A manipulação dos ricos e poderosos
Hélio Doyle
A capacidade de manipulação dos ricos e poderosos é imensa. Contam, para isso, não só com seus enormes recursos financeiros como com o fundamental apoio da chamada grande imprensa, que, como é natural, é comandada por ricos e poderosos. Ou seja, estão todos no mesmo barco.
Essa capacidade de manipulação faz com que os segmentos mais pobres da sociedade e as classes médias encampem, como suas, teses que na verdade contrariam seus interesses e só beneficiam ricos e poderosos. É como se o barco dos que têm muito, e que são poucos, navegasse rebocando o barco dos que têm pouco, e que são muitos. Todos na mesma onda.
Um bom exemplo dessa capacidade de manipulação e cooptação dos que têm menos pelos que têm muito é a tão falada carga tributária brasileira. Os ricos e poderosos disseminam uma gigantesca operação de manipulação de informações para confundir as pessoas e fazer com que todos acreditem na mentira que é a “enorme carga tributária brasileira”.
Claro que ninguém gosta de pagar impostos. Isso é um dado histórico, basta nos lembrarmos de Tiradentes e dos revoltosos de Minas Gerais, entre outros. Mas, diferentemente do que alardeiam os ricos e poderosos, o problema não é o tamanho da carga tributária brasileira. O problema é a injustiça do sistema tributário brasileiro, em que os mais pobres e as classes médias pagam muito mais impostos do que esses ricos e poderosos que fazem tanto barulho.
O sistema tributário brasileiro é injusto socialmente, beneficia os mais ricos e prejudica os mais pobres. Essa é a questão central. Pobres pagam muito mais impostos, pois as decisões sobre tributos são tomadas por governantes e tecnocratas ansiosos por agradar aos ricos e poderosos (e que volta e meia trabalham para eles) e pelos representantes que esses ricos e poderosos têm no Congresso Nacional -- e que impedem e boicotam qualquer reforma desse sistema tributário que venha a implantar a justiça social no pagamento dos impostos.
A favor dos manipuladores há outro fator: a incapacidade de sucessivos governos, nas três esferas da Federação, de aplicar bem e corretamente os recursos arrecadados com os impostos. É natural, diante da precariedade total dos serviços públicos e dos reiterados casos de desvios de dinheiro público, que as pessoas, independentemente de classe social, rebelem-se contra qualquer aumento de imposto ou da carga tributária.
Os manipuladores impedem que as informações corretas sejam disseminadas e que haja um debate sério e qualificado sobre a questão tributária. Fazem isso para defender seus interesses e continuar pagando impostos irrisórios e sonegando à vontade e impunemente.
Não dizem os manipuladores, por exemplo, que estudos do Fundo Monetário Internacional e da Heritage Foundation, citados por Grazielle Custódio David, especialista em Orçamento Público e assessora do Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos – mostram que entre as 20 maiores economias do mundo, o Brasil tem a quinta mais baixa carga tributária. A carga tributária brasileira não é alta como pintam: os problemas são que recai sobre os mais pobres e isenta os ricos, e os impostos arrecadados são mal aplicados e desviados.
Grazielle, em matéria de Joana Rozowykwiat publicada no portal Vermelho, mostra que os impostos indiretos, sobre consumo de produtos e serviços, recaem mais sobre os que ganham menos. No Brasil, 51,28% dos impostos vêm do consumo. Os salários contribuem com 24,08% dos impostos, a renda com 18,1% e a propriedade com apenas 3,93%. A média internacional de imposto sobre propriedade é de 8% a 12%. Impostos sobre consumo, quando aumentam, se refletem no aumento dos preços. Empresários jamais aceitam reduzir suas margens de lucro.
No Brasil, os assalariados têm seus impostos descontados na fonte. Já os empresários que recebem lucros e dividendos não pagam imposto de renda desde 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Nos Estados Unidos, lucros e dividendos são taxados em 21,2%, na França em 38,5%. A maior alíquota de imposto de renda no Brasil, para os que ganham mais, é de 27,5%. Nos Estados Unidos, é de 39,6%, na Alemanha é de 45% e na Suécia é de 56,7%.
No Congresso, os ricos e poderosos asseguram suas vantagens. Recentemente o governo propôs um aumento de 30% no imposto de renda sobre ganhos de capital. O senador tucano Tasso Jereissati, que é empresário, baixou para 22,5% e ainda 2aumentou o piso de R$ 20 milhões para R$ 30 milhões. Legislou em causa própria e a imprensa apresentou o resultado como “derrota do governo”, omitindo o sentido real da proposta e da derrota.
A sonegação de impostos no Brasil é avaliada, por Grazielle, em R$ 500 bilhões. A sonegação é um jogo financeiro do empresariado, que não paga os impostos, aplica o dinheiro que deveria ter ido para os cofres públicos e depois se beneficia dos programas de refinanciamento de dívidas, com longo prazo para pagamento e perdão de juros. Um grande negócio, não permitido às pessoas físicas. E o Congresso Nacional tem evitado que sonegadores sejam punidos. Quando pagam ou renegociam as dívidas, são perdoados.
Sem arrecadar, o Estado não tem como funcionar adequadamente, aqui ou em qualquer país. Sem impostos, um país não tem recursos para prestar serviços à população. E quem mais precisa desses serviços são os mais pobres, que mais dependem do Estado, porque precisam de benefícios sociais, educação e saúde públicas, segurança e transporte. Os ricos e poderosos que se voltam contra a justiça tributária e não querem pagar impostos não precisam desses serviços.
A manipulação desses ricos e poderosos se volta agora contra a CPMF. Na verdade, o que eles mais temem é que com a CPMF fica muito mais difícil sonegar impostos. E aí entra também a questão política: são contra a CPMF os que ainda apostam no agravamento da crise econômica para desgastar e, se possível, derrubar o governo.
O povo tem razão de cobrar a correta aplicação dos impostos e não querer que mais um seja criado. Mas, em vez de se aliar as ricos e poderosos, o que deve fazer é lutar por uma reforma tributária que leve quem tem mais a pagar mais impostos, e quem tem menos a pagar menos ou não pagar impostos. E que, de quebra, simplifique e desburocratize o sistema, reduzindo os custos do Estado e das empresas para cobrar e pagar impostos.
O governo federal deveria estar fazendo este debate, e enfrentá-lo com coragem. Só defender a CPMF, diante da enorme capacidade de manipulação de ricos e poderosos, aliada à estratégia de desgaste político, é muito pouco.
Hélio Doyle é jornalista, foi professor da Universidade de Brasília e secretário da Casa Civil do governo do Distrito Federal
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