura (4).
Diante disso, o melhor para o Partido da
Social Democracia Brasileira seria surgir um verdadeiro partido de
direita no Brasil, a fim de não ser mais confundido como tal. Poderia o
PSDB, então, resgatar seu programa social democrata e, na oposição,
chamar para si a relevante tarefa de ajudar o Brasil a ser mais
democrático, justo, empreendedor e laico.
Notas
(1) Os trabalhadores sofreram, no período, as
maiores taxas de desemprego já registradas no país. Na Região
Metropolitana de São Paulo, a taxa de desemprego cresceu de 12,6%, em
dezembro de 1994, para 20,4%, em abril de 2002.
(2) Esse comportamento da mídia nacional fica
muito claro a partir dos números coletados pelo Prof. João Feres Junior
(IESP/UERJ), reunidos no site Manchetômetro.
(3) As acusações de compra de votos de
parlamentares na emenda constitucional que permitiu a reeleição para
cargos no poder executivo, as desconfianças de favorecimento nos
processos de privatização de grandes empresas públicas e a condenação do
banqueiro Salvatore Cacciola com problemas junto ao Banco Central são
alguns dos casos mais famosos do período.
(4) O Programa Partidário aprovado no III Congresso Nacional do PSDB parece relativizar o documento de fundação de 1988. Ver AQUI.
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