terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Nº 23.468 - "Os propagandistas"

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20/02/2018


Os propagandistas


Carta Capital  — publicado 19/02/2018 00h05, última modificação 16/02/2018 09h40


Epígonos de Goebbels, os heróis da mídia nativa esmeram-se para inconscientizar as suas plateias


 Bernard Hoffman/Time Life Pictures/Getty Images
Redação de jornalismo

Era uma vez o jornalismo

Mino Carta

Quando penso nos editorialistas, colunistas, comentaristas, analistas da mídia nativa, ocorre-me automaticamente recordar um filme de Akira Kurosawa, Homem Mau Dorme Bem, protagonista o insubstituível Toshiro Mifune.E pergunto aos meus céticos botões se aqueles perfeitos  representantes do jornalismo têm noção da sua responsabilidade pela inconscientização de quem os lê ou ouve.

Não duvido que muitos, todos talvez, ao deitarem a cabeça sobre o travesseiro noturno, experimentem o sentimento do dever cumprido. De fato, o patrão está satisfeito e retribui com salários, ou emolumentos, de suscitar a inveja dos colegas de países democráticos e civilizados. 

Alguns entre estes senhores e senhoras conheci ao longo da vida, muitos até, devido ao adiantado da minha idade. Havia também um punhado a lidar corretamente com o vernáculo e a desenvolver raciocínios válidos.

Sem falar de quantos se diziam de esquerda. Houve tempos em que os barões midiáticos desconfiavam deste ou daquele dos seus empregados(as) e exigiam dos copy-desks especial atenção para policiar-lhes os textos. E que seria o copy-desk?

No afã de imitar o jornalismo dos EUA, tratava-se de um ser humano, editor da versão final, habilitado a corrigir os eventuais deslizes dos repórteres, gramáticos ou ideológicos. Já na terra de Tio Sam, o copy-desk é, como diz a expressão, a mesa na qual tomam assento revisores de luxo, chamados a verificar, em primeiro lugar, certas informações da reportagem, do gênero da produção de aço da Krupp no ano passado ou da quantidade de casas de ópio em Xangai.

Leio hoje antigos conhecidos, e mesmo um ou outro que foram amigos. E me toma o espanto. Por exemplo: como é possível afirmar com a categoria de quem registra a verdade factual que o julgamento de Lula em primeira e segunda instância produziu sentenças impecáveis em processos perfeitos, quando as figuras de juízes e promotores se confundem, os magistrados cuidam de demonizar o réu em suas frequentes surtidas midiáticas, e o próprio presidente do TRF4 antecipa o veredicto? É do conhecimento até do mundo mineral que, em um país democrático e civilizado, a Corte Suprema teria removido esses magistrados de suas funções.

Possível criticar Lula por erros políticos, pela escolha de maus conselheiros, por não ter agido em tempo útil em várias oportunidades. Possível não simpatizar com o ex-presidente ao deslizar no ódio de classe, quem sabe sem se dar conta. Mais do que aceitável condenar o PT por ter traído suas consignas originais e no governo ter-se portado como todos os demais partidos.

Mas como negar que a Constituição foi rasgada no primeiro ato do estado de exceção precipitado pelo impeachment de Dilma Rousseff, e literalmente atirada ao lixo daí por diante pelo conluio dos próprios Poderes da República?


Como pretender que os valores democráticos estão preservados, enquanto o golpe atinge o seu principal objetivo ao longo do ano eleitoral, ou seja, alijar do pleito Lula, favorito absoluto, ao condená-lo sem provas, enquanto uma autêntica quadrilha está no poder e oferece ao capital estrangeiro o País devidamente loteado? E como sustentar a retomada da economia quando a crise se aprofunda, as reformas do estado de exceção punem gravemente o trabalho, o desemprego fermenta e o custo da vida cotidiana se eleva somente para pobres e miseráveis?

Em compensação, os rentistas caem na gargalhada.


Falo da nata das redações, cada uma a repetir o desequilíbrio social brasileiro. No topo, o dono do castelo, logo abaixo o diretor que lhe conhece o pensamento até o detalhe infinitesimal, obedecido às cegas por subdiretores e ex-copy-desks mais escribas ou comentaristas graúdos. Enfim, a ralé mal paga, pronta, porém, a inventar e mentir, se necessário, para não perder o emprego.

Em que mundo vivem os intérpretes mais atilados da vontade dos senhores da casa-grande? Digo, os mandantes da vasta manobra da desinformação, sempre dispostos a denunciar a agressão à liberdade de expressão, entendida como a liberdade de dizerem impunemente o que bem entendem? O que me inquieta é a dúvida.

Sei até onde vai a ignorância e começa o enterro premeditado do autêntico jornalismo. Mas até onde se alastra uma criminosa desfaçatez e começa a covardia?


Enquanto isso, desfila a Paraíso do Tuiuti. Fenômeno isolado, infelizmente, mas belíssimo exemplo. As almas livres da Tuiuti, creio eu, não leem jornalões e revistões, tampouco dão ouvidos ao Jornal Nacional. 

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