14/05/2018
Marcelo Zero, sobre o neoliberalismo “chanta”: Brasil do golpe a caminho da Argentina
Do Viomundo - 14 de maio de 2018 às 19h27
Neoliberalismo Chanta
por Marcelo Zero
No lunfardo (gíria portenha), a palavra chanta é usada para se referir a um indivíduo fanfarrão, pedante, mentiroso e enganador, que aparenta ter um conhecimento que não tem e que nunca cumpre o que promete.
É o adjetivo perfeito para os neoliberais, especialmente os neoliberais do nosso subcontinente. Sempre cheios de razão, cabotinos, se autodefinem como os defensores da racionalidade econômica frente ao “populismo” irracional e equivocado.
Mas, curiosamente, sempre fracassam, especialmente aqui, na América Latina. Prometem mundos e fundos, o paraíso na Terra. O fim da História! Porém, sempre acabam piorando a vida das pessoas, especialmente dos mais pobres.
O receituário é sempre o mesmo. Privatizações, Estado Mínimo, abertura acrítica da economia, reforma trabalhista, para diminuir os custos do trabalho, reforma previdenciária, para encolher o Estado do Bem–Estar, corte e privatização nos serviços públicos, cortes nos programas sociais.
Investimentos privados, câmbios e juros liberados, liberdade para os capitais especulativos e financeiros, etc. Ah!, sim. Venda do patrimônio nacional e política externa submissa às grandes potências tradicionais. O futuro está na neocolonização.
Foi o que prometeu Macri, quando ganhou, por margem estreita, as eleições em 2015.
Assim como no Brasil, Macri subiu ao poder com o discurso que era necessário afastar Kirchner, e sua política populista e keynesiana, para que a economia se recuperasse rapidamente.
Conforme seu discurso, assim que Cristina Kirchner saísse, a confiança dos investidores voltaria rapidamente e a Argentina superaria suas dificuldades conjunturais em menos de 1 ano.
Embora se tenha definido como uma administração de centro-direita “moderna e pós-neoliberal (sic)”, o governo Macri adotou o receituário neoliberal clássico, embora com gradualismo.
Fez um acordo com os fundos abutres para pagar dívidas e reintroduzir a Argentina no circuito internacional dos capitais especulativos, abriu a economia às importações e à entrada de capitais “golondrinas”, aumentou as taxas de juros, fez um “tarifaço” dos preços administrados (gás, calefação, transporte, etc.), iniciou processos de privatização da YPF (a Petrobras de lá), e cortou gastos públicos, especialmente na área social.
O resultado, no primeiro ano, foi uma queda de 2,3% do PIB, aumento da inflação para 40% ao ano, taxas de juros de 27%, e um aporte maciço de capitais especulativos, inclusive de argentinos que estavam no exterior, de US$ 117 bilhões, que fez disparar a dívida externa e pública.
Carlos Kirchner tinha quitado a dívida com o FMI, em 2006, mas Macri voltou a endividar a Argentina em dólares.
Em outras palavras, o modelo desenvolvimentista de Kirchner, baseado em investimentos públicos, reindustrialização, distribuição de renda e controle dos capitais especulativos e das importações, foi substituído por um modelo estritamente neoliberal baseado na liberação de capitais especulativos e importações, na abertura da economia, no corte nos gastos e investimentos públicos e no aumento da pobreza e das desigualdades.
A pobreza atingiu 31,7% da população e a indigência (miséria) atingiu 5.9%, em dezembro de 2017.
Em 2017, entretanto, graças, em grande parte, ao afluxo de capitais especulativos, houve queda na inflação para 23% ao ano e crescimento do PIB de 2,2%, o que levou muitos a acreditarem que a guinada neoliberal estaria dando certo.
Macri ganhou as eleições legislativas e mereceu elogios dos “especialistas” de sempre. O FMI, em particular, considerou-o o novo queridinho da banca.
Estavam errados. A abertura aos capitais fez a dívida do setor público aumentar US$ 80 bilhões desde 2015 e, hoje, ela ascende a US$ 321 bilhões.
Devido aos déficits comerciais e de conta corrente da Argentina, tal dívida sofre muita exposição ao dólar e ao comportamento do mercado internacional de capitais.
O aumento da dívida, impulsionado pelos juros extorsivos, e os déficits comercial e de conta corrente da Argentina (devido à abertura comercial e do mercado de capitais), começaram a criar desconfiança sobre a capacidade da Argentina de honrar seus compromissos.
Com o aumento das taxas de juros nos EUA, essa desconfiança virou certeza e até a Forbes disse que era hora de “abandonar a Argentina”.
Em pouco tempo, começou a ocorrer, já no início do ano, fuga de capitais.
