"Como pode um partido pedir impeachment antes de ter um fato concreto? Não pode".
Quem fez essa pergunta, e a
respondeu em seguida, não foi nenhum dirigente do PT nem algum jurista
renomado. Foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na palestra que
fez neste domingo, no Fórum de Comandatuba, na Bahia, em que o
impeachment da presidente Dilma Rousseff foi o principal assunto
discutido entre os participantes do encontro, que reuniu empresários e
políticos.
Voz isolada de bom senso neste golpe
sem quartel que está em andamento, agora com o apoio do PSDB e de seu
presidente, Aécio Neves, FHC foi enfático na defesa da legalidade:
"Impeachment não pode ser tese. Ou
houve razão objetiva ou não houve razão objetiva. Quem diz se é objetiva
ou não é a Justiça, a polícia, o tribunal de contas. Os partidos não
podem se antecipar a tudo isso, não faz sentido. Você não pode fazê-lo
fora das regras da democracia. Qualquer outra coisa é precipitação".
Podemos ou não concordar com o
ex-presidente, mas é fato incontestável que ele tem tido a coragem de se
manifestar quase diariamente, mesmo quando em desacordo com seus
seguidores, enquanto outros lideres políticos nacionais se omitem no
debate institucional neste momento grave vivido pela nossa jovem
democracia.
Em artigo publicado na mesma edição
da Folha que reproduziu as falas de FHC nesta segunda-feira, Aécio Neves
foi na direção oposta:
"Nos últimos tempos a ideia de
impeachment ganhou forte impulso na sociedade (...) Nesse debate, em
pontos extremos, de um lado está o PT tachando de golpistas os que
cobram providências. De outro, estão aqueles que veem no impeachment um
valor absoluto. Defendem a tese a priori e buscam no dia a dia
argumentos para sustenta-la".
De fato, no extremo representado
pelos aliados de Aécio no PSDB e nos partidos nanicos que o apoiam, a
reboque dos "movimentos de rua", a cada semana os Cunha Lima, Sampaio,
Agripino Maia, Bolsonaro, Caiado, Roberto Freire e outros democratas da
mesma estirpe encontram motivos diferentes e cada vez mais graves para
derrubar a presidente e, se possível, acabar também com o seu partido.
Isso não é nem novidade. Em 2006,
durante a campanha de Lula pela reeleição, no auge do processo do
mensalão petista, Jorge Bornhausen, então presidente do PFL, que depois
virou DEM e agora está ameaçado de extinção, já havia pregado:
"Vamos acabar com essa raça. Vamos nos livrar dessa raça por, pelo menos, 30 anos".
Lula foi reeleito, elegeu Dilma, que
se reelegeu recentemente, e quem acabou foi a carreira política de
Bornhausen, que desapareceu do mapa antes do seu partido buscar a fusão
com o PTB para não morrer.
No último debate do segundo turno da
eleição presidencial de outubro, Aécio já havia incorporado o espírito
de outros caçadores de marajás do passado e do presente, ao proclamar:
"Para acabar com a corrupção, é preciso tirar o PT do poder".
Mais de 54 milhões de eleitores não
concordaram com o presidenciável tucano e deram a vitória a Dilma, mas o
neto de Tancredo Neves, não se conforma até hoje.
Ao contrário do avô, que permaneceu
fiel até o fim ao lado de Getúlio Vargas, vítima de um golpe militar que
o levou ao suicídio no Palácio do Catete, para defender o presidente
democraticamente eleito, Aécio agora não se peja de ficar ao lado dos
abutres da democracia. Nesta cruzada das trevas, não terá a companhia de
Fernando Henrique Cardoso.
Vida que segue.
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