28/03/2014
ENTRE A JUSTIÇA E A FARSA
Depois da vitória correta de Azeredo no STF cabe perguntar por que os réus da AP 470 não tiveram o mesmo direito
Da IstoÉ Independente - 28/03/2014
Paulo Moreira Leite
Ao decidir, por 8 votos a 1,
que Eduardo Azeredo deve ser julgado em Minas Gerais pelas denúncias
ligadas ao mensalão tucano, o Supremo fez a opção correta entre a farsa e
a justiça.
A farsa, como se sabe,
consistia em negar a Azeredo o direito de ser julgado em primeira
instância – e depois pedir um segundo julgamento em caso de condenação,
como a lei assegura a todo cidadão sem prerrogativa de foro – apenas
para manter um teatrinho coerente com a AP 470.
Eduardo Azeredo teve seu
direito reconhecido pacificamente, por 8 votos 1, placar tão folgado que
desta vez não se ouvirá o coralzinho de quem culpa os “dois ministros
da Dilma” por qualquer resultado que não lhe agrada.
Em nome da mitologia em torno do “maior julgamento da história” se poderia querer repetir uma injustiça por toda a história.
Assim: já que
nenhum réu ligado ao PT teve direito a um julgamento em primeira
instância, o que permite a todo condenado entrar com um recurso para
obter um segundo julgamento, era preciso dar o mesmo tratamento a pelo
menos um dos réus ligados ao PSDB.
Para esconder um
erro, era preciso cometer um segundo – quando todo mundo sabe que isso
não produz um acerto, mas apenas dois erros.
Com decisão de
ontem ficou um pouquinho mais fácil reconhecer um fato que já é
reconhecido por um número crescente de estudiosos, de que a AP 470 foi
resolvida como um julgamento de exceção.
Nas fases iniciais
das duas ações penais, não custa lembrar, o STF deu sentenças
diferentes para situações iguais, o que sempre pareceu escandaloso.
Desmembrou o julgamento dos tucanos. Apenas réus com mandato parlamentar – Azeredo e o senador Clésio Andrade – ficaram no Supremo.
O mesmo tribunal,
no entanto, fez o contrário na AP 470. Todos – parlamentares ou não --
foram julgados num processo único, num tribunal único.
Mesmo quem não
tinha mandato parlamentar foi mantido no STF, onde as decisões não têm
direito a recurso e, apenas em casos muito especiais, é possível, entrar
com os embargos infringentes.
Mesmo assim, na AP 470 havia até o risco, como se viu, de negar embargos, não é mesmo?
Ao decidir que o
ex-deputado mineiro deve ser julgado nas regras que a Constituição e a
jurisprudência sempre asseguraram a todos os réus em situação
semelhante – a única exceção foi o notório Natan Donadon, com várias
particularidades – o STF coloca outro debate em questão.
Se Eduardo Azeredo
terá direito – corretamente -- a um segundo julgamento, caso venha a ser
condenado, por que os réus da AP 470 não podem fazer o mesmo?
Essa é a pergunta, desde ontem.
Se os réus da AP 470 não tiveram direito a um novo julgamento -- seja
através de uma revisão criminal, seja na Corte Interamericana de
Direitos Humanos -- teremos a confirmação da farsa dentro da farsa, a
exceção dentro da exceção. Tudo para os amigos, nem a lei para os
adversários.
Paulo Moreira Leite. Diretor da Sucursal da ISTOÉ em
Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente
em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época.
Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa"
.
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