07/05/2018
Prisão a partir da 2a. instância e a mentira de que só ricos conseguem recorrer. Por André Castro e Carolina Haber
Do Diário do Centro do Mundo - 07 de maio de 2018 Por Joaquim de Carvalho
Por André Castro e Carolina Haber
Rafael Braga foi preso por decisão da segunda instância, o STJ o mandou para casa
Nos debates recentes sobre a execução da prisão somente após esgotados os recursos, com frequência foi dito que a tese beneficiaria apenas os acusados ricos, pois “para recorrer é preciso bons advogados e esses serviços custam caro”.
Esse argumento ignora que, diante da impossibilidade de contratação de um advogado, o réu terá direito à nomeação de um defensor público. Se não ignora, ao menos assume que um defensor público não faria o trabalho que “advogados caros” podem fazer pelo seu cliente, que é o de recorrer sempre que vislumbre a ocorrência de alguma ofensa aos seus direitos ou à lei pelas instâncias judiciais inferiores. Os fatos, contudo, não comprovam esse pensamento.
Em levantamento feito no Supremo Tribunal Federal, foi constatado que a Defensoria Pública teve sucesso, naquela corte, em um número praticamente cinco vezes maior de Habeas Corpus que a advocacia privada de elite.
Outro estudo, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça, chega a idêntica conclusão: os recursos apresentados pela Defensoria Pública têm um percentual de êxito muito superior aos da advocacia privada. De acordo com essa pesquisa, os recursos da Defensoria Pública correspondem a 40% de todos os recursos no STJ, com um percentual relevante êxito na modificação das decisões de segunda instância.
Dos 27.779 recursos da Defensoria, em 12,28% houve diminuição da pena e em 8,44% a alteração do regime prisional. Se considerarmos os casos de absolvição, substituição da pena restritiva de liberdade por restritiva de direitos e prescrição, ou seja, situações em que a pena de prisão é afastada de forma direta, esse percentual é de 4,16%, o que corresponde a 1.155 pessoas que teriam sido presas injustamente até a decisão do STJ.
Não há, portanto, fundamento estatístico para o argumento de que apenas “advogados caros” conseguem recorrer, quanto menos que somente eles obtêm êxito em seus recursos.
E por que, então, a esmagadora maioria da população carcerária é composta de jovens negros, pobres e de baixa escolaridade? A resposta é uma verdadeira tautologia: por que sistema de justiça criminal, deliberadamente, elegeu os jovens negros, pobres e de baixa escolaridade com sua clientela preferencial. Ou seja, é justamente o perfil dos assistidos da Defensoria Pública que faz a diferença nos tribunais e em todas as instâncias judiciais.
Uma pesquisa feita recentemente pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro mostrou que é prática corriqueira a acusação de réus por dois crimes, tráfico de drogas e associação ao tráfico, apenas porque foram abordados pelos policiais em comunidades dominadas por organizações criminosas, sob a suposição de não que poderiam estar traficando sozinhos nesses locais, ainda que não haja nenhuma prova da associação e mesmo quando a quantidade de droga apreendida é muito pequena.
A pesquisa revela que essas pessoas estão sendo condenadas em razão do local onde moram, e tratamento semelhante não é dado aos acusados que são abordados em bairros mais prósperos, ainda que portando quantidade de droga muito superior.
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O êxito da Defensoria nas cortes superiores mostra, portanto, que a falta de acesso à Justiça não vem da ausência de qualidade técnica dos defensores públicos, mas sim de uma situação de discriminação estrutural do sistema de Justiça, que pune com mais rigor pretos, pobres e moradores de favelas.
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André Castro é defensor público geral do Rio de Janeiro.
Carolina Haber é doutora em Direito pela USP e diretora de pesquisa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro
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