25/09/ 2017
"A Eletrobras é sustentável e tem papel fundamental para o País"
Da Carta Maior — publicado 25/09/2017 00h43, última modificação 22/09/2017 15h09
Privatizar a Eletrobras é destruir um sistema viável e benéfico à sociedade, alerta o ex-ministro Nelson Hübner
André Dusek/Estadão Conteúdo
Para o ex-ministro o modelo do governo Lula resulta em melhores preços de energia para a população
Ao privatizar a Eletrobras, o governo atual destrói o modelo estabelecido pela administração Lula, que transfere o risco para os investidores e proporciona melhores preços de energia à sociedade, analisa o ex-ministro de Minas e Energia e ex-diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica Nelson Hübner.
Dirigida pela visão do mercado de capitais combinada ao afã de fazer caixa, a equipe de Temer detona uma estrutura viável que, só na Usina Santo Antônio, em Rondônia, poupou a sociedade de pagar 26,5 bilhões de reais através da tarifa de energia.
Assim, a aliança tucano-peemedebista restaura a política de FHC que afastou as estatais dos leilões de ampliação de oferta e transmissão e preparou a Eletrobras para a privatização, explica Hübner, integrante dos conselhos de administração da Cemig e da Light, na entrevista a seguir.
CartaCapital: O governo alega que a Eletrobras não é sustentável, para justificar a sua privatização.
Nelson Hübner: Ao contrário, a Eletrobras é absolutamente sustentável e tem um papel fundamental para o País, sobretudo de equilíbrio de um mercado oligopolizado. Sem a presença da estatal, uns poucos grupos econômicos imporiam custos extraordinários à sociedade. Isso eu pude ver pessoalmente, quando, na condição de ministro interino de Minas Energia, promovi os leilões de Santo Antônio e Jirau e, como diretor-geral da Aneel, coordenei o leilão de Belo Monte e os leilões de transmissão.
Não tenho dúvida nenhuma, hoje, em afirmar que, sem a Eletrobras, através das suas empresas, mesmo participando minoritariamente, como sempre participou, em consórcio com companhias privadas, nesses leilões, o custo da energia para o País teria sido muito maior
CC: Como é isso na prática?
NH: A determinação do preço de geração de novas usinas no Brasil é feita através de leilões regulados. Vêm de 1997-1998, quando se intensificou a onda liberal no País e no resto do mundo, transformando os modelos de regulação do sistema elétrico no sentido de deixar que o mercado respondesse por tudo.
A mudança no modelo brasileiro retirou funções do Estado e do governo, a partir, principalmente, de 1997, com a implantação de todo arcabouço regulatório difundido a partir dos modelos liberais britânico e americano com Margareth Thatcher e Ronald Reagan,, que defendem o Estado mínimo.
O único item desse período que funcionou e foi mantido nas mudanças no setor implementadas no governo Lula, em 2004, por meio da Lei nº 10.848, foi a licitação para as linhas de transmissão. O governo delega a realização dos leilões à Aneel, que define a Receita Anual Permitida (RAP), valor máximo a ser pago anualmente para a empresa que construir e operar a linha de transmissão durante 30 anos.
Na geração, vencia o leilão aquela que pagasse o maior valor pelo Uso do Bem Público (UBP). Isso foi modificado pela lei mencionada: a empresa que oferecia o menor valor pela energia a ser entregue ao mercado regulado (mercado da grande massa dos consumidores brasileiros ligados pelas empresas de distribuição) era a vencedora do leilão. Os leilões de transmissão e geração evidenciam de modo muito claro a importância da Eletrobras nesse processo.
CC: Como essa importância da Eletrobras ficou clara?
NH: No governo FHC, todas as empresas da Eletrobras foram incluídas no Plano Nacional de Desestatização PND e não podiam participar de nenhum leilão, nem de expansão de energia nem de linha de transmissão. Participavam só agentes privados, à exceção de duas estatais estaduais, a Copel e a Cemig, que atuavam eventualmente.
O resultado foi que, de 1998 até 2002, quase não havia deságio, que é o desconto no preço-teto que a Aneel publica. Em 2003, um dos primeiros atos do governo Lula foi manter as empresas da Eletrobras como estatais, retirando-as do PND. Elas foram liberadas para participar dos leilões, mas só minoritariamente, ou seja, através de consórcios privados.
Seguiram a orientação e daí em diante os deságios sempre superaram 30%. Várias vezes o Ministério de Minas e Energia discutia com a Aneel a possibilidade de redução dos preços, pois não parecia lógico, num país com economia estabilizada e inflação baixa, uma empresa oferecer 50% de desconto para possuir, implantar e operar uma linha de transmissão.
Os preços-teto foram reduzidos, mas, ainda assim, os enormes deságios continuaram a acontecer nos leilões. Ali ficou absolutamente claro, para mim, que a Eletrobras foi fundamental à expansão de geração e de linhas de transmissão e desempenhou um papel decisivo de equilíbrio do mercado e de garantia de suprimento.
CC: Poderia exemplificar?
NH: Depois das mudanças do modelo, no primeiro leilão de uma grande usina, no primeiro mandato de Lula, quando divulgamos o preço-teto do leilão de Santo Antônio, todas as empresas privadas, em especial as grandes construtoras interessadas na implantação da obra, como a Odebrecht, a Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez, esbravejaram.
