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24/12/2012
Os caminhos da democracia não passam pelo castelo de Caras
Durante a Ação Penal 470, os ministros do STF travestiram-se de super-heróis e se colocaram num papel de atores principais de uma espécie de telenovela mexicana para, de modo popularesco, agradar as galerias
LULA MIRANDA
Conhecemos e deploramos a demagogia, tão cara aos políticos em geral.
Notadamente quando, em época de eleições, nos deparemos com aquelas já clássicas e grotescas cenas de candidatos adentrando botecos "pé-sujo" e, de modo solerte, comendo acepipes daqueles tipos conhecidos no jargão popular como "Jesus me chama" – como se para eles esse tipo de "expediente" fosse a coisa