09/03/2017
A caminho do juízo final ou da pizza conservadora?
Do Tijolaço · 09/03/2017
Fernando Brito
Dois dos raros comentaristas lúcidos do jornalismo político brasileiro – Janio de Freitas , na Folha, e José Roberto de Toledo, no Estadão, tratam do mesmo e decisivo tema: a decisão do TSE de não excluir as doações legais de empresas como possível fonte de corrupção política, o que é, como observou o primeiro, ao mesmo tempo justo e injusto.
É a sacramentação do método “Lava Jato”: todos são suspeitos até que provem (ou até provando) o contrário e a convicção dispensa a formalidade da prova como elemento de formação de culpa.
Curiosamente, os donos do dinheiro e corruptores de sempre são os maiores beneficiários desta “novo direito”: empresa ou empresário apanhado em negócios suspeitos – e qual não é, na dança de bilhões – têm agora uma saída fácil: são vítimas dos políticos, que os extorquem, mesmo que tenha recebido a doação de forma legal e documentada.
Como políticos extorsionistas não faltam e ladravazes exemplares abundam nos círculos da política e do poder, legitima-se com escândalos em todas as pontas da rosa dos ventos aquilo que é perseguição política, projeto conservador e autoritário tocado por parte do Judiciário – e com vasto apoio corporativo.
Igualam-se os diamantes de Cabral a pedalinhos, porque tudo servia a um projeto de tomada de poder não-eleitoral.
O projeto original de “estancar a sangria” depois de sangrado o Governo Dilma e Lula, pelas excelências comandadas por Eduardo Cunha e pelas excelências comandadas por Sérgio Moro – e assumir o poder pela via do golpe, foi uma abertura da Caixa de Pandora, cujos fantasmas passaram a girar, ameaçadores, em torno deles próprios.
E fez brotar o “salvador da pátria”,o homem da negação da política e da pregação do ódio e da brutalidade, que se serve da fraqueza em que se viram pelo avanço da casta judicial, como o apetite de – dizem assim os gaúchos – “cachorro que comeu ovelha” e sua indiferença pelo mal em que se mergulhou o país.
As coletividades humanas, como as manadas, têm seu instinto de sobrevivência, não caminha assim para o precipício.
É por isso que temem 2018 e farão de tudo para que não se abra uma vereda para sairmos do caminho da loucura e da morte a que nos levaram.
Abaixo, os textos de Toledo e Janio:
Os salvadores da política
José Roberto de Toledo, no Estadão
O PSDB – Aécio Neves e Fernando Henrique à frente – está em campanha para “salvar a política”. O senador usou a expressão em jantar com colegas de outros partidos (do PSB ao PSOL) no clube da categoria, o restaurante Piantella de Brasília, segundo relato da repórter Marina Dias. Já o ex-presidente foi menos genérico: saiu em defesa não só da política, mas de políticos, um em especial. Segundo FHC, Aécio é vítima de “notícias alternativas” e de “mau serviço” prestado pela imprensa.
Não é mimimi, como gostam de dizer. É parte de estratégia mais ou menos organizada para tentar separar políticos já liquidados pela Lava Jato dos que buscam salvação. Seu instrumento é diferenciar a caixa de campanha do mesmo dinheiro odebrechtiano que outros usam para comprar diamantes. Seria “apressado e equivocado” concluir que, por conta dessas ideias, os criadores do real dão valores diferentes a notas iguais de sua moeda.
Salvação similar foi tentada, não faz muito tempo, por petistas que estão vivendo em Curitiba ou se mudaram para o setor de prisões sul, em Brasília, e já não frequentam o Piantella.
A tese salvadora da política versão tucana sofreu derrota na terça-feira. Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que dinheiro de caixa 1 pode ser tão ilegal quanto do caixa 2. A maioria dos ministros transformou o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) em réu no processo em que é acusado de receber propina de R$ 500 mil da construtora Queiroz Galvão disfarçada em doação oficial de campanha em 2010. A maioria também considerou que, além de corrupção passiva, pode ter havido lavagem de dinheiro.
Não se trata de derrota definitiva porque Raupp não foi julgado nem a decisão envolveu todos os ministros do Supremo. Mas o entendimento preliminar de parte dos magistrados contraria a narrativa de que há dinheiro limpo e dinheiro sujo: há dinheiro. Muito.
E sempre. Dia antes em outra corte, delator da Odebrecht disse ao Tribunal Superior Eleitoral que a empreiteira pagou US$ 3,4 bilhões de propina em apenas nove anos. Hilberto Mascarenhas apresentou um revelador fluxograma dos dólares que passaram pelo propinoduto nesse tempo. Curiosamente, o valor desembolsado com corrupção em 2007, 2009, 2011 e 2013 foi 13% maior do que o gasto em 2006, 2008, 2010, 2012 e 2014 – na média anual. Como diz outro líder tucano, eleição no Brasil é em ano par.