Queriam que aumentássemos os valores que eram, se não me engano, de 121 reais o megawatt-hora, nessa faixa, porque, segundo elas, era inviável construir e operar a usina com esse valor. Falavam em 160 reais o megawatt-hora, mas miravam mesmo em 140 reais. Em Santo Antônio, e também em Jirau, se tivessem prevalecido esses argumentos, o governo teria comprado a energia por 140 reais o megawatt-hora, praticamente o dobro do valor efetivamente pago, entre 71 e 78 reais.
A competição que resultou nessa expressiva redução dos recursos desembolsados pelo poder público só foi possível porque sempre liberamos as empresas do grupo Eletrobras para se associarem minoritariamente aos grupos privados. Furnas já estava associada a um grupo e Chesf e Eletronorte, a outro. Caso contrário, não haveria leilão e seria imposto o preço máximo. Veja o caso de Santo Antônio. A usina tem 2.328 megawatts de garantia firme, ou seja, o que ela pode contratar. Se tivesse prevalecido o interesse dos grupos, o preço seria então de 140 reais o megawatt-hora.
No leilão, saiu a 78 reais o megawatt-hora, portanto, uma diferença de 62 reais, que significa, por ano, 885 milhões de reais. Como Santo Antônio tem contrato de 30 anos, a diferença representa então 26,5 bilhões de reais que a sociedade brasileira deixou de pagar através da tarifa de energia.
CC: Vários críticos relacionam as concessões feitas sob a Medida Provisória 579, de 2012, sobre contratos de concessões de geração, transmissão e distribuição, à suposta entrega de energia subsidiada.
NH: Isso é papo furado de quem está a fim de privatizar e quer encontrar uma justificativa. Sem essa Medida Provisória, todas as usinas antigas da Eletrobras, e de todas as outras empresas com ativos depreciados, que em 1998, no governo FHC, ganharam a extensão dos contratos de concessão até 2015, voltariam para as mãos da União, sua legítima dona, pois a população pagou pela energia gerada e amortizou os investimentos e permitiu o ganho financeiro dos proprietários das usinas durante o período de concessão.
A legislação existente não previa nenhuma possibilidade de prorrogação dessas concessões. Elas retornariam para a União para serem licitadas. Ou seja, a Eletrobras perderia todas essas concessões. A partir da Lei nº 10.848, a licitação para contratação de energia passou a ser pelo critério de menor preço para prestação do serviço, conforme explicado. Era a regra.
O que a MP 579 fez foi dar uma alternativa: quem quisesse continuar operando as usinas e ganhar mais 30 anos de concessão deveria aceitar as condições da Lei. Quem não quisesse, continuava com as usinas até o fim da concessão, quando retornariam para a União para serem licitadas.
A Eletrobras deveria, portanto, ter se preparado. A MP estabeleceu um modelo que é muito usual em países com muita geração hidrelétrica em suas matrizes. Algumas pessoas adoram colocar a culpa no PT, que teria pretendido definir artificialmente o preço e até o próprio mercado, mas isso é conversa de quem não entende ou tem outros objetivos que não o bem público.
O preço da energia de uma usina hidrelétrica nova é basicamente o pagamento dos custos de implantação, ou seja, a parte cara é construí-la e colocá-la para operar. Uma vez edificada e amortizado o investimento, o custo de manutenção e operação é baixíssimo.
O valor da tarifa de Itaipu, por exemplo, é o serviço da dívida. A partir de 2023, quando termina o pagamento da dívida, o custo da energia dessa hidrelétrica será muito próximo de 10 reais o megawatt-hora. Resta saber se vão deixar o mercado ditar o preço da energia de Itaipu. Se isso acontecer, o lucro da empresa será estrondoso. Os paraguaios ficarão muito felizes.
O combustível da usina hídrica é água, um bem público de custo zero. O gerador paga uma parcela de sua receita pelo uso da água. Por isso, as hidrelétricas, e ainda as solares e as eólicas, não são sensíveis a preço. Em todos os mercados em que tentaram colocar essas fontes competindo com fontes térmicas os resultados foram desastrosos.
CC: Como funcionava antes da desestatização de FHC?
NH: As concessões para a construção de usinas eram feitas diretamente às empresas estatais pela União, através do ministério da área. As empresas tinham uma tarifa com garantia de rentabilidade de 10% a 12% (tarifa pelo custo). Mas é um modelo ineficiente.
Acho que a licitação pelo menor preço da energia, conforme estabelecido pela Lei nº 10.848, é melhor, porque retira das mãos do governo o problema de contratar e gerir obras públicas, joga o risco para os investidores e proporciona melhores preços de energia para o País.
CC: Qual deveria ser a postura do governo em relação à Eletrobras?
NH: O governo deve, ou deveria, mirar nos resultados globais da empresa, em termos de custos e dividendos para o Tesouro, mas, sobretudo, nos ganhos globais para a nação e o povo brasileiro pela ação de uma empresa pública de um setor estratégico como é o de energia.
Mas quem só tem a visão de ganhos e perdas no mercado de capitais opera sobre outra ótica e a publicação de determinadas visões, como atualmente veiculadas, fornece argumentos para administradores que buscam motivos para dizer que é preciso mesmo privatizar. Na verdade, esse não é o motivo.
Privatizar é o objetivo da política, o resto são justificativas. Eles vão querer vender tudo. É um absurdo um governo que assume com um golpe parlamentar, não tem voto algum e está entregando patrimônio público sem nenhuma discussão com a sociedade.
.
Nenhum comentário :
Postar um comentário
Veja aqui o que não aparece no PIG - Partido da Imprensa Golpista