05/04/2016
FHC, seu filho e os negócios em família
Sócio de uma offshore no Panamá e ligado a suspeitos de corrupção, Paulo Henrique Cardoso prosperou à sombra do pai
Carta Capital —
publicado
05/04/2016 06h22
Marcos Alves/Ag. O Globo
O clã ainda nos tempos de dona Ruth Cardoso
por Lúcio de Castro
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Os negócios da família do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vão
muito além das contas no exterior do patriarca investigadas pela
Polícia Federal. Incluem também transações do filho Paulo Henrique com a
Odebrecht, as offshore no Panamá e no Reino Unido, além de uma sociedade com o ex-braço direito do presidente argentino Mauricio Macri que se suicidou em meio a um escândalo de corrupção.
Paulo Henrique Cardoso manteve durante uma década negócios com a Braskem, uma sociedade entre a Odebrecht e a Petrobras, por meio da World Wide Partnership Importação e Exportação, empresa de comércio de produtos petroquímicos.
Embora PHC só conste como sócio da WWP a partir de 26 de
outubro de 2004, dois anos depois do término do segundo mandato
presidencial do pai, a WWP foi aberta em 31 de março de 1999, no auge do
processo de abertura do setor no País que resultou na liderança da Odebrecht na indústria petroquímica.
A WWP assinou uma parceria com a Braskem para produzir
resinas especiais de PVC no ano em que Paulo Henrique aparece
oficialmente no quadro societário da companhia.
PHC tem também uma offshore no Panamá. Criada em 19
de novembro de 2011, a empresa tem os mesmos sócios e o mesmo nome da
matriz paulista. Além disso, em sociedade com o pai abriu outra
companhia, desta vez no Reino Unido, a Ibiuna LLP, datada de 30 de março
de 2009. Ibiuna é uma referência à cidade no interior paulista onde
fica a fazenda na qual o ex-presidente descansava durante o mandato.
FHC assinou em novembro de 1995 a emenda
constitucional que acabou com o monopólio da Petrobras. No mesmo ano, a
Odebrecht fundou a OPP Petroquímica. Em janeiro de 1998, FHC criou a
Agência Nacional do Petróleo e entregou a presidência ao genro David
Zylbersztajn. Um ano depois, nasce a WWP. No período, 27 empresas do
ramo petroquímico foram privatizadas, com amplo financiamento do BNDES, o
banco estatal de fomento.
Em 2002, a Odebrecht reuniu todas as
empresas petroquímicas que havia adquirido sob o chapéu da Braskem. A
Petrobras se tornaria sócia minoritária do empreendimento (a estatal
anunciou a intenção de deixar o negócio neste ano). Em 2010, a Braskem
deu início a um processo de internacionalização. No ano seguinte, a WWP
abriu a offshore no Panamá.
Segundo documentos obtidos na Junta Comercial do Panamá, os sócios de PHC na offshore
são Luiz Eduardo Ematne e Stephen Timothy Fitzpatrick. Ematne aparece
como fundador da matriz brasileira em 31 de março de 1999. Em 24 de
janeiro de 2001, o norte-americano Fitzpatrick ingressa na sociedade.
Ematne afirma não se lembrar de detalhes da WWP. Em uma
conversa rápida por telefone, falou vagamente sobre a sociedade: “Não me
lembro de quando ele (PHC) entra. Uns 8, 9, 10 anos. A empresa
tem 12, 14 anos. Foi aberta há pouco tempo no Panamá, 2, 3 anos. É da
área de tecnologia, distribuidora de resina. Existe empresa no Japão que
comprou nossa tecnologia. Por isso abrimos empresa no Panamá.
Constituída legalmente. Mas o Paulo já saiu na de lá também. O volume de
vendas é nada”.
O empresário alegou estar em trânsito e sugeriu outra
conversa mais tarde. Novamente procurado, mudou de ideia e foi taxativo:
“Não vou mais falar. Não tenho obrigação de falar. Meu advogado me
disse que não devo falar nada”.
O escritório panamenho Sucre, Arias e Reyes foi responsável pelo suporte na constituição da WWP no país. Na offshore,
PHC aparece não só como sócio, mas tesoureiro. Consta seu endereço
residencial em São Conrado, no Rio de Janeiro. O Sucre, Arias e Reyes é
conhecido pela assistência na abertura de empresas de fachada para
lavagem de dinheiro naquele paraíso fiscal.
Em 2005, em um dos mais rumorosos
escândalos a envolver o Cartel de Cali, da Colômbia, o Departamento do
Tesouro dos Estados Unidos apontou que as corporações usadas como
lavanderia eram constituídas essencialmente por três bancas panamenhas,
entre elas a Sucre, Arias e Reyes.
