02/10/2009
Portal Vermelho 02 de Outubro de 2009 - 13h02
Por Divanilton Pereira*, no Portal CTB
O país, a partir de sua inteligência e ousadia, colocará na superfície um bem energético valioso que poderá transformá-lo em enorme valor agregado, por meio de sua cadeia produtiva, esta com fortíssima e ímpar capacidade de efeitos multiplicadores sobre a economia brasileira. Está aí mais uma oportunidade para o desenvolvimento nacional.
No entanto, é importante contextualizá-la, inclusive historicamente para que tenhamos uma dimensão mais apropriada quanto as suas potencialidades e desafios.
Os ciclos político-econômicos no Brasil
O Brasil já atravessou dois grandes ciclos político-econômicos. Um que resultou na formação do seu povo uno, e do seu Estado-nação, e, outro, que introduziu o país no caminho de sua média industrialização. Esses ciclos mostraram potencialidades, mas também limitações.
Nessa trajetória, a forma de exploração das riquezas naturais existentes (pau-brasil, cana-de-açúcar, mineração, café, etc.), mas não apenas ela; também o controle, o financiamento e a forma de apropriação dos resultados, influenciaram e condicionaram o tipo de desenvolvimento brasileiro: tardio, subordinado e concentrador de renda.
Após essas expansões, o país mergulhou na estagnação econômica, política e social, chegando ao fundo do poço nos anos neoliberais de 89 e 90. Além da crise capitalista, constituída no pós-70, essa situação decorreu da opção política de outrora, no qual o papel do Estado foi secundarizado e desmobilizado. Seu financiamento truncado.
O Brasil se reencontra com uma agenda positiva de Estado
A partir de 2003, o país entra numa nova fase política na qual esse modelo, mesmo que de forma meeira e híbrida, é alterado. O papel do Estado volta a sua clássica e histórica missão de indutor do crescimento econômico. No entanto, essa nova perspectiva desenvolvimentista do Governo Lula sofre também limitações e contradições. Uma diz respeito à política, refletida na frágil convicção governamental, ainda prevalecente, em torno da necessidade de um ousado projeto nacional de desenvolvimento. Outra é econômica. As limitações de financiamento para que o país avance rumo a seu terceiro ciclo civilizacional.
É exatamente dentro dessa perspectiva de atingirmos esse novo ciclo, que julgo a renda do pré-sal como imprescindível para viabilizá-la.
No entanto, em última instância, esse cenário só se concretizará a partir de uma decisão política que oriente e explicite como essa nova possibilidade propulsora estará integrada a um novo modelo econômico que privilegie as demandas do nosso povo.
Por um Planejamento Estratégico de desenvolvimento
Mesmo reconhecendo que o pré-sal fortalecerá nossa soberania energética e será fundamental para a constituição de um novo projeto nacional de desenvolvimento, isso não significa que essa descoberta nos levará automaticamente à redenção social nacional. Teremos muita disputa política condicionando permanentemente esse otimismo.
Outras riquezas naturais, no contexto da época em que eram relevantes, cumpriram papel relativamente importante sem, entretanto, impulsionar o país para um padrão mais desenvolvido. Foram exploradas de forma descolada de um projeto nacional.
Penso que o debate atual - apesar de importantíssimo - sobre qual a melhor forma de aproveitamos a riqueza do pré-sal, não deve encerrar-se em si mesmo, mas a disputa deve estar centrada também na questão de a qual modelo ele estará integrado e subordinado.
Portanto, sem a elaboração de um planejamento estratégico nacional, conduzido pelo Estado, através do seu pólo público bancário e dos segmentos industriais do Brasil, a possibilidade dessa riqueza ser usufruída pelo nosso povo corre o risco de ser mais uma vez feita de forma restritiva e concentrada.
