Dilma, Nixon e as nomeações para ministros do Supremo
Experiência ensina que, antes de discutir nomes, presidente deve definir critérios para a 11a. vaga do STF
A
aposentadoria antecipada de Joaquim Barbosa abriu para a presidenta
Dilma Rousseff a oportunidade de fazer a quinta indicação para o
plenário do Supremo Tribunal Federal. Como já é radição, uma coleção de
nomes de possíveis candidatos começa a circular pelos jornais e pela
TV. É uma cena familiar, já que em dois mandatos, Lula fez oito
indicações, dos quais três permanecem em seus postos.
A experiência mostra que um bom candidato para o STF é aquele que reune cultura jurídica e compromisso político para exercer atribuições no plenário de um dos poderes soberanos da República. Ninguém vai ao Supremo a passeio nem para fazer média. Deve ter uma concepção de Direito, e também uma visão do papel da Justiça e de seu lugar num regime democrático, baseado no respeito a soberania popular.
No Supremo, cada ministro é uma soberania solitária, que deve conhecer seu lugar e seu papel. Não pode conhecer menos Direito do que seus assistentes. Não pode imaginar que só ali começará a escrever sua biografia, como lembra o ex-ministro Nelson Jobim.
Juizes fracos, do ponto de vista jurídico-político, são candidatos a maria-vai-com-as-outras. São arrastados, podem ser pressionados.
Fazem campanha pelo posto com aqueles métodos típicos de quem precisa agradar amigos do Palácio mas mudam de personalidade a cada mudança na brisa que sopra pela Praça dos Três Poderes.
Calculam seus votos pela necessidade de adquirir respeito dos colegas e evitar pancadas da mídia. Evitam assumir responsabilidades e criar conflitos — mesmo necessários — para evitar que sejam questionados, também.
A Justiça não é — obviamente — um decalque sem filtro das concepções políticas de quem ocupa a Presidência da República nem pode ser vista como uma troca de favores.
Mas é preciso considerar que ou o Poder Judiciário é parte do regime democrático, responsabilizando-se pela interpretação das leis elaboradas pelo Congresso e previstas na Constituição; ou irá se expressar como um poder paralelo, utilizando de suas prerrogativas para avançar — pela judicialização — interesses que não tem expressão nas urnas.
Até pela distância, o caso da Suprema Corte dos Estados Unidos talvez ajude a pensar de forma mais clara, com menos constrangimento.
Boa parte da influência atual das ideias republicanas na vida cotidiana do cidadão norte-americano tem a mais a ver com os rituais políticos que regem a Suprema Corte do que com o desempenho de cada partido junto ao eleitorado.
Nos últimos 20 anos, ocorreram cinco eleições presidenciais nos EUA. Os democratas venceram três vezes. Os republicanos, duas. No plenário do Supremo, contudo, os republicanos tem uma maioria fechada, de 5 a 4, que vota com fidelidade política em mais de 90% dos casos.
Há outra distorção, também. O comando do Supremo não é feito pelo sistema de rodízio, de dois em dois anos, como no Brasil. A Suprema Corte é dirigida pelo Chefe de Justiça, um posto vitalício de muita musculatura política. É o Chefe da Justiça — com maiúsculas.
Em função de várias janelas demográficas, desde 1953, quando teve início o governo de Dwight Einsenhower, os democratas não conseguem indicar um único Chefe de Justiça. O mais recente, John Roberts, 59 anos, foi indicado por George W. Bush.
Participei da cobertura da eleição de George W Bush, em 2000, e da eleição do democrata Barack Obama, em 2008. Nas duas campanhas, o debate sobre o rumo da Justiça fazia parte dos argumentos dos eleitores a favor de um candidato ou de outro. Até nas conversas de rua o eleitor era levado a lembrar que sua escolha teria grande papel na pauta do Judiciário, podendo influenciar decisões para um lado ou para outro, não apenas em matérias políticas, mas em assuntos que envolvem o cidadão comum.
As ligações entre Justiça e Política são transparentes e não envergonham ninguém. Dispensa-se a hipocrisia, que no Brasil leva o PSDB a falar em aparelhismo adversário enquanto esconde a atuação de Gilmar Mendes, indicado por Fernando Henrique Cardoso, notável pelo anti-petismo em todas as frentes.
Cabe ao presidente dos Estados Unidos — isso também acontece no Brasil — a tarefa de nomear juízes federais e das demais cortes superiores. São dezenas e até centenas de indicações, que irão produzir milhões de sentenças pelo país inteiro nos anos seguintes.
A decisão que legalizou o aborto, nos Estados Unidos, não passou por um plebiscito popular, nem por uma votação no Congresso. Foi resolvida na Suprema Corte. Da mesma forma, são decisões no plano estadual que, nos últimos anos, têm permitido que, mesmo legalizado, o direito ao aborto seja questionado em vários pontos do país, embora as pesquisas de opinião demonstrem um índice cada vez maior de apoio a decisão de 1973.
A posse de George W Bush, em 2001, foi resolvida pela Suprema Corte. Também é a maioria de juizes republicanos que explica a permanência das regras de financiamento de campanha que favorecem a presença do poder econômico privado na política dos Estados Unidos.
Afastado da Casa Branca pela ameaça de impeachment em função das denúncias do caso Watergate, Richard Nixon enfrentou, no corredor da morte de seu segundo mandato, a figura do Chefe de Justiça Warren Burger, que ele próprio havia nomeado para o cargo em 1969. Burger foi empossado com a perspectiva de passar uma borracha nos avanços democráticos dos anos anteriores, mas logo se viu que não tinha calibre para enfrentar os debates internos. Até a legalização do aborto, que Nixon via com reservas, foi aprovada naquele período.
A Suprema Corte teve um papel decisivo na saída de Nixon na etapa final, quando tornou-se possível mostrar que ele tinha total conhecimento do caso, a partir de conversas gravadas pelo serviço de segurança da Casa Branca. Para proteger-se, Nixon recusou-se a entregar as fitas. O caso foi parar no Supremo, onde era razoável imaginar que o presidente teria apoio de Warren Burger, que costumava menosprezar as denúncias contra o presidente. Ao constatar, no entanto, que estava em minoria de 1 voto contra 8, Burger mudou de posição. Nixon acabou vencido por unanimidade e renunciou a Casa Branca para não entregar as fitas que o condenavam.
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