Em sua propaganda, o escritório ressalta a “agilidade para constituição das offshore
que vão manejar contas bancárias, adquirir imóveis e proteger ativos”.
Com os préstimos da Sucre, Arias e Reyes, a WWP teve seu registro
assentado às 10h48 de 18 de novembro de 2011 e entrou no sistema de
informática da repartição pública no dia seguinte.
No ano passado, a Polícia Federal identificou uma
comunicação entre o Instituto FHC e a Braskem para acertar o pagamento
de uma doação da petroquímica. De acordo com o e-mail que consta em
laudo da PF, a secretária do Instituto FHC e um representante da Braskem
combinaram a forma do desembolso. “Gostaria que você verificasse com a
Braskem qual a melhor maneira para fazer a doação... Acho que a
Braskem/Odebrecht já fez doações para a Fundação iFCH.”
A reportagem identificou a participação de PHC em nove empresas, três em sociedade com FHC. Uma delas é a offshore
na Inglaterra, a Ibiuna LLP. No Brasil, pai e filho são sócios na
Goytacazes Participações e na Córrego da Ponte, antiga parceria entre o
ex-presidente e o ex-ministro Sérgio Motta.
Outras três são de “consultorias
empresariais”: a Analiti(K), a Intrabase e a Corporate Idea, esta última
criada juntamente com a irmã Luciana em 8 de agosto de 1997, quando o
pai ainda estava no primeiro mandado.
Na Analiti(K), aberta em 23 de setembro de 2005, PHC teve
como sócio um dos mais polêmicos personagens da recente história
argentina, que cometeu suicídio em meio a uma série de denúncias de
corrupção.
Apesar de estrangeiro, Gregorio Centurión tinha um CPF
brasileiro. Amigo desde os bancos escolares de Mauricio Macri, comandou e
foi o marqueteiro do atual presidente desde o mandato de deputado
federal.
Centurión cuidou da comunicação de Macri na campanha à
prefeitura de Buenos Aires e virou secretário de Comunicação Social da
capital. Era o coração do chamado núcleo duro do “macrismo”. Antes
disso, desempenhou funções vitais nas empresas da família.
No poder, Centurión dispensou as licitações para contratar
empresas prestadoras de serviço entre os anos de 2009 e 2010. Ancorado
na Lei nº 2.095 de Buenos Aires, contratava diretamente os fornecedores.
Privilegiou grupos de comunicação ao pagar mais pelos anúncios para
quem tinha dez vezes menos audiência.
Aplicou em ritmo frenético a estratégia de privilegiar
empresas amigas enquanto a verba destinada à secretaria multiplicava-se a
cada ano. O esquema funcionou até a deputada Rocio Sánchez Andía
apresentar uma denúncia contra ele e outros dois secretários.
Em 25 de novembro de 2010, enquanto Macri
estava em lua de mel por conta de um terceiro casamento, o juiz Gustavo
Pierreti autorizou uma operação policial nas dependências da
prefeitura. Os domínios de Centurión foram os principais alvos e dezenas
de documentos acabaram apreendidos.
Os delitos de administração infiel em
prejuízo da gestão pública, malversação de verbas, negociações
incompatíveis e descumprimento dos deveres do funcionário público
ganharam musculatura com as apreensões e o sócio de PHC entrou em
depressão. Antes disso, Centurión estivera envolvido em escândalo de
escutas ilegais.
Na noite de 19 de dezembro, o principal auxiliar de Macri
disparou um tiro de escopeta contra a própria cabeça. Em 9 de junho de
2011, segundo o Diário Oficial do Estado de São Paulo de 26 do
mesmo mês, os sócios da consultoria Analiti(K) se reuniram, em mesa
presidida por PHC, para promover a “dissolução parcial da Sociedade e
consequente redução do capital social, tendo em vista o falecimento do
sócio Gregorio Centurión, ocorrido em 19 de dezembro de 2010”.
Em 2009, no auge dos negócios do parceiro
Centurión com as rádios portenhas, PHC abriu a Rádio Holding
Participações, uma “holding de instituições não financeiras”. Entre os
sócios aparecem a americana ABC Ventura Corp, além de Jobelino Vitoriano
Locateli e José Tavares de Lucena, representante no quadro societário
de diversas empresas no País.
Em geral, afirmam especialistas,
representantes como Locateli e Lucena servem para resguardar a
identidade de quem não deseja aparecer diretamente em uma sociedade,
normalmente estrangeiros.
Entre as sociedades representadas
por Locateli está a Sport World Group, sócia da Traffic Sports World,
que tem entre seus sócios o empresário J. Hawilla, em prisão domiciliar nos Estados Unidos por participação no escândalo da Fifa.