Por um “Fundo Nacional de Desenvolvimento”
Constituir e estabelecer mecanismos de controle social sobre uma reserva nacional, não contingenciada, oriunda da renda do pré-sal é questão chave para a consecução de um projeto nacional integrado.
Esse Fundo Nacional de Desenvolvimento deve viabilizar um plano estratégico de desenvolvimento, sustentado numa política industrial nacional articulada, fomentadora do nosso incremento tecnológico, assentada numa profunda revolução no financiamento público educacional brasileiro.
Mesmo diante das enormes carências sociais em nosso país, penso que esses recursos não devem ser transformados exclusivamente em colchões para políticas sociais compensatórias. Seria um caminho que contribuiria para a manutenção relativa das desigualdades no Brasil, inclusive as sociais.
É preciso que este fundo viabilize o acesso às varas de pescar, as de melhor qualidade, e com a melhor técnica. E não que se torne um açude que só viabilize a criação de peixes a serem distribuídos. Seria uma política insustentável.
Os movimentos sociais disputam os rumos do pré-sal
Os movimentos sociais, entre os quais está integrada a CTB, realizaram várias reuniões e constituíram fóruns em torno dessa matéria, em diversos Estados do país, nos quais foram realizadas intensas agendas populares, parlamentares e institucionais, suscitando o debate na sociedade brasileira. Audiências públicas, atos, encontros, congressos, com destaque para o 51º da UNE, pautaram o tema do pré-sal. Desse movimento, consolidou-se a consigna “o petróleo tem que ser nosso”, um lema que por si só já traduz a sua intenção de aprofundar o resgate dos interesses nacionais na atividade petrolífera.
O estabelecimento do Estado Nacional como proprietário único dessa riqueza e a defesa da retomada da Petrobras como seu braço de gestão, também, único, na pesquisa, exploração, produção, transporte e comercialização, preponderou na formulação do movimento. Esse propósito foi consolidado em um projeto de lei, o PL 5.981/09, que restabelece essas condições à atividade petrolífera no Brasil.
Com o anúncio da proposta do Governo, há uma opinião prevalecente: ela está diferenciada e avança em relação à legislação elaborada pelo Governo FHC. No entanto, há espaço para maiores aperfeiçoamentos. Assim têm prevalecido as avaliações.
Penso que devemos desconstruir a polarização hoje existente, sobretudo no parlamento federal brasileiro, em que só há duas propostas: a do Governo e a daqueles que defendem a manutenção da regulação atual.
A permanência da agenda mobilizadora dos movimentos sociais em torno de seus propósitos originais pode ajudar nesse objetivo. No entanto, também opino no sentido de que não nos omitamos diante do movimento objetivo e concreto, inclusive com prazo estabelecido, que se desenvolve na Câmara dos Deputados e posteriormente no Senado federal.
Dessa forma, já que mesmo com essas limitações o parlamento tem se mostrado como um palco central nessa luta vai se formando a convicção de que a nossa intervenção é necessária, e que devemos apresentar nossas idéias e propostas, via emendas aos PL’s do Governo. Nem todos que integram esse movimento apresentam essa convicção, mas assim pensamos nós da CTB.
A prevalência dos contratos de partilha
Todos os países que têm muito petróleo têm contrato de partilha*; quem tem pouco petróleo é que tem concessão*. Nas nações com as 10 maiores reservas de petróleo do mundo 80% prevalecem os contratos de partilha/serviço, e, nos 20% restantes, adota-se o modelo misto (partilha e concessão).
Fala-se que países que adotam esse modelo, como a Arábia Saudita, não são democráticos e exibem grandes desigualdades sociais e alta concentração da renda e, caso adotemos esse modelo no Brasil, ocasionaríamos os mesmos efeitos.
