quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Contraponto 15.650 - "Uma defesa da política econômica de Dilma"

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18/12/2014 

 

Uma defesa da política econômica de Dilma

 


 
Dilma conduziu a política econômica com grande habilidade até agora. É de conhecimento geral que os resultados sociais melhoram significativamente em termos de emprego, salários, inclusão social e oferta de serviços públicos, como educação e saúde. Se fizermos uma comparação internacional, concluiremos que os resultados econômicos e sociais do Brasil justificam uma medalha de ouro, especialmente se considerarmos os obstáculos políticos e econômicos que foram enfrentados. A capitã de nossa nau fez uma travessia exitosa em meio a tormentas.

Essas não são informações novas. O debate eleitoral deixou isso claro. O que consideramos novo é a nossa tese de que a baixa taxa de crescimento média durante o mandato não mancha o fato de que a estratégia geral da política econômica foi sábia e estava no caminho correto.

O Tripé

Para chegarmos a essa conclusão herege, precisamos compreender que o condicionante principal da política econômica, o Tripé, é uma camisa de força que só pode levar a 3 resultados: crescimento muito baixo, apreciação cambial, que causa desindustrialização, ou o estouro das  próprias metas. Nenhum outro resultado é possível.

Podemos dividir o Tripé em quatro fases, FHC, Lula 1, Lula 2 e Dilma. Na fase FHC, tivemos crescimento baixo, estouro da meta de inflação e estouro da meta de superávit primário. No período Lula 1, tivemos forte apreciação cambial, que levou à desindustrialização no mandato seguinte. O câmbio começou seu 1º mandato em um patamar muito competitivo, mas terminou valorizado. No período Lula 2, houve apreciação cambial com desindustrialização acelerada, que continuou no início do período Dilma em razão do efeito retardado do câmbio sobre a indústria. No mandato de Dilma, tivemos crescimento baixo e estouro da meta de superávit primário.



Obviamente é um modelo que tem péssimos resultados para exibir. Os resultados sistematicamente ruins do Tripé decorrem do fato de que ele não foi concebido para ser uma doutrina permanente de gestão da política econômica.

O Tripé é uma jabuticaba. Só existe no Brasil. E ele não foi criado de forma como um arcabouço único como exibem hoje. Foi resultado de diferentes soluções conjunturais para resolver problemas de curto prazo que restringiam o governo em 1999, no início 2º mandato do FHC.

O câmbio flutuante não foi uma escolha, mas uma derrota que o mercado impôs sobre a teimosia do Gustavo Franco, Presidente do Banco Central no 1º mandato de FHC. Essa insistência quebrou o Brasil e lhe obrigou a se submeter ao FMI em busca de empréstimos para sobreviver.
O FMI exigiu que o Brasil deixasse o câmbio flutuar. E de fato não havia alternativa a isso. Na impossibilidade de manter o câmbio fixo, como desejava, o governo FHC desistiu de sua antiga política cambial.

O FMI também exigiu que o governo adotasse uma meta de superávit primário. Ele preferia uma meta de superávit nominal, que inclui os gastos com juros. Porém, os juros extremamente elevados e suas oscilações na época tornavam o superávit nominal incontrolável a partir de políticas fiscais. A única forma de o governo ter controle sobre o superávit nominal seria reduzindo as despesas com juros para patamares próximos ao de outros países. Isso desagradaria o setor financeiro. A solução foi uma meta de superávit primário, mantendo assim a política de juros altos intocada.

A meta de superávit primário passou assim a funcionar como um mecanismo de estabilização da dívida líquida, que seria útil em um contexto de juros muito altos e crescimento muito baixo. Foi uma forma de dar legitimidade e sustentabilidade aos juros muito altos e ao baixo crescimento.

A meta de inflação teve como função impor uma regra rígida e clara de conduta para a política monetária. Com isso o governo limitaria as expectativas de desvalorização cambial, pois os especuladores poderiam calcular a partir das estimativas de inflação, quando o governo iria aumentar os juros. Em tese, como o aumento dos juros prejudica os especuladores, esses parariam coordenadamente de especular antes que fosse necessário que o governo aumentasse os juros para inibi-los. Assim as meta de inflação foi útil para reduzir os custos da política de controle da taxa de câmbio, custo esse que é medido pela necessidade de aumentar a taxa de juros. Foi útil em 1999, quando as expectativas de desvalorização cambial eram muito elevadas.

