17/11/2009
Do Valor Econômico - 17/11/2009
Antônio Derlfim Netto*
Um brasileiro que tivesse adormecido em 2002 e só acordado em 2009 teria enorme dificuldade para entender o que está acontecendo. O presidente Fernando Henrique Cardoso, que governara oito anos (1995-2002) graças a uma mudança constitucional cavada a duras penas e por métodos muito pouco recomendáveis havia realizado uma série de reformas que iniciavam um processo de governança responsável.
As dificuldades de 1998 que levaram o país ao FMI (e as condicionalidades do seu empréstimo), exigiram uma mudança da política fiscal: 1º ) a construção de um superávit fiscal primário adequado para; 2º ) redução da relação dívida/PIB e sua manutenção em níveis aceitáveis; 3º ) a aprovação de uma lei de responsabilidade fiscal que colocaria um pouco de ordem nas finanças da Federação; e 4º ) reduzir o tamanho do Estado com privatizações aceleradas. Na política monetária mudou-se a direção do Banco Central e escolheu-se um sistema de metas inflacionárias com câmbio flutuante. Nenhuma dessas medidas era novidade ou foi “inventada” pelo governo brasileiro. De fato, a parte fiscal é a “receita do FMI” para todos os países emergentes que por dificuldades externas acabariam (sem o seu apoio) tendo de declarar-se insolventes. Os detalhes de como esse empréstimo foi aprovado no FMI são hoje conhecidos. Ficou evidente que a vontade do governo americano (presidente Clinton) foi decisiva para superar as “objeções técnicas” dos europeus. Estávamos em plena campanha eleitoral e um “default” certamente produziria uma desintegração do governo.
Em 1998, a vitória de Lula, considerado o líder de um partido absolutamente irresponsável, “poderia levar o país a mais uma aventura” e isso provocou a pressão dos EUA sobre o FMI. Há males que vêm para bem. Naquele momento nem o PT, nem Lula estavam convencidos de que existia mesmo uma “governança responsável”: o programa do partido era uma mistura de proposições utópicas e às vezes ingênuas (mas capazes de produzir grandes estragos), dominadas por um esquerdismo voluntarista que colocava no Estado construtor a esperança do desenvolvimento com Justiça social. Paradoxalmente, as políticas de 1999-2002 produziram uma substancial melhoria de governança, mas acabaram por nos levar, outra vez, ao FMI de quem recebemos mais um robusto suporte às vésperas da nova eleição…
O nosso brasileiro que acordou em 2009 estaria completamente surpreso: nem FHC nem Lula serão candidatos em 2010. Apesar disso, todo o protagonismo político está concentrado assimetricamente sobre eles. O primeiro é hoje, aparentemente, a “oposição” e o segundo a “situação”, isto é, o poder incumbente. A outra surpresa (que tem um ar de “milagre”), o Brasil tornou-se em 2009 credor do FMI! O que aconteceu, haveria de perguntar-se?
A resposta simples e clara é que desde 2003 acelerou-se a mudança do mundo e, com ela, a do Brasil. Quando venceu as eleições em 2002, eliminando os piores temores da sociedade com a famosa “Carta aos Brasileiros”, onde expôs o seu programa (que nada tinha a ver com o do PT), Lula radicalizou a política fiscal (produziu superávits primários da ordem de 3,7% entre 2003-08, contra 3,3% entre 1999-02 – e praticamente zero entre 1995-98!) e a política monetária elevando a taxa média Selic para 23,4% ao ano em 2003. A diferença é que FHC, graças a uma política cambial devastadora, amargou um déficit em conta corrente acumulado de US$ 186 bilhões entre 1995-2002, enquanto Lula surfou um superávit acumulado de US$ 16,8 bilhões entre 2003-08.
Entre 1997 e 2002, as exportações do Brasil cresceram 4,2% ao ano contra 22% entre 2003-08, graças à expansão da economia mundial (a participação do Brasil nas exportações mundiais praticamente ficou a mesma). De “quebrados” em 1998 (com repetição em 2002!) chegamos a agosto de 2009 com reservas de US$ 220 bilhões, superiores a toda a dívida externa (pública + privada) e nos livramos, pelo menos por algum tempo, da restrição externa que sempre limitou o espaço de nossa política econômica.
Em matéria de crescimento econômico e inflação, a octaetéride de Lula não parece inferior à de FHC, como se vê na tabela abaixo.
Com sua inteligência, sua falta de memória e o seu espírito provocativo, FHC parece ser a única coisa dotada de “sinais vitais” na oposição. É ridículo, entretanto, pensar que o simples palavrório e a invenção de alguns conceitos possam, sem um programa articulado, objetivo e crível, produzir sucesso no embate eleitoral de 2010. Quem, no mundo de hoje, tem medo do ativismo estatal institucionalmente controlado? Quem, afinal, salvou o tal “mercado” que no conto de fadas que dominou o pensamento único se auto-controlava e era dotado de uma intrínseca moralidade? O Estado produtor morreu! Viva o Estado indutor que estimula o espírito animal dos inovadores!
*Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras.
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Surpreendente esse artigo do Delfim Neto
ResponderExcluirOs direitistas mais arraigados, opositores de Lula devem estar dizendo:
"Até tú Delfim..."