07/11/2017
Almirante Othon: “o Brasil ser potência nuclear desagrada”
Do Tijolaço · 07/11/2017
POR FERNANDO BRITO
Pela primeira vez, um grande jornal, a Folha, se interessa em ouvir detalhadamente o relato do vice-almirante Othon Pinheiro da Silva sobre o caso que o levou a ser condenado a 43 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e organização criminosa por ter recebido, pagamentos de R$ 3 milhões, que ele diz serem por consultoria e a Justiça diz serem trabalhos fictícios.
Seja como for, ponha na balança: Marcelo Odebrecht, confessadamente corrompedor de centenas de políticos com infindáveis bilhões de reais, pegou 30 anos, que foram convertidos em 10, com seu acordo de delação e sai agora em dezembro.
Reproduzo trechos da entrevista que Othon deu a Monica Bergamo:
O Ministério Público Federal considerou que o estudo assinado pelo senhor para a Andrade Gutierrez era simplório e entendeu que ele é fictício.
É um desconhecimento total ou uma vontade de não querer reconhecer [a importância do trabalho]. São anos de pensamento sobre o Brasil.
O que ocorreu no país, e sobre o que falava no meu estudo? O consumo de energia cresceu e o estoque de água das hidrelétricas estacionou na década de 80. Antes disso, o Brasil poderia passar por vários anos “secos” porque tinha estoque de água. Mas isso mudou e veio o apagão.
O Brasil agora precisa de energia térmica de base.
Termelétricas têm que ser [movidas a] carvão ou [energia] nuclear. E nuclear é melhor para nós porque temos reservas [de urânio] correspondentes a 50% do pré-sal.
Nós temos que aproveitar o que a natureza nos dá.
Ah, se eu tivesse mais [usinas] nucleares. O custo do investimento é maior mas o do combustível é menor [do que o de outras alternativas].
No caso da hidrelétrica, o custo [do combustível, a água] é quase zero. E no caso da nuclear, é pequeno.
Se eu tiver a energia nuclear, eu economizo água e não chego nessa situação [de apagão]. A energia nuclear não compete com a hidrelétrica. Ela complementa. Era isso o que o estudo mostrava.
Depois o senhor foi para o governo e a obra de Angra 3 foi retomada.
Em julho [de 2005], eu soube que tinha uma lista [no governo Lula] para escolher o presidente da Eletronuclear. Eu não queria.
Mas aí eu fiz a grande bobagem da minha vida. Fui convidado. Bateu a vaidade e eu aceitei. Em outubro de 2005, assumi o cargo.
E como passou a receber dinheiro da empreiteira?
Tudo o que eu fazia na época [em que prestava consultoria] era na base do sucesso.
E coincidiu que fui para o governo e houve a decisão [de retomar Angra 3].
Quem decidiu foi o Conselho Nacional de Política Energética, do qual eu não fazia parte. Como presidente, eu apenas executei as diretrizes.
Mas passei a fazer jus [à remuneração] do trabalho [estudo para a Andrade] que eu fiz antes.
Quanto passou a receber?
Eu cobrei R$ 3 milhões, em valores de dezembro de 2004 [a Polícia Federal diz que o almirante recebeu R$ 4,5 milhões em valores atualizados].
Comecei a receber depois que houve a decisão da retomada das obras.
Como era um troço completamente diferente, eles falaram “vamos pagar através de outras empresas”. Aí virou outro crime.
Se fosse hoje, eu exigiria deles [Andrade] um contrato de confissão de dívida para que me pagassem só depois que eu saísse. Eu não receberia no cargo.
Eu tinha direito, foi um trabalho que eu fiz antes. Não era imoral nem ilegal. Apenas com a experiência de hoje eu teria feito diferente.
O Ministério Público Federal e a Justiça consideraram que era propina.
Não era propina, não foi mesmo. Eu achava que tinha direito de receber. Agora, tive o cuidado de não tomar nenhuma decisão [que beneficiasse a empreiteira], não tem nenhum ato de ofício assinado por mim.
Tivemos [ele e a Andrade]inclusive um atrito inicial, porque eu exigi que o TCU aprovasse os detalhes do aditivo [para o pagamento do serviço nas obras de Angra 3].
Eles ficaram irritadíssimos. Fui uma decepção para eles. Houve outras divergências, chegaram a parar as obras. Oras, se eu tivesse ligação com eles, isso teria ocorrido?
Delatores da empresa afirmaram que o senhor, na verdade, cobrava percentual sobre os contratos de Angra 3.
A Andrade já tinha um ressentimento em relação a mim. E delação premiada é um processo muito danado. O cara acha que agrada [os investigadores] e senta a pua. Ele não tem compromisso.
O senhor diz que sua prisão interessa ao sistema internacional. Que evidência tem disso?
Como começou tudo isso? Num depoimento que o presidente de uma empreiteira fazia sobre um contrato com a Petrobras.
Ele mencionou que ouviu dizer algo sobre o presidente da Eletronuclear estar de acordo com um cartel.
Isso serviu de pretexto para os camaradas vasculharem a minha vida desde garoto. Havia um direcionamento.
Mas haveria um comando externo nas investigações?
Não comando, mas influência forte, ideológica. Não posso provar mas tenho um sentimento muito forte. Houve interesse internacional.
E por que haveria interesse internacional em sua prisão?
Porque tudo o que eu fiz [na área nuclear] desagradou. Qual o maior noticiário que tem hoje? A Coreia do Norte e suas atividades nucleares. A parte nuclear gera rejeição na comunidade internacional.
E o Brasil ser potência nuclear desagrada. Disso eu não tenho a menor dúvida.
Há setores que acreditam que o Brasil deveria desenvolver a bomba atômica. O país fez bem em abrir mão dela?
Eu acho que fez. O artefato nuclear é arma de destruição de massa e inibidora de concentração de força. Mas, no nosso caso, se tivéssemos a bomba, desbalancearíamos a América Latina, suscitando apreensões.
E a última coisa que a gente precisa na América Latina é de um embate.
O país, no entanto, não abriu mão da tecnologia. Se necessário, em quanto tempo faríamos uma bomba?
Em uns quatro meses. Com a tecnologia de enriquecimento que nós usamos, podemos fazer a bomba com o plutônio, como a de Nagasaki, ou com o urânio, que foi a de Hiroshima. Temos os dois porque quem tem urânio enriquecido pode ter o plutônio também.
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