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21/09/2015
Os bastidores da atuação de Gilmar no STF
Para
entender as razões de Gilmar Mendes ter protagonizado um dos mais
infames episódios da história do STF (Supremo Tribunal Federal) – no
julgamento do financiamento privado de campanha – tem que se passar
inicialmente por algumas características psicológicas do personagem.
Gilmar
é do tipo visceral. Em cada polêmica ele precisa enxergar o inimigo,
uma pessoa física ou jurídica a ser implacavelmente destruída, apelando
para todas as formas de ataque, especialmente o de atacar em
circunstâncias em que o atacado não possa se defender.
No
período em que foi Ministro do STF, Joaquim Barbosa confrontou-o,
levando o embate para o campo em que Gilmar reinava sozinho - o da
truculência em ambiente formal. Acusou-o, inclusive, de ter “capangas”.
No período em que Barbosa permaneceu no STF, houve mudança sensível no
comportamento de Gilmar.
Bastou
Barbosa sair do STF – portanto perdendo a tribuna para confrontar
Gilmar – para este se valer de Márcio Chaer, do Consultor Jurídico, para
um ataque cruel ao adversário.
Outro
alvo de Gilmar tem sido o Ministro Luís Roberto Barroso, que Gilmar
ataca municiando o blogueiro Reinaldo Azevedo. Suas impressões digitais
de Gilmar foram escancaradas na longuíssima catilinária de cinco horas
com que apresentou seu voto, repetindo argumentos repassados
anteriormente ao blogueiro. E com ataques a Barroso, que não estava
presente para se defender.
Como se diz em algumas partes do país, Gilmar sempre procura pegar os adversários “desaprecatados”.
A
ira de Gilmar contra Barroso deve-se ao fato de enxergar no Ministro o
seu oposto. Barroso é um iluminista, que jamais deixa as discussões
desbancarem para o campo pessoal, ao contrário do padrão Diamantino de
Gilmar. Barroso trata o direito com o respeito de um grande escultor
cinzelando o mármore dos princípios constitucionais; Gilmar trata as
leis a marteladas, como um funileiro. Barroso é a mais completa tradução
do moderno, tanto quanto Gilmar do arcaico. Barroso é o século 21,
Gilmar, o fantasma da República Velha.
Mais:
Barroso tem suficiente senioridade para exercitar o espírito
independente sem pagar óbolo a nenhum partido. Concordando ou não com
elas, todas suas teses sempre visam o melhor entendimento dos principais
constitucionais fundamentais.
Essa
bronca de Gilmar é relevante para passarmos para o segundo ponto, a
maneira como foi construída a argumentação que terminou com a votação
consagradora do STF proibindo o financiamento privado nas campanhas
eleitorais e o modo como Gilmar construiu sua teoria conspiratória.
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A construção da proposta
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Em
2010, depois de analisar detidamente os princípios constitucionais e
testemunhar os abusos no financiamento eleitoral, um Procurador da
República e um advogado resolveram trabalhar o tema. O procurador é
Daniel Sarmento – que depois abandonou o MPF para construir carreira
acadêmica -, o advogado Cláudio Pereira de Souza Neto, ambos colegas de
doutorado na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Sarmento
havia atuado no Ministério Público Eleitoral, no Rio de Janeiro, onde
testemunhou o poder corrosivo do dinheiro nas campanhas eleitorais.
Sarmento sendo Procurador, Souza Neto advogado ligado à OAB, ambos decidiram atuar nas duas
frentes.
Em
2010, Sarmento representou junto ao então Procurador Geral da
República, Roberto Gurgel que não deu atenção ao projeto. Souza Neto
representou junto ao Conselho da OAB que rapidamente comprou a causa por
unanimidade. Foi em 2011 e o presidente da entidade era Ophir
Cavalcanti, ligado ao PSDB. Mesmo porque, na ocasião, o PT era um
governo com ampla aprovação, sendo o maior destinatário das
contribuições de campanha.
A petição inicial junto ao STF é a cópia da representação.
Nela, abordam a questão da constitucionalidade, da relação de igualdade, a corrupção e a plutocratização da política.
Pouco
antes, houve um evento para discutir reforma política na OAB e Luís
Roberto Barroso, na época advogado apresentou uma proposta defendendo
votos em lista fechada, sistema distrital misto e semiparlamentarismo.
Pouco tratou de financiamento eleitoral E suas propostas não tinham a
concordância de Sarmento e Souza Neto.
