07/05/2018
Narciso provinciano, pretensioso e arrogante
Há algo de místico na atuação de Moro e da sua turma de pregadores, convictos de que são vingadores do futuro
Da Carta Capital — publicado 07/05/2018 00h10, última modificação 04/05/2018 13h41
por Mino Carta
Em um dia de começo de maio de 1980, liguei para Romeu Tuma, diretor da Polícia Federal. Atendeu-me com a costumeira cortesia. Esclareci que Raymundo Faoro e eu gostaríamos de visitar o amigo Lula, preso do Dops e enquadrado da famigerada Lei de Segurança Nacional. “Venham quando quiserem – respondeu Tuma – será um prazer recebê-los.”
Com cordialidade nos acolheu dias depois, nos ofereceu a comodidade de um sofá instalado em seu gabinete e mandou chamar o prisioneiro. O presidente demitido do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema chegou com o sorriso e o passo de quem se sente em casa, o carcereiro disse “fiquem à vontade”, e se retirou.
Já contei como Tuma tratava Lula, igual a um amigo. O tempora, o mores... Trinta e oito anos exatos se passaram, e a primeira conclusão é a seguinte: em tempos de ditadura, Lula merecia um gênero de respeito hoje negado a um ex-presidente que, no governo, foi o único que não fez demais pelos ricos e bastante para os pobres, como bom intérprete de um capitalismo à moda antiga.
Em Curitiba, Lula é um condenado da inquisição à espera da fogueira. Com o beneplácito do Torquemada de arrabalde, uma anspeçada que se diz juíza proíbe as visitas de amigos e correligionários, muitos autoridades em pleno exercício.
Segregado em uma cela de 12 metros quadrados, o preso dispõe de uma televisão sujeita à censura prévia dos algozes. Não se apagou o eco do atentado cometido contra a caravana de Lula pelo Sul, e uma saraivada atinge o acampamento de lulistas fiéis e derrama sangue na calçada.
Ataque terrorista, sentencia Celso Amorim, o chanceler de Lula, ministro da Defesa de Dilma, como há de ser a agressão feroz a uma comunidade pacífica. Impossível não concordar com ele. E eu me arrisco a crer que houvesse ali infiltrados pelos setores da PF que se afinam com o tribunal do Santo Ofício de Curitiba, como se deu com a CIA, infiltrada das Brigadas Vermelhas quando do assassinato de Aldo Moro.
O conjunto da obra é altamente representativo do espantoso desastre provocado pelo estado de exceção desencadeado com o golpe de 2016. Antes de completar o segundo aniversário, os golpistas agora se engalfinham em lutas internas ao exibir a falta de uma liderança habilitada a uni-los, e oferecem espaço para esta figura tão peculiar e medieval quanto Sergio Moro, surfista da situação.
Há algo de místico na atuação de Moro e da sua turma de pregadores milenaristas, como se portadores da convicção granítica de lhes caber o papel de vingadores do futuro, de salvadores da pátria entregue à corrupção.
Nada disso, está claro, exclui o oportunismo, a empáfia, a ignorância, a pretensão de quem defende a impossível semelhança entre a Lava Jato e a Mani Pulite. E a prepotência, o narcisismo provinciano, a arrogância desmedida.
Hoje, minha única esperança sopra na direção da discórdia reinante entre os golpistas, inflada pela própria Lava Jato, a funcionar como a maçã fatal que precipitou uma guerra mítica.
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