O governo Macri chegou a queimar 25% das suas reservas líquidas e aumentar os juros para inacreditáveis 40% ao ano para conter a corrida especulativa, mas isso não foi suficiente.
O dólar voltou a subir para cerca de 23 pesos e Macri decidiu pedir arrego para o FMI, que aportará US$ 30 bilhões para a Argentina.
Contudo, o empréstimo do FMI não aumenta a confiança. Ao contrário, ele causa estigma político, dado o passado de fracassos dos ajustes.
A Argentina está tentando fazer um empréstimo de “alto acesso”, com mais liberalidade para gastos e menos condicionalidades. Esses empréstimos de “alto acesso” foram criados pelo próprio FMI, dado à relutância de muitos países em aceitarem os velhos e fracassados condicionantes dos empréstimos.
Mesmo assim, essa ajuda não virá gratuitamente. O FMI exigirá o fim do “gradualismo” no ajuste fiscal e cortes mais drásticos no orçamento público.
Além disso, o FMI considera imprescindível a realização de reformas trabalhistas e previdenciárias mais duras e demissões de funcionários públicos.
O mais provável é que esse receituário ainda mais duro agrave a situação econômica, no médio e longo prazo. Nem sequer é certo que tal ajuda deterá a crise imediata.
Após o discurso de Macri falando do acordo com o FMI, os detentores de títulos da dívida argentina, estavam a exigir 50% de juros para renová-los.
Hoje, segunda-feira (14) o dólar já tinha subido para 25,30, contra 23,78 na sexta. E isso aconteceu mesmo com o Banco Central argentino tendo gasto US$ 5 bilhões para conter a alta. É pouco provável que o plano funcione e os argentinos já começaram corrida aos bancos. O perigo de um novo “corralito” existe.
Amanhã vencem US$ 28 bilhões de Lebacs, títulos da dívida pública da Argentina. Vamos ver o que os credores exigirão do governo argentino para renová-los. Pouca coisa não será.
Lembre-se que, pouco antes da terrível crise de 2001, a pior da história da Argentina e uma das piores do mundo, o governo Menem era considerado como “aluno modelo” do FMI. Nada era feito na Argentina, naquela época, sem o aval explícito do FMI. Mas foi exatamente essa subserviência às políticas do FMI que fez o “aluno modelo” entrar na pior crise da sua história.
Como agora, em tempo recorde, a agenda neoliberal se esfumou, junto com a confiança dos credores.
Em 31 de agosto de 2004, ainda no início do governo de Néstor Kirchner, Rodrigo Rato, um dos diretores do FMI, tentou negociar um novo ajuste.
Rato conseguiu ficar apenas 10 horas na Argentina. Kirchner não quis conversa e, em 2006, pagou a dívida com o FMI.
Resultado: Entre 2002 y 2007, o consumo privado cresceu 52%, o desemprego como percentual da força laboral total se reduziu de 19.6% a 8.48%, enquanto que a pobreza extrema se reduziu de 23,05% da população total a 5,46%, e até 1,87%, em 2010.
Atualmente, no Brasil, a coisa é um tanto melhor porque o nosso país superou a sua vulnerabilidade externa e dispõe hoje de cerca de US$ 380 bilhões de reservas próprias.
Não graças aos nossos neoliberais, aos nossos “chantas”. Quando terminou o governo de FHC, nosso “chanta-mor”, tínhamos apenas cerca de US$ 18 bilhões de reservas próprias (o resto era empréstimo do FMI). Estávamos quebrados.
Quem nos tirou do sufoco foi Lula, que, com uma política externa ativa e altiva, amealhou vultosos superávits comerciais e de conta corrente.
Fizemos reservas e quitamos todas as nossas dívidas em dólar. O Brasil, graças aos governos do PT, se tornaram credores internacionais líquidos, inclusive do FMI.
Por isso, hoje temos uma situação mais tranquila, apesar de Temer, Meirelles e todo seu poder destrutivo.
Não por muito tempo, contudo. O processo destrutivo do golpe nos ameaça também. Com a nova política monetária norte-americana, passaremos também por novas dificuldades.
Nossos “econochantas” (economistas-chantas) vão encontrar cada vez mais dificuldades para explicar porque a adoção do receituário neoliberal não produz os resultados prometidos.
Como sempre, dirão que ele não está dando resultado porque não está sendo aplicado com a profundidade necessária. Dirão que a dose do veneno não foi suficiente, que será necessário aumentá-la. É assim que as tragédias “gregas” são criadas.
Enquanto isso, o homem que poderia nos libertar desse nonsense neocolonial está preso.
Ao contrário dos neoliberais “chantas” e enganadores, melhorou a vida do povo. Um feito histórico inédito e extraordinário.Tem legitimidade e confiabilidade.
Já o golpe é a coisa mais “chanta” que o Brasil produziu.
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