Havia
apenas um ponto em comum entre os três – todos eram da UERJ. Foi o que
bastou para Gilmar criar a vinculação com Barroso e a teoria da
conspiração do PT, manejada por Barroso e tendo Sarmento e Souza Neto
como paus mandados.
Imediatamente
recorreu a seus blogueiros, que cuidaram de levar o debate a lugares
selecionados, tipo Revoltados Online e leitores de Veja online.
De nada adiantou o fato de, no julgamento, Barroso mostrar-se um dos menos entusiasmados com a tese da proibição do financiamento privado. Defendeu leis mais moderadas, não proibindo expressamente o financiamento. Luiz Fux é quem comprou para valer a tese.
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As teses em julgamento
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Sarmento e Souza Neto montaram sua tese em cima de três grandes fundamentos.
1. Igualdade
A
democracia se baseia na igualdade entre cidadãos. Quando permite ao
dinheiro influência tão grande, pelas doações empresariais seja pelo
critério para limitar doação de pessoa natural, a igualdade entre
pessoas é eliminada: rico começa a contar mais que o pobre. Que tenha
mais poder que o pobre no shopping é uma coisa, na eleição é outra,
Na
medida em que sucesso e insucesso na eleição têm relação direta com a
campanha, o candidato vai sempre cortejar os possíveis financiadores,
ganhando influência decisiva na política, diluindo a influência do
cidadão comum.
Este foi o principal fundamento.
2. Igualdade entre candidatos e forças políticas.
Na
medida em que permite essa influência tão forte do dinheiro, vai
favorecer duas coisas: governantes, porque tendência das forças
econômicas estarem bem com governo, e aquelas forças políticas com
agenda simpática para o capital.
3. Corrupção.
Não
só no sentido jurídico penal, mas mais amplo. O financiamento privado
cria mecanismos de acesso facilitado entre doadores e donatários,
promiscuidade que depois vai ser decisiva na atuação dos poderes
legislativo e executivo.
Em cima dessas teses, pedia-se:
1. Vedar doações de empresa
2.
Doação de pessoas naturais é possível, mas limites são
inconstitucionais. Define-se como limite o percentual de 10% da renda
auferida no ano anterior. Quando gasto do próprio candidato, é o limite
de gasto de campanha.
Os
autores defendem que pessoas naturais tem que ser teto uniforme. O
objetivo da limitação é diminuir a influência do dinheiro na política e
promover igualdade. Não tem nenhuma relação com o que a pessoa ganhou no
ano anterior. Se um milionário ganhou 100 milhões, pode doar 10
milhões. Se favelado ganhou 10 mil, se doar 1.500 pratica ato ilícito.
O
que se pediu na ação é que definisse o critério como inconstitucional,
mas como o STF não é legislador, que exortasse o congresso a estabelecer
critério uniforme, baixo, para próximos 18 meses, sob pena de não o
fazendo, voltar provisoriamente para o Judiciário estabelecer esse
limite.
Esse
pedido tinha sido acolhido por seis Ministros, portanto tendo maioria.
Na sessão Fux voltou atrás e a proposta ficou meio no ar..
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As manobras de Gilmar
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No início, o Ministro Dias Toffoli era integralmente favorável à tese. Gilmar conseguiu demovê-lo.
Acontece
que no dia em que o julgamento foi pautado, Toffoli estava fora do
país, portanto impedido de retificar seu voto. Tentou, inutilmente, que o
presidente do STF Ricardo Lewandowski tirasse o projeto de pauta,
aguardando sua volta. Não foi atendido.
Gilmar tentou de todas as maneiras retardar o julgamento para aguardar Toffoli, mas Lewandowski não permitiu.
No
primeiro dia, passou cinco horas lendo seu voto. Nunca foi de dar votos
extensivos. Desta vez lia e olhava sem parar no relógio.
No
segundo dia, tentou novas manobras. Na hora de julgar a modulação,
levantou-se da cadeira e disse que “isso a gente julga na semana que
vem”.
Imediatamente foi enquadrado pelo Ministro Marco Aurélio de Mello, o melhor antídoto para truculências que o STF dispõe:
- Isto é manobra que não podemos aceitar. Está postergando para aguardar outro Ministro.
Antes
de Gilmar, o Ministro Teori Zavaski votou contra a ação. Antes da
sessão Teori mudou o voto definindo limitações para o financiamento
empresarial, como o da empresa não poder doar para mais que um
candidato, não ter contratos com setor público e que, se doasse, não
poderia vir depois a celebrar contratos com o setor público.
Isolado, Gilmar acabou aderindo ao voto minoritário de Teori.
Se tivesse passado, iria criar o maior laranjal da história da República.
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