23/03/2017
'História da mídia brasileira é uma história de concentração sem limites'
No Brasil, a imprensa é um partido único, com uma história de concentração sem limites. Um partido e uma empresa que disputa poder político e junta capital
Clique abaixo e ouça a íntegra da palestra:
Como se dá a concentração da mídia no Brasil e como enfrentá-la? Essa foi a questão central debatida pelo jornalista e sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho, na última quinta-feira (16 de março), durante sua participação nas Jornadas de 2017 da Carta Maior.
Desenvolvendo os pontos levantados em seu artigo “A concentração da mídia intrínseca ao capitalismo e as formas de enfrentá-la”, Lalo Leal esmiuçou o monopólio das empresas de comunicação no país, alertando sobre a urgência de uma lei de meios e de uma comunicação efetivamente pública para combatê-lo.
Membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), durante os governos Lula e Dilma, e com sólida trajetória profissional em rádio e várias emissoras de TV, Lalo Leal salientou que, “antes e acima de tudo”, as empresas de comunicação precisam ser encaradas como um empreendimento capitalista.
Apontando que “a concentração no setor se dá justamente por isso”, ele explicou como os meios de comunicação são estruturais para a reprodução do modo de produção capitalista, transformando-se em um “poder em si”. No Brasil, aliás, essas empresas “passaram a funcionar como um partido político”.
Uma commodity especial
Autor de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão (Summus, 2006)” e “Vozes de Londres – Memórias brasileiras da BBC (Edusp, 2008)”, Lalo Leal iniciou sua palestra trazendo um panorama histórico dos embates em torno da concentração da informação no mundo, desde as primeiras agências de notícias; passando pela tentativa de democratização da comunicação nas organizações multilaterais, em especial pela Unesco; até ela se transformar em mais uma commodity no escopo da Organização Mundial do Comércio (OMC).
“Uma commodity de caráter especialíssimo”, destacou, ao explicar que “se de um lado, a comunicação é uma mercadoria qualquer, em termos de consumo e organização, ela uma mercadoria especial”. Além de ser consumida, a comunicação “não se esgota no consumo, mas perdura nos corações e mentes das pessoas pela vida toda”. Ao mesmo tempo, ela “articula em seu interior economia e política, negócios e poder”.
Além disso, destacou, a comunicação é estrutural para o processo de reprodução do modo de produção capitalista. “Se retirarmos a publicidade que essa mídia transmite através dos seus vários veículos, o modo de produção fica abalado. E mais: ela é fundamental para a reprodução acelerada desse modo de produção capitalista”, enfatizou.
Daí as consequências nefastas do monopólio no setor. “A comunicação passa de mediadora à ordenadora social, realizando a ordenação dos grupos, das idéias, dos valores das sociedades”. Gradativamente, explica, ela “deixa de ser um poder de acompanhamento e de crítica dos outros poderes para ser um poder em si, muitas vezes superior e com mais poder do que os próprios poderes institucionais”.
O resultado? “Além de operarem como empresas comerciais, elas combinam essa operação comercial com a operação política e acabam funcionando como partidos políticos. Partidos políticos sustentados por uma base comercial”. O caso brasileiro é notório.
“No Brasil, ela é um partido único, com uma história de concentração sem limites. Um partido e uma empresa que disputa poder político e junta capital ao mesmo tempo. A história da mídia brasileira é uma história de concentração sem limites”.
Brigar com meios de comunicação é suicídio político
Para enfrentar esta concentração, Lalo Leal aponta dois caminhos: a lei de meios e a comunicação pública.
Exemplificando o quanto o país está atrasado em relação à Lei de Meios presente em várias democracias no mundo, Lalo Leal explicou que a legislação destes países trabalha prioritariamente com os meios eletrônicos de comunicação “que são concessões públicas outorgadas pelo Estado em nosso nome, em nome da sociedade, pelos estados sociais”.
As empresas de comunicação, explicou, usam “um espectro que é público, limitado e finito, das ondas eletromagnéticas, portanto, elas têm que ter algum tipo de regulação ou seria um caos. Se todos colocarem sinais neste espectro ninguém mais ouve ninguém. A ordenação é feita pelo Estado”. A Constituição de 1988, por exemplo, determina dez anos de concessão às rádios e quinze anos às concessionárias de TV no país.
“Teoricamente, ao final de cada um desses prazos, essas concessões deveriam passar por um processo de avaliação para a sociedade e o Estado saberem se o concessionário ofereceu o serviço que havia proposto ao receber a concessão”. Isso impede, inclusive, a censura prévia tão incensada pelo oligopólio midiático brasileiro sempre que se menciona a necessidade de uma regulamentação do setor.
“Não há nenhuma forma de censura prévia”, avaliou, ao apontar que em outros países, onde vigoram leis sobre o setor, “todas as possíveis medidas contrárias só são tomadas depois de executados os contratos”. Porém, no Brasil, não existe controle em relação a essas concessões. “Elas são renovadas de forma automática no Congresso Nacional”.
“Ai do deputado que levantar, na Comissão de Comunicação da Câmara, a possibilidade de contestar ou analisar se aquele concessionário cumpriu ou não as determinações legais. Brigar com os meios de comunicação é um suicídio político”, comentou ao citar os casos da deputada Luiza Erundina que sumiu do noticiário da TV Bandeirantes ao questionar uma concessão da emissora em Belo Horizonte e, também, a briga de Leonel Brizola com a Rede Globo.
Desmonte da EBC
Lalo Leal destacou, também, a importância do fim da propriedade cruzada - quando uma única empresa controla veículos dos mais variados tipos, estabelecendo monopólios em regiões do país – “para garantir a liberdade de vozes permitindo que outros usem o espectro eletromagnético”.
No Congresso brasileiro, contou, existem pelo menos dez projetos que dizem respeito à regulação da mídia, mas “nenhum deles, até agora, conseguiu atravessar a rua entre o Planalto e o Congresso”. Nossa Constituição, inclusive, estabelece em seu capítulo sobre a comunicação social, a existência de um “órgão regulador e proíbe os oligopólios e monopólios, fundamentando a regionalização e a abertura de um mercado em todo o país”, mas essa regionalização jamais foi aplicada.
Outra garantia constitucional - “a complementariedade entre comunicação pública, privada e estatal” - foi posta em prática, apenas em 2007, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), “um passo no enfrentamento contra o monopólio, garantindo a oferta de alternativas de comunicação no país”.
Relatando sobre a experiência da EBC, Lalo Leal destacou que uma comunicação efetivamente pública só acontece com a garantia de dois aspectos: a universalidade geográfica, para que ela exista em todo o território nacional; e a ética da abrangência, para que seja capaz de atender os mais diversos interesses latentes na sociedade. Isso, porém, demanda “vontade política”.
Dimensionando o tamanho do retrocesso do golpe e a atuação das empresas de comunicação neste processo, Lalo Leio lamentou o desmonte da EBC, apontando que o golpe anunciara a morte da emissora: “um Estado que não está preocupado com a saúde, nem com a educação, vai se preocupar com a comunicação pública?”
“Uma televisão efetivamente pública só se estabelece em um estado de bem-estar social. No estado mínimo não há espaço para a comunicação pública”, complementou.
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