O problema do Tripé é que ele a torna a política econômica pró-cíclica e, portanto, limita a capacidade do governo retirar a economia da recessão ou estagnação. O Tripé impede o governo de fazer política econômica de forma independente dos humores e da “confiança” do mercado financeiro nacional e internacional. Através dele, a política fiscal é constrangida pela meta de superávit primário. A política monetária é completamente atrelada à corrida atrás da meta de inflação. E essas metas são definidas, até por pressão do setor financeiro, de forma a que o governo tenha pouca margem de manobra.

Somente anos depois de criado, o Tripé foi promovido como “Deus ex-machina”, a solução sagrada para todos os problemas. Isso aconteceu principalmente depois da eleição do Lula. Essa sacralização do Tripé pela imprensa brasileira acabou tornando a política econômica do governo Lula e Dilma muito limitada e manteve o governo com baixa capacidade de tirar a economia da recessão. Tripé faz com que o crescimento econômico dependa do “humor” e “confiança” do mercado e não das políticas governamentais de estímulo à demanda. O governo fica assim dependente dos “mercados”, que foram favoráveis em boa parte do governo Lula e desfavoráveis em boa parte do governo Dilma.

O Tripé impõe uma regra previsível e rígida de conduta ao governo, uma regra reativa ao mercado e, portanto, sob o controle indireto dos “humores” desse último. Quando o humor do setor financeiro nacional ou internacional piora, esse para de financiar os investimentos e a bolsa ou passa a comprar dólares. Com isso a economia para de crescer ou a inflação sobe e o governo é obrigado a aumentar os juros para conter o câmbio, ou cortar planos de investimentos públicos para fazer com que o crescimento dos gastos acompanhe o baixo crescimento da arrecadação. O Tripé é uma regra que torna o governo refém do “mercado” financeiro.

O Tripé de Lula

Por isso, em situações normais, o Tripé produz baixo crescimento ou o descumprimento das próprias metas. Foi assim com FHC e com Dilma. A grande diferença foi a forma como cada um deles reagiu à tendência estagnacionista do modelo.

Lula deu sorte de poder manter a taxa de câmbio em permanente valorização e, só por isso, pôde cumprir as metas de inflação e superávit sem ter um crescimento médio muito baixo. Felizmente, o Presidente Lula é um estadista que sabe utilizar a sorte. Sua sorte foi começar o governo com o dólar muito desvalorizado, e, quando não podia mais contar com isso, ser beneficiado pelo boom das commodities. As exportações e as reservas cambiais cresceram a taxas muito altas em todo seu governo. Por essa razão, a permanente valorização cambial não levou a um déficit no balanço de pagamentos e a um ataque especulativo sobre o câmbio. No gráfico abaixo, as barras verdes mostram o grande diferença entre o governo Lula e Dilma, a valorização cambial no primeiro, representada pelas barras para baixo e a desvalorização na segunda, representada pelas barras para cima.



Dilma: Tripé, desindustrialização e contenção de tarifas.

Dilma, não pôde contar nem com o câmbio competitivo e nem com commodities ou exportações crescentes. Para manter os salários e empregos em crescimento, teve elaborar um plano muito engenhoso, precisou trabalhar no limite das metas e utilizou como saída conter as tarifas de serviços públicos e reduzir os impostos da cesta básica e, portanto, seus preços.

A política de contenção de tarifas e preços foi correta e essencial para que a Dilma pudesse dar continuidade às conquistas do governo Lula. Mas não apenas isso. Essa política permitiu que fosse parcialmente corrigido o maior erro da era Lula, a valorização cambial e a desindustrialização, porque o efeito dessas políticas de redução da inflação abriu espaço para que o câmbio fosse desvalorizado sem que isso implicasse em rompimento da meta de inflação.

Isso foi uma grande realização conduzida eficazmente pelo Ministro Mantega com essencial colaboração do Presidente do Banco Central Tombini e do Secretário Nelson Barbosa, na primeira metade do governo.

