11/02/2016
Para Noam Chomsky, humanidade passa pelo seu momento mais crítico
Enviado por José Carlos Lima
Do Esquerda.net
Chomsky: Este é o momento mais crítico na história da humanidade
Numa longa conversa, Chomsky analisa
as principais tendências do cenário internacional, critica a escalada
militarista do seu país e afirma que as alterações climáticas é o pior
problema que a humanidade já enfrentou.
Por Agustín Fernández Gabard e
Raúl Zibechi
“Os Estados Unidos foram sempre uma
sociedade colonizadora. Ainda antes de se constituir como Estado estava a
eliminar a população indígena, o que significou a destruição de muitas
nações originais”, sintetiza o linguista e ativista norte-americano Noam
Chomsky quando se lhe pede que descreva a situação política mundial.
Crítico acérrimo da política externa do seu país, argumenta que desde
1898 se virou para o cenário internacional com o controle de Cuba, “que
converteu essencialmente em colónia”, para depois invadir as Filipinas,
“assassinando um par de centenas de milhares de pessoas”.
Continua a alinhavar uma espécie de
contra-história do império: “Depois roubou o Hawai à sua população
original, 50 anos antes de incorporá-la como mais um estado”.
Imediatamente depois da segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos
converteram-se em potência internacional, “com um poder sem precedente
na história, um incomparável sistema de segurança, controlava o
hemisfério ocidental e os dois oceanos, e naturalmente traçou planos
para tentar organizar o mundo de acordo com os seus desejos”.
Concorda que o poder da superpotência
diminuiu em relação ao que tinha em 1950, o pico do seu poder, quando
acumulava 50 por cento do produto interno bruto mundial, que agora caiu
para 25 por cento. Ainda assim, parece-lhe necessário recordar que os
Estados Unidos continuam a ser “o país mais rico e poderoso do mundo, e a
nível militar é incomparável”.
Um sistema de partido único
Há algum tempo Chomsky comparou as
votações no seu país com a escolha de uma marca de pasta de dentes num
supermercado. “O nosso é um país de um só partido político, o partido da
empresa e dos negócios, com duas facções, democratas e republicanos”,
proclama. Mas acha que já não é possível continuar a falar de duas
velhas comunidades políticas, já que as suas tradições sofreram uma
mutação completa durante o período neoliberal.
“São os republicanos modernos que se
fazem chamar democratas, enquanto a antiga organização republicana ficou
fora do espectro, porque ambas as partes se deslocaram para a direita
durante o período neoliberal, tal como aconteceu na Europa”. O resultado
é que os novos democratas de Hillary Clinton adotaram o programa dos
velhos republicanos, enquanto estes foram completamente tomados pelos
neoconservadores. “Se você vir os espetáculos televisivos onde dizem
debater, só gritam uns com os outros e as poucas políticas que
apresentam são aterradoras”.
Por exemplo, ele aponta que todos os
candidatos republicanos negam o aquecimento global ou são céticos, que
apesar de não o negarem dizem que os governos não devem fazer algo sobre
isso. “No entanto, o aquecimento global é o pior problema que a espécie
humana jamais enfrentou, e estamos a dirigir-nos para um desastre
completo”. Na sua opinião, as alterações climáticas têm efeitos só
comparáveis com a guerra nuclear. Pior ainda, “os republicanos querem
aumentar o uso de combustíveis fósseis. Não estamos perante um problema
de centenas de anos, mas de uma ou duas gerações”.
A negação da realidade, que caracteriza
os neoconservadores, corresponde a uma lógica semelhante à que
impulsiona a construção de um muro na fronteira com o México. “Essas
pessoas que tentamos afastar são as que fogem da destruição causada
pelas políticas norte-americanas”.
“Em Boston, onde vivo, há um par de dias
o governo de Obama deportou um guatemalteco que viveu aqui durante 25
anos; tinha uma família, uma empresa, era parte da comunidade. Tinha
escapado da Guatemala destruída durante a administração Reagan. Em
resposta, a ideia é construir um muro para proteger-nos. Na Europa é o
mesmo. Quando vemos que milhões de pessoas a fugir da Líbia e da Síria
para a Europa, temos que nos interrogar sobre o que aconteceu nos
últimos 300 anos para chegarmos a isto”.
Invasões e alterações climáticas retroalimentam-se
Há apenas 15 anos não existia o tipo de
conflito que observamos hoje no Médio Oriente. “É consequência da
invasão norte-americana do Iraque, que é o pior crime do século. A
invasão britânica-norte-americana teve consequências horríveis,
destruíram o Iraque, que agora é classificado como o país mais infeliz
do mundo, porque a invasão tirou a vida a centenas de milhares de
pessoas e criou milhões de refugiados, que não foram acolhidos pelos
Estados Unidos e tiveram que ser recebidos pelos países vizinhos pobres,
os quais foram encarregados de recolher as ruínas do que nós
destruímos. E o pior de tudo é que instigaram um conflito entre sunitas e
xiítas que não existia antes”.
As palavras de Chomsky recordam a
destruição da Jugoslávia durante a década de 1990, instigada pelo
Ocidente. Destaca que, tal como Sarajevo, Bagdade era uma cidade
integrada, onde os diversos grupos culturais compartilhavam os mesmos
bairros, se casavam com membros de diferentes grupos étnicos e
religiões. “A invasão e as atrocidades que se seguiram instigaram a
criação de uma monstruosidade chamada Estado Islâmico, que nasce com
financiamento saudita, um dos nossos principais aliados no mundo”.
Um dos maiores crimes foi, em sua
opinião, a destruição de grande parte do sistema agrícola sírio, que
assegurava a alimentação, o que levou milhares de pessoas para as
cidades, “criando tensões e conflitos que explodem mal começa a
repressão”.