O fato de a empreiteira gastar mais com políticos e autoridades em anos não eleitorais conta história um pouco diferente da versão salvadora. Sinaliza que o financiamento das eleições não é a causa de toda a corrupção que aflige a política no Brasil. Sabe-se disso desde a ditadura – quando não havia eleições e sim censura, que vetava notícias sobre corruptos. Foi também uma época de triunfo para muitas das empreiteiras da era petista.
Apesar de divergirem sobre a distribuição de poder, cargos e verbas dentro do governo Temer, PMDB e PSDB convergem sobre a necessidade de salvar a política. Em reunião na terça à noite, senadores peemedebistas reagiram com indignação à decisão do Supremo que tachou de propina as doações oficiais de empreiteiros ao colega de bancada Valdir Raupp. “Isso é uma loucura, estão criminalizando a política como um todo”, disse Jader Barbalho, segundo relato do repórter Fernando Rodrigues.
Em sua campanha, os salvadores da política se juntam para combater os salvadores da pátria. Acenam com o risco de a desgraça dos políticos e de a criminalização da política consagrar um outsider. Por tratar da própria sobrevivência da espécie, é um argumento que une partidos governistas e de oposição. Até uns e outros encontrarem seus próprios salvadores.
A conclusão de que doações
legais são suspeitas causou abalo
Janio de Freitas, na Folha
Preparem-se. As perspectivas que se esboçam, agora mais fortalecidas, são de anos e anos de um Brasil perturbado por processos e julgamentos, revelações, polêmicas jurídicas, satisfação e decepções, decorrentes do ataque à corrupção.
A conclusão, firmada no Supremo, de que doações legais de campanha também são suspeitas de ilegalidade por corrupção, causou nos parlamentares um abalo ao mesmo tempo justificado e descabido. E, em quem a avaliou sem interesse pessoal, uma apreensão maior sobre o Brasil vindouro.
Por experiência própria ou não, todo parlamentar sabe da existência de corrupção e enriquecimento ilícito por meio de doações legalizadas. As contabilidades de campanha entregues à Justiça Eleitoral servem tanto ou mais para ludibriar, quanto para registrar (parte) de doações e gastos.
A conclusão da Segunda Turma do Supremo corresponde à realidade eleitoral vigente desde a primeira redemocratização, com eleições em 1946.
A denúncia que levou à conclusão, porém, não se funda em fatos apurados, não tem provas. É o método da Lava Jato de preterir investigações, priorizar delações e satisfazer-se com suas deduções e “desconfianças”, palavra do procurador Santos Lima.
A denúncia sem prova e sua aceitação põem cada vereador, deputado e senador sob risco do que acontece a Valdir Raupp : o Supremo torna esse senador réu de uma ilegalidade ainda dependente da investigação que a Lava Jato não fez.
A conclusão do Supremo indica, em princípio, que os parlamentares e governantes recebedores de doações ilegais devem ser investigados também pelas legalizadas. Hoje, esses políticos já estariam na ordem da centena. O noticiário especulativo diz que o “novo pacote do Janot” contém outra centena, talvez até 150 políticos de todos os níveis.
Com tamanho batalhão, ou o Supremo desconclui, o que seria mau para a ética e a lei; ou adota uma discriminação para a qual inexiste critério justo; ou não se saberá quando essa investigação, sem falar nas outras pendentes, possa acabar. Sem acabar de todo com o Brasil, espera-se.
Há uma consideração a fazer ainda, além das várias que logo contestaram a diferença pregada por Fernando Henrique entre “receber recursos de caixa 2 (dinheiro não declarado) para financiamento político-eleitoral” e aquele “que obteve para enriquecimento pessoal, crime puro de corrupção”.
Os dois “recursos” são do mesmo modo pedidos, ou exigidos, para campanha: nenhum candidato pede dinheiro a empresário para comprar casa ou fazenda.
Os dois podem até ser legalizados com o registro de entrada. Depois são fabricados, com facilidade, muitos gastos fictícios, cujos montantes vão compor um caixa 2.
Este, por sua vez, mais inflado com os “recursos” não declarados. No total, são os “recursos” que –se alguém, por exemplo um diretor de jornal, estranha a compra inexplicável de uma fazenda– recebem o nome de “sobra de campanha”.
Não há diferença entre os casos. Em cada um, dois crimes: contra a Lei Eleitoral e, contra o doador, estelionato. Ambos sob a classificação genérica de corrupção. Casos reais, bem conhecidos em determinados setores, que não têm interessado a Lava Jato.
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