Acho pouco provável que se reproduza no Brasil essa situação, sem, no entanto, descartá-lo plenamente, pois há condicionantes políticas em jogo (já as explicitei anteriormente). No país em referência, como em outros, a concentração de renda e suas conseqüências políticas advém das suas opções de se transformarem em meros exportadores do óleo cru, não agregando valor em suas economias, inviabilizando dessa forma um desenvolvimento capaz de atender às demandas de seus povos. Ou seja, não está relacionado pelo modo contratual que se dá a exploração do petróleo.
O petróleo e a transição na matriz energética mundial
A atividade petrolífera, desde o final do século XIX até os dias atuais, constitui-se no maior segmento industrial da economia mundial. Das 10 maiores empresas do mundo listadas na Fortune Global (2007), seis são petrolíferas. O que explica ser o debate sobre seus destinos e sua utilização um tema relevante e estratégico para a humanidade. A disputa pelo no terreno do conhecimento científico e tecnológico e pelo controle das fontes, da produção e pela sua distribuição, tem levado à eclosão de vários conflitos diplomáticos e militares, inclusive guerras imperialistas.
Mesmo com a matriz energética mundial passando por uma transição em sua composição, na qual tende a uma diminuição do percentual de participação de petróleo e gás, ela continuará sendo ainda, por muito tempo, uma fonte energética importante, sobretudo usada não como combustível, mas para outros fins.
Neste contexto, com a descoberta do pré-sal o Brasil tende a ser uma “potência petrolífera tardia”, já que, com o acréscimo dos prováveis 50 bilhões de barris, poderemos vir a ser o oitavo país em reservas, depois da Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Emirados Árabes, Venezuela e Rússia.
E, nessa condição, assegurado um desenvolvimento com soberania, o país poderá estabelecer com o mundo relações políticas, econômicas e comerciais num patamar mais fortalecido, independente e influente.
A ameaça estadunidense
A reativação da 4ª frota pelos EUA, como também as instalações militares na Colômbia, constituem reações no terreno político-militar diante do inédito e promissor movimento político que nosso continente descortinou nos últimos anos a partir da eleição de governos democráticos e populares. Penso que essas atitudes, imperialistas, são uma agressão à soberania destas nações.
O pré-sal do Brasil se tornou mais um alvo dos EUA e seus aliados, já que possibilitará posicionar um país, com grande influência geo-política na região, na condição de atingir sua soberania energética. Exatamente sobre um bem em que eles são profundamente dependentes de suprimento externo.
A oposição liberal quer inviabilizar o futuro do Brasil
Durante oito anos, as forças que hoje reivindicam mais tempo para debater a questão, executaram uma política privatista e desestruturadora do Estado Nacional. Protagonizaram escândalos nas negociatas com o nosso patrimônio e arrebentaram outros. Esta política arruinou o país, subordinando-o aos interesses do capital financeiro internacional. E a crise capitalista que novamente se manifesta no mundo e no Brasil é resultante do fracasso daquele modelo,
No Brasil seus executores têm caras, nomes e partidos: estão todos na oposição conservadora ao Governo Lula, capitaneados pelo DEM-PSDB. Em verdade, o objetivo tático dessa oposição é o de tentar inviabilizar, de qualquer forma, a consecução de um projeto nacional de desenvolvimento para o Brasil, pois sabem que a renda do pré-sal poderá e deverá ser a grande fiadora desse caminho.
2010: a maior condicionante
Todas essas possibilidades, de se colocar o pré-sal como fio condutor de um novo ciclo civilizacional em nosso país, estão centralmente condicionadas aos resultados eleitorais de 2010. Se não renovarmos o mandato das forças políticas que compõe hoje o Governo Lula teremos um cenário desarticulador de todos os esforços desenvolvimentistas atuais e futuros. Causa arrepios só em pensar nessa possibilidade. Seria uma tragédia para o nosso povo, mas esse mesmo povo não permitirá esse retrocesso.
* Divanilton Pereira é membro do Comitê Central do PCdoB e membro da direção nacional de Energia da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) e da FUP (Federação Única dos Petroleiros)
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