Desvalorizar o câmbio ao mesmo tempo em que melhora salários, emprego e serviços públicos é difícil. Fazer isso ao mesmo tempo em que garante o cumprimento de uma meta de inflação rígida, é uma obra admirável. Dilma conseguiu com isso estancar o processo de desindustrialização, como se pode ver no gráfico abaixo, sem romper com os compromissos sociais, como muitos sugeriram.



É preciso entender que o aumento dos salários, a desvalorização cambial e elevada indexação na economia brasileira impossibilitam o país ter um nível de inflação tão baixo quanto o padrão dos países já desenvolvidos.

A nova política industrial

Ainda assim o governo conseguiu manter a inflação na meta. Para atingir essa proeza, foi não suficiente a contenção das tarifas. Outro fator importante foi a política de competitividade empreendida pelo Ministro Pimentel com a formulação do Presidente da ABDI, Mauro Borges. A política de competitividade ajudou a indústria a sobreviver sem que fosse necessária uma desvalorização ainda maior do câmbio, o que implicaria em uma taxa de inflação superior à meta.

Uma das políticas mais inovadoras e mal compreendidas do governo foi a desoneração da folha de pagamentos. Ela tem um efeito similar à desvalorização sobre a competitividade externa da indústria, mas sem impacto sobre a inflação. Porém, é muito raro um técnico ou intelectual defendê-la. Na Receita Federal muitos acham que isso gerou um aumento da complexidade tributária. Muitos economistas temem que ela prejudique o financiamento da previdência, apesar de sabermos que, no mundo inteiro, o déficit na previdência é sempre financiado parcialmente pelo Tesouro, e que essa é uma forma de financiamento socialmente mais justo do que a tributação sobre a folha de pagamento, porque a previdência acaba, assim, sendo financiada, na prática, por impostos sobre a renda, o patrimônio ou o consumo e, portanto, atinge relativamente menos os trabalhadores.

O MDIC com contribuição do BNDES e da Fazenda concebeu também o Reintegra, o Inovar-auto e diversas outras políticas dentro do guarda-chuva do Plano Brasil Maior, que tiveram um impacto importante sobre a competitividade da indústria brasileira. Não há dúvidas de que a Dilma empreendeu a política industrial mais ativa em um presidente eleito democraticamente desde JK.

Os resultados podem não ter sido considerados tão evidentes em razão do câmbio ainda valorizado, da crise internacional, da feroz guerra cambial e competitiva que está sendo travada no mundo e do acelerado desenvolvimento de novas tecnologias cujas cadeias produtivas o Brasil ainda não participa de forma tão ativa, apesar de o governo ter investido pesadamente em inovação e educação.

Esses fatores tornaram o soerguimento da indústria uma tarefa hercúlea neste primeiro mandado. Combinados com a camisa de força pró-cíclica do Tripé, tornaram muito difícil superar o baixo crescimento.

As políticas pró-competividade são importantes para combater a desindustrialização e o déficit no balanço de pagamento, porém tem baixo impacto em estimular a demanda, que estava em descenso desde 2011.

A crise internacional permanente, os juros ainda elevados – apesar da tentativa audaciosa de reduzi-los – e o esgotamento de vários ciclos, como da construção civil e do endividamento para consumo de bens duráveis, implicavam em demanda decrescente e tendendo à recessão.

O maior erro da política econômica da Dilma foi o exagero no corte de gastos e aumento dos juros nos 1º semestre do governo. Isso comprometeu todo o mandato, porque não pudemos contar com um cenário externo favorável. Uma vez colocado o crescimento no chão, o Tripé passa a ser uma camisa de força que obriga o governo a ter uma política econômica “pró-cíclica”, e, no caso, estagnacionista, a menos que adote instrumentos considerados “heterodoxos”.

A queda da demanda e a política tributária de estímulo à competitividade reduziram a taxa de crescimento da arrecadação. Porém, ao invés de cortar investimentos e gastos sociais como foi pedido pelo setor financeiro, Mantega e Arno Augustin optaram, sabiamente, por buscar receitas extraordinárias, adiantamentos de receitas e reduções efetivas na meta de superávit que não comprometessem a Lei de Responsabilidade Fiscal. Essas políticas foram indevidamente chamadas de “contabilidade criativa”.