Uma das suas hipóteses mais
interessantes consiste em cruzar os efeitos das intervenções armadas do
Pentágono com as consequências do aquecimento global.
Na guerra no Darfur (Sudão), por
exemplo, os interesses das potências convergem com a desertificação que
expulsa populações inteiras das zonas agrícolas, o que agrava e agudiza
os conflitos. “Estas situações desembocam em crises horríveis, como
acontece na Síria, onde se regista a maior seca da sua história que
destruiu grande parte do sistema agrícola, gerando deslocações,
exacerbando tensões e conflitos”, reflete.
Ainda não temos pensado profundamente,
destaca, sobre o que implica esta negação do aquecimento global e os
planos a longo prazo que os republicanos pretendem acelerar: “Se o nível
do mar continua a subir e sobe mais rapidamente, vai engolir países
como o Bangladesh, afetando centenas de milhões de pessoas. Os glaciares
do Himalaia derretem-se rapidamente pondo em risco o abastecimento de
água ao sul da Ásia. Que vai acontecer a esses milhares de milhões de
pessoas? As consequências iminentes são horrendas, este é o momento mais
importante na história da humanidade”.
Chomsky acredita que estamos perante uma
curva da história em que os seres humanos têm que decidir se querem
viver ou morrer: “Digo-o literalmente. Não vamos morrer todos, mas
destruir-se-iam as possibilidades de vida digna, e temos uma organização
chamada Partido Republicano que quer acelerar o aquecimento global. Não
exagero - remata– é exatamente o que querem fazer”.
A seguir, cita o Boletim de Cientistas Atómicos e
o seu Relógio do Apocalipse, para recordar que os especialistas
sustentam que na Conferência de Paris sobre o aquecimento global era
impossível conseguir um tratado vinculante, apenas acordos voluntários.
“Porquê? Porque os republicanos não o aceitariam. Bloquearam a
possibilidade de um tratado vinculante que poderia ter feito algo para
impedir esta tragédia em massa e iminente, uma tragédia como nunca
existiu na história da humanidade. É disso que estamos a falar, não são
coisas de importância menor”.
Guerra nuclear, possibilidade certa
Chomsky não é das pessoas que se deixam
impressionar por modas académicas ou intelectuais; o seu raciocínio
radical e sereno procura evitar furores e, talvez por isso, mostra-se
avesso a aceitar a anunciada decadência do império. “Tem 800 bases em
todo o mundo e investe no seu exército tanto como todo o resto do mundo.
Ninguém tem algo assim, com soldados a combater em todas as partes do
mundo. A China tem uma política principalmente defensiva, não possui um
grande programa nuclear, ainda que possa crescer”.
O caso de Rússia é diferente. É a
principal pedra no sapato da dominação do Pentágono, “porque tem um
sistema militar enorme”. O problema é que tanto a Rússia como os Estados
Unidos estão a ampliar os seus sistemas militares, “ambos estão a atuar
como se a guerra fosse possível, o que é uma loucura coletiva”. Pensa
que a guerra nuclear é irracional e que só poderia acontecer em caso de
acidente ou erro humano. No entanto, coincide com William Perry,
ex-secretário da Defesa, que disse recentemente que a ameaça de uma
guerra nuclear é hoje maior do que era durante a guerra fria. Chomsky considera que o risco se concentra na proliferação de incidentes que envolvem forças armadas de potências nucleares.
“A guerra esteve muito próxima inúmeras
vezes”, admite. Um dos seus exemplos favoritos é o que aconteceu durante
o governo de Ronald Reagan, quando o Pentágono decidiu pôr a prova a
defesa russa mediante a simulação de ataques contra a União Soviética.
“Resultou que os russos levaram isso
muito a sério. Em 1983, depois de os soviéticos automatizarem os seus
sistemas de defesa detetaram um ataque de míssil norte-americano. Nestes
casos o protocolo é ir diretamente ao alto comando e lançar um
contra-ataque. Havia uma pessoa que tinha que transmitir essa
informação, Stanislav Petrov, mas decidiu que era um falso alarme.
Graças a isso estamos aqui a falar”.
Aponta que os sistemas de defesa dos
Estados Unidos têm erros sérios e há umas semanas foi divulgado um caso
de 1979, quando se detetou um ataque em massa com mísseis a partir da
Rússia. Quando o conselheiro de Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski,
estava a levantar o telefone para chamar o presidente James Carter e
lançar um ataque de represália, chegou a informação de que se tratava de
um falso alarme. “Há dezenas de falsos alarmes em cada ano”, assegura.
Neste momento as provocações dos Estados
Unidos são constantes. “A NATO está a realizar manobras militares a 200
metros da fronteira russa com a Estónia. Nós não toleraríamos algo
assim que acontecesse no México”.
O caso mais recente foi o abate de um
caça russo que estava a bombardear forças jihadistas na Síria em fins de
novembro. “Há uma parte da Turquia quase rodeada por território sírio e
o bombardeiro russo voou através dessa zona durante 17 segundos, e
derrubaram-no. Uma grande provocação que felizmente não foi respondida
pela força, mas levaram o seu mais avançado sistema antiaéreo para a
região, o que lhes permite derrubar aviões da NATO”. Argumenta que
factos semelhantes estão a acontecer diariamente no mar da China.
A impressão que emerge dos seus gestos e
reflexões é que se as potências que são agredidas pelos Estados Unidos
atuassem com a mesma irresponsabilidade que Washington, o destino
estaria traçado.
Entrevista com Noam Chomsky, por
Agustín Fernández Gabard e Raúl Zibechi, publicada no jornal La Jornada
em 7 de fevereiro de 2016. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net
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