terça-feira, 3 de maio de 2011

Contraponto 5291 - "Afinal, quem morreu no Paquistão?"

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03/05/2011
Afinal, quem morreu no Paquistão?

Da Carta Maior - 03/05/2011

Bin Laden podia ser o alvo número 1 das caçadas norte-americanas, mas era um homem isolado, dependente, cuja influência sobre a própria “organização” de que seria o número 1 e fora dela declinara há muito tempo. Era um símbolo sim, mas um símbolo vazio.

Flávio Aguiar*

Não, não estou me incluindo entre os que duvidam da identidade do morto na “Operação Gerônimo”, na mansão de Abbottabad, no Paquistão. Penso mesmo que foi Osama bin Laden sim, além de alguns próximos: pelo menos um filho e uma mulher cujas identidades ainda não estão definidas, além de um de seus “pombos-correio”.


Mas a questão permanece: afinal, quem era Osama bin Laden?

Uma coisa é certa: ele podia ser o alvo número 1 das caçadas norte-americanas, mas era um homem isolado, dependente, cuja influência sobre a própria “organização” de que seria o número 1 e fora dela declinara há muito tempo. Era um símbolo sim, mas um símbolo vazio.

A Al-Qaeda está mais para um franquia do que para uma organização política definida. O islamismo de que se alimenta é uma versão inteiramente própria e cada vez mais desarticulada da lição do Islã. Neste plano é algo parecido com a atual Igreja Católica Apostólica Romana, que guarda uma vaga semelhança com o cristianismo evangélico que reivindica como sua origem. Ou por outra, seu modelo organizativo se parece mais com uma grande empresa capitalista de atuação global, cujas células desfrutam de grande autonomia, do que com algum partido de esquerda dos velhos tempos.

Osama bin Laden foi encorajado, estimulado, financeira e politicamente, direta ou indiretamente, pela CIA (embora os Estados Unidos o neguem veemente) durante a campanha contra o Exército Vermelho no Afeganistão: existem indícios suficientemente consistentes sobre isso (procurar, na internet, CIA-Osama-bin-Laden-Controversy, ou Operation Cyclone). Ao se voltar contra seus antigos “padrinhos”, copiou-lhes o seu modelo societário preferencial: o das holdings empresariais. Não importa muito, no fundo, se essa “cópia” se deu consciente ou inconscientemente; o que importa é que ela revelou-se tremendamente eficaz.

Mas ao mesmo tempo, propiciou o isolamento de seu fundador e líder: se ele assim viveu, e por isso viveu tanto tempo, por isso também acabou descoberto e morto por seus arqui-perseguidores.

Só a quem não leu “A Carta Roubada” – conto de Edgar Allan Poe – se surpreende porque Osama bin Laden estivesse escondido onde estava. O conto de Poe – um dos que escreveu tendo como protagonista o detetive Dupin – trata de uma carta roubada que foi escondida nas dependências de um hotel, ocupadas por um certo ministro francês. A polícia realiza uma busca minuciosa no hotel enquanto o ministro está ausente, mas nada encontra. É Dupin quem recupera a carta, porque ela estava disfarçada sim, mas guardada em lugar bem evidente e à vista de todos, para não despertar suspeitas.

Assim foi com Osama bin Laden. Além das denúncias e confissões sobre seus pombos-correio – obtidas sabe-se lá como na prisão de Guantánamo (que Obama prometeu fechar, mas não o fez) e depois com informações complementares, ele foi descoberto não por sua presença ostensiva, mas pelos detalhes que procuravam ocultá-lo mais ainda: as ausências, numa mansão tão vistosa, de internet e telefone, e a queima interna do lixo, ao invés de sua diposição na rua para recolhimento.

Numa aldeia remota, numa caverna qualquer, Osama bin Laden seria muito mais facilmente reparado do que escondido numa rica mansão de uma estação turística nas montanhas do Paquistão, debaixo do nariz de todo mundo.

Foi inteligente, mas não o suficiente.

O resto, parece, não vai ser o silêncio, mas a história da reeleição de Barack Obama.


*Flávio Aguiar
é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
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