Graças elas, pudemos continuar avançando nos programas sociais, nos investimentos e estimular a indústria para impedir a continuidade da desindustrialização. E sem grandes problemas, apesar da histeria dos financistas ao dizer que o governo tinha perdido a “credibilidade”. Ao contrário do que os jornais falaram, as chamadas “manobras contábeis” foram legítimas e seu impacto positivo. Essas políticas ajudaram a impedir uma recessão e a paralisação do governo para cumprir de forma rígida uma meta de superávit que não faz nenhum sentido em momentos de crise econômica internacional. Nenhum outro país soberano tem uma meta rígida de superávit primário e poucos tem superávit primário. Quando tem, isso quase sempre é resultado da melhoria da situação econômica.

Não há nenhuma razão econômica para achar que a meta deve ser cumprida todo ano de forma rígida, como se fosse prioritária a manter a economia não estagnada e os gastos sociais e investimentos em crescimento. A menos talvez que o Brasil tivesse um endividamento líquido extremamente alto.

Porém, nosso endividamento líquido é baixo e o endividamento bruto é estável e bem inferior à média das 10 maiores economias do mundo. Nada justifica colocar a meta de superávit primário como prioridade absoluta. Se a forma menos conflituosa de se fazer isso foi como fizeram Mantega e Arno Augustin, a atitude foi correta.

O papel do BNDES

Depois que percebeu que precisaria estimular a demanda, em 2012, o governo optou corretamente em não usar o estímulo ao consumo como locomotiva, em razão dos elevados déficits no comércio de manufaturas e em conta corrente. Dilma preferiu estimular a demanda principalmente através dos investimentos industriais e em infraestrutura.

O papel central nessa tarefa coube ao BNDES. Nos últimos anos o BNDES virou a Geni do Brasil. A direita e a parte da esquerda o elegeram como inimigo público nº 1. Nada mais distante da verdade.

A crise de 2008 pegou o Brasil em cheio. Como o Tripé impedia políticas fiscal e monetária anti-recessivas, como foram adotadas nos países desenvolvidos, só escapamos de uma crise econômica mais séria do que a Europa está enfrentando hoje, por causa do BNDES.

A resposta dos EUA, Europa, Japão, China e outros emergentes à crise de 2008 foi invariavelmente déficit público muito elevado e política monetária expansionista sem precedentes. O primeiro para manter a renda e o emprego em níveis socialmente aceitáveis, a segunda para impedir que toda a economia entrasse em falência financeira. No Brasil, essas duas saídas foram vetadas pelo Tripé.

Então, o BNDES cumpriu os dois papéis de política monetária e fiscal que não estavam à mão dos presidentes Lula e Dilma em razão do Tripé. Para isso, o BNDES foi obrigado a crescer muito. Em pouco tempo passou de R$ 40 bilhões de empréstimos anuais para quase 200 bilhões hoje.

Mais de 200 grandes empresas estavam próximas de quebrar em 2008 em razão de apostas especulativas com derivativos de câmbio. O investimento e exportações entraram em colapso. O BNDES foi a salvação em todas essas áreas. O Programa de Sustentação do Crescimento PSI-BNDES suportou a maior parte do investimento em máquinas e equipamentos do país desde então.

Mas o BNDES foi além. Ajudou a reorganizar as finanças de estados e municípios que ficaram abaladas com a crise, com as políticas de desoneração de IPI e com o contínuo aumento do salário mínimo.

Também financiou toda nova política de infraestrutura que a Dilma promoveu. Foi o maior investimento em infraestrutura feito por um presidente eleito democraticamente desde JK.

Nada disso seria possível sem o conhecimento, experiência, ousadia e capacidade de articulação do Presidente Luciano Coutinho. O BNDES é uma instituição muito complexa e criativa, que costuma tragar os presidentes que não conseguem decifrá-la. No passado, quando era um banco relativamente pequeno, já era assim. Hoje é pior. O tamanho que ele atingiu e o nível de dependência que a economia e o governo brasileiro têm dele fazem com que a tarefa de geri-lo deva ser conduzida com extremo cuidado e competência. São dezenas de programas e linhas de financiamento. Centenas de modalidades de financiamento e de objetivos estratégicos. Milhares de projetos de investimento em implantação. R$ 614 bilhões em estoque de crédito concedido.

