segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Contraponto 463 - Fim da sociedade do trabalho


12/10/2009

O teórico da emancipação

(Foto: GEORGIA SANTIAGO)

Anselm Jappe
O POVO

Crítico do sistema capitalista, o filósofo alemão Anselm Jappe defende que o mundo assiste hoje ao fim da sociedade do trabalho. Para superar a crise do econômico, é necessário combater os valores capitalistas

Tiago Coutinho
tiagocoutinho@opovo.com.br
10 Out 2009 - 18h44min

Anselm Jappe aponta o fim da sociedade do trabalho

O mundo assiste ao fim da sociedade do trabalho, diz Anselm Jappe, filósofo alemão, com formação francesa e italiana. Há um estilo de vida entregue à lógica trabalho-consumo-trabalho. E essa lógica produz um contingente sem direito ao trabalho, portanto, descartáveis para o capitalismo.

Crítico do sistema econômico que domina o planeta, Jappe, apoiado em Karl Marx, acredita que não se pode mais entender o confronto entre pobreza e riqueza como mero elemento de luta de classe. Ele pondera que o capitalismo atualmente se expande pela difusão de seus valores abstratos. São esses valores que devem ser combatidos.

O pensador esteve em Fortaleza na semana passada, quando realizou o debate ``Com Marx e Debord, para além de Marx e Debord``, organizado pelo movimento Crítica Radical.

O POVO - Como podemos ter exemplo da crise do capitalismo numa realidade como o Ceará?
Anselm Jappe - Durante muito tempo, o Ceará era uma região à margem do sistema capitalista. É um pouco o que aconteceu nos países do leste da União Soviética. Depois das quedas dos regimes ditos comunistas, pensava-se participar do capitalismo, mas o capitalismo já tinha superado seu momento culminante da evolução. Existe o mesmo em uma realidade como no Nordeste do Brasil. Não existiu implantação de grandes indústrias. Há um fosso entre ricos e pobres. Os pobres não são aqueles simplesmente explorados pelos ricos, mas são essencialmente supérfluos. O sistema não tem necessidade deles nem para a força de trabalho. Se não podem trabalhar, não consomem. Denunciar a desigualdade entre ricos e pobres não tem nada de original. O importante é não interpretá-la como luta de classe, mas tentar entender como parte do fim da sociedade do trabalho. A resposta não pode ser com políticas de emprego. Elas não têm futuro. Não se trata de distribuir mais dinheiro. Seria necessário construir uma sociedade em que o direito a viver não esteja ligado ao dinheiro.

OP - É possível pensar políticas para tentar resolver essas questões dentro da lógica do Estado?
Jappe - Há sempre uma tendência em considerar o Estado e o mercado como duas coisas opostas. A direita tenta colocar o mercado sempre como liberdade. A esquerda normalmente estimula o papel do Estado para assegurar tranquilidade social. Sobretudo hoje, depois da falência do neoliberalismo, o mundo clama de volta o papel do Estado, para garantir o bem-estar social do cidadão, impondo os interesses particulares dos capitalistas. O Estado e o mercado nasceram juntos, no século XVI. O Estado sempre ajudou o mercado a se desenvolver. O Estado sempre aparece no momento em que o capitalismo está em crise. A esquerda se engana quando quer separar o mercado do Estado. Numa época em que o capital é transnacional, o Estado tem mais dificuldade de recolher recursos, para ainda poder organizar uma política através de gastos e investimentos, como se vê todos os dias.

OP - Há estratégias de superação desse momento fora do Estado?
Jappe - Não se pode sair dessa situação fazendo pedidos ao Estado. O Estado não pode, de modo algum, se opor ao capital. Pelo contrário, o Estado deve gerir os interesses do capitalismo em conjunto. O Estado tem o papel de evitar que a concorrência instale a sociedade da guerra de todos contra todos. De um lado, o Estado não representa uma instância de emancipação que possa ser oposta ao capital. Nessas condições, seria necessário buscar formas, como a auto-organização que passe ao lado do mercado, e ao lado do Estado, para poder desenvolver outras formas de gestão.

OP - E qual a possibilidade de atuação nesse contexto?
Jappe - Para o momento, trata-se primeiramente de um trabalho teórico. Os movimentos sociais sempre se colocaram sobre a necessidade de agir imediatamente. A reflexão teórica parece perda de tempo. Essa é a razão por que as razões práticas sempre deram de forma bem diferente que se esperava. Assim, os movimentos revolucionários desembocaram em formas de capitalismo ou de totalitarismo. A própria teoria é uma forma de prática. Se a teoria consegue demolir o código de convivência atual então pode se dizer que seja um grande passo para o futuro.

OP - A proposta então seria mudar valores?
Jappe - Uma vez que se tiver mudança na forma do sujeito e da mentalidade, as consequências práticas podem chegar rápidas. Não se pode só olhar o movimento apenas econômico, temos de olhar a forma como as pessoas vivem. A sociedade do consumo levou ao empobrecimento da imaginação. É algo que começa na infância. A difusão massiva de jogos eletrônicos, que induz às crianças a contemplar passivamente as coisas dadas, como, por exemplo, nos vídeo games. É o contrário exato dos antigos brinquedos. Com os jogos e os brinquedos rudimentares, as crianças tinham de acrescentar a própria criatividade para tirar dos brinquedos a diversão. As novas gerações crescem com a falta de imaginação. Provavelmente terão mais dificuldades de tirar uma nova forma de vida, de desenvolver emoções autônomas. Portanto, aceitam a ideia de que se pode satisfazer as emoções, comprando carros ou investimentos. O capitalismo não é apenas sistema econômico, é também um modo de vida. O capitalismo ensinou que só fazemos as coisas por interesses materiais.
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