A Rádio Holdings chegou a ser mencionada no Congresso
Nacional em 2011, por controlar a Itapema, então retransmissora da Rádio
Disney, acusada de ser a verdadeira proprietária do canal, algo vedado
pela lei, que só permite a participação de estrangeiros no capital de
meios de comunicação até o limite de 30%.
Em fevereiro de 2012, FHC criou a Goytacazes
Participações, com finalidade de “outras sociedades de participações”,
em parceria com a filha Luciana. PHC ingressou no quadro societário em
janeiro do ano seguinte.
A reportagem ouviu o Instituto FHC sobre as relações da
WWP com a Braskem. “São empresas privadas legalmente constituídas e
declaradas. Paulo Henrique não faz mais parte da WWP.” A reportagem
informou para a assessoria do iFHC que, pelas bases de dados
consultadas, tanto da Receita Federal quanto na Junta Comercial de São
Paulo, a saída de PHC não constava até a presente data. O mesmo vale
para o equivalente à Junta Comercial do Panamá.
Sobre a parceria com a empresa de Paulo
Henrique Cardoso, a Braskem, por meio da assessoria de imprensa, enviou
a seguinte nota para a consulta da reportagem: “A Braskem assinou
acordo com a WWP em 2004, detentora exclusiva de tecnologia para a
fabricação de resinas especiais de PVC. Por meio desse acordo, a Braskem
produziu e distribuiu essas resinas voltadas para a aplicação de
especialidades vinílicas até 2013, quando as relações comerciais foram
encerradas. Como empresa privada, a Braskem seleciona suas tecnologias
com foco em sua estratégia empresarial. Atualmente, a empresa possui
pelo menos três dezenas de acordos assinados para uso de tecnologia de
terceiros. O contrato assinado com a WWP representou menos de 0,01% do
faturamento da companhia”.
Apenas para efeito de estimativa
aproximada, tomando o ano de 2014, último a constar no site da Braskem
com resultados financeiros ali publicados, a receita bruta no ano foi de
54,1 bilhões de reais e a receita líquida de 47,3 bilhões de reais.
Outras questões foram enviadas para PHC. Como a razão por
só constar na WWP em 2004, após o governo do pai. E se confirmava a
existência e participação da WWP no Panamá. Em caso de comprovação, a
razão da empresa e se estava registrada na Receita Federal.
Através do iFHC, Paulo Henrique Cardoso
limitou-se a dizer que “não faz parte mais da WWP e que a Ibiuna já foi
encerrada. São negócios privados, todos devidamente declarados à Receita
Federal”, ignorando o questionamento sobre a offshore do Panamá.
A reportagem perguntou também sobre
Gregorio Centurión, se PHC conhecia as denúncias de corrupção do sócio.
PHC ignorou as indagações sobre corrupção do ex-sócio. “Trata-se de
empresa privada, com atuação regular e com todas as informações
registradas na Junta Comercial de São Paulo.”
Indagado pela reportagem sobre a
existência da Ibiuna, empresa no exterior em sociedade com o filho PHC, o
ex-presidente FHC afirmou, através da assessoria de imprensa do
Instituto FHC que “a empresa citada foi efetivamente aberta em Londres,
para recebimento de proventos de palestras. Sempre foi devidamente
declarada no Imposto de Renda. Foi encerrada em 2013. O saldo
equivalente a 5,5 mil reais foi repatriado ao Brasil via Banco
Central.”
Diante da resposta
sobre o motivo da abertura da empresa, a reportagem pediu se era
possível saber a data, contratantes e valores das palestras entre 2009 e
2013. A assessoria respondeu que “O iFHC é uma Fundação: está
submetido à Curadoria de Fundações do Ministério Público de São Paulo,
que audita as suas contas. A praxe sobre as palestras que o presidente
faz, privadamente, é a de que quem as contrata divulga ou não os
dados”.
A reportagem perguntou para PHC a razão
para constar da sociedade com o pai na Ibiuna LLP, inscrita na
Inglaterra, já que a empresa foi aberta para “recebimento de proventos
de palestras” de FHC, sem resposta.
A Receita Federal não responde sobre
casos específicos de registros de empresa. De acordo com a Receita
Federal, “todas as pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil, inclusive
as equiparadas pela legislação do Imposto sobre a Renda, estão obrigadas
a inscrever no CNPJ cada um de seus estabelecimentos localizados no
Brasil ou no exterior, antes do início de suas atividades”.
Segundo o órgão, “em relação à Pessoa
Jurídica que possui filial, sucursal, controlada ou coligada no
exterior, a informação sobre as participações e os resultados apurados
por essas participações no exterior são informados à Receita Federal por
meio da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica
(DIPJ). A sanção pelo não cumprimento da obrigação relacionada à DIPJ é
prevista legalmente”.
*Reportagem publicada originalmente na edição 895 de CartaCapital, com o título "Negócios de família"
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