Desde seu início, o BNDES foi gerido por intelectuais de alto nível acadêmico. No governo Lula teve o professor e ex-reitor Carlos Lessa, o mais criativo e original economista vivo do país, e agora o professor Luciano Coutinho. No governo JK foi gerido por Roberto Campos. Celso Furtado, Rômulo de Almeida, Antônio Barros de Castro e entre outros grandes intelectuais já foram seus diretores e presidentes.

É difícil encontrar um quadro político na ativa, hoje, tão bem preparado para a função que o Luciano exerce. É inconcebível abrir mão de um político, técnico e gestor como ele em um momento de crise tão agudo como vamos passar nos próximos quatro anos. E o Luciano não é apenas isso. O conhecimento e experiência acumulada por ele no BNDES é algo que terá um valor incomensurável nos próximos anos.

Os inimigos do BNDES

E o ataque da imprensa à instituição só torna a tarefa mais difícil. A oposição e os mercados financeiros querem ver um governo refém e com pouca autonomia na área econômica. Por isso o ataque feroz à instituição.

Por mais de 3 décadas, os economistas mantiveram a dívida líquida como referência de “saúde fiscal”. Agora, de repente, alguém inventou que não é mais a dívida líquida que importa para avaliação da “saúde fiscal” do governo. Agora, o que importaria é a dívida bruta.

Não houve nenhuma mudança na teoria econômica que justificasse essa mudança de critério. É possível que ela seja decorrente do objetivo encontrar algum indicador que pudesse justificar as críticas às operações do BNDES com o Tesouro. Ora, as operações do BNDES com o Tesouro, que viabilizaram o crescimento e estabilidade depois da crise de 2008, não afetam a dívida líquida, mas podem ter levado a um pequeno crescimento da dívida bruta.

Como as operações BNDES-Tesouro “burlam” a camisa de força do Tripé, pode ter sido conveniente “amarrar” o BNDES através da mudança do critério de avaliação de “saúde fiscal” da dívida líquida para a dívida bruta.

Se for designado alguém para o BNDES, que não compreenda bem o papel atual da instituição e seus desafios e não saiba dialogar de forma qualificada com a imprensa, mercados financeiros e Ministério da Fazenda, perderemos a última saída que pode permitir ao governo manter a estabilidade e o crescimento sem abandonar o Tripé.

Um BNDES gerido com competência, cuidado e ousadia é fundamental para a governabilidade hoje. Isso não implica que o Luciano seja o único brasileiro capaz de manter essa função. Há outros quadros com experiência e conhecimento necessários para a função.

Todavia, é recomendável não abrir mão da sua experiência. O BNDES hoje está muito bem encaminhado. Mas existem funções em importantes empresas públicas e ainda não preenchidas pela Presidenta que estão enfrentando desafios tão grandes, ou até maiores, quanto o que o BNDES enfrentou em 2008 com a crise financeira. A experiência dele como gestor de grande empresa pública durante 7 anos tumultuados é única.

Minas, São Paulo e a Unidade Nacional

O governo poderia se beneficiar ao dar um espaço maior para o PT de Minas. A bancada de Minas é hoje tão grande quanto a paulista. Minas está incrustada entre o Centro-Oeste e o Centro-Sul, que são majoritariamente contrários ao governo.

Minas poderá cumprir novamente o papel que, segundo o professor Carlos Lessa, lhe cabe desde o período colonial. Ser o “cimento”, o fator de união nacional, e, portanto, a “ponta de lança” das mudanças agregadoras. As diferenças geográficas, econômicas, culturais e políticas entre o Sul, representado por São Paulo e o Norte, representado pelo Nordeste sempre foram marcantes e muitas vezes caminharam em direções opostas. Essas partes diferenciadas da Nação são os motores das experimentações, das mudanças e, consequentemente, dos conflitos.

Porém, quando as diferenças de visão entre o Sul e o Norte são muito grandes, o país pode entrar em impasse político. Normalmente coube a Minas, apoiar uma saída que junte novamente os polos divergentes, pois compreendem ambos os lados. Minas tem um pouco de Nordeste e um pouco de São Paulo.

Nas últimas eleições, se acentuou muito a divergência de opinião entre o Centro-Sul e o Norte. Para que o país não tropece em um impasse político de consequências imprevisíveis, alguém precisa mostrar de forma muito convincente que esses dois brasis, o pobre e desejoso por progresso e o rico e desejoso por estabilidade e mérito podem ser complementares.

O governo Pimentel poderá cumprir essa função. Ele pode mostrar como o Brasil se unirá para superar a crise. O Brasil das políticas sociais, que acredita na solidariedade e no otimismo, unido com o Brasil da indústria, da tecnologia e da meritocracia. Ambos precisam ser respeitados e trocarem suas experiências de forma a reduzir suas diferenças. Minas pode ser o modelo, pelo seu papel agregador e por ser o maior estado em que o PT já assumiu.

O PT de Minas precisa de mais espaço na área econômica do governo federal, até para poder trocar melhor as iniciativas que serão experimentadas. Pimentel e Mauro Borges constituíram uma dupla eficiente. É razoável que a estrutura que ajudaram a construir, no federal, tenha alguma continuidade e troca de experiência com a futura gestão estadual. Além disso, o que Minas mais precisa hoje é de desenvolvimento econômico. Coincidentemente, o PT de Minas é pródigo em economistas desenvolvimentistas. Na área técnica da economia, juntam conhecimento, moderação e habilidade de negociação.

Mas dar maior espaço a Minas não significa tirar o espaço do PT de São Paulo. O perfil do PT de São Paulo é mais rico na área social e cultural, de educação, saúde e C&T. São Paulo é o grande centro irradiador de ideias e debates políticos relevantes. Os políticos do PT paulista estão na linha de frente dos movimentos sociais e entidades civis ligadas à educação, saúde, cultura e diversas outras causas civis e sociais. Colocá-los nas áreas sociais levará os movimentos sociais se sentirem reapresentados e compreendidos.

Boa sorte

A presidenta Dilma conduziu o Brasil de forma exímia por uma das conjunturas políticas e econômicas mais difíceis que um presidente teve que passar e conseguiu isso sem se abater pelas exigências inerentes de ter que dar continuidade ao presidente mais popular de nossa história.
Isso não significa que o governo não tenha cometido erros. A comunicação do governo, o relacionamento com o congresso e a gestão de crises, especialmente na área que envolve justiça e segurança ainda está sendo aperfeiçoada. A gestão energética e de petróleo também poderiam se beneficiar de maior criatividade e do rompimento de certos dogmas. A política industrial, apesar dos avanços, ainda não é tão agressiva quanto a dos nossos concorrentes.

Os próximos 4 anos serão muito mais difíceis. Os erros terão consequências mais graves. Nesse sentido, “queimar a largada”, como aconteceu no primeiro mandato, pode deixar o governo preso em uma “sinuca” por 4 anos em razão do Tripé e da radical campanha contra o BNDES e a Petrobrás.

Não queremos dizer com isso que a escolha da nova tríade na economia não vá funcionar. Toda escolha tem pontos fortes e fracos. A equipe é muito competente e deve ser apoiada com firmeza por todos os brasileiros para que atinja o máximo da potencialidade que pode ser obtida de seus pontos fortes. Gerenciar os pontos fracos será uma etapa posterior que dependerá de consequências que não são necessariamente previsíveis. Não é o momento de focar neles.

Desejamos ótima sorte à Presidenta! Estamos em uma encruzilhada de nosso destino como Nação. Poucas vezes um presidente terá uma responsabilidade tão grande quanto ela terá no próximo mandato. Os inimigos do nosso progresso pensam que o governo está suficientemente vulnerável para ser inviabilizado ou se tornar refém. Por isso serão capazes das apostas muito mais arriscadas.


Gustavo Antonio Galvão dos Santos é Doutor em economia pela UFRJ e analista do BNDES;
Laurez Cerqueira é escritor, autor, entre outros trabalhos de Florestan Fernandes Vida e Obra e o Outro Lado do Real;
Luis Carlos Garcia de Magalhães é Doutor em economia pela Unicamp e técnico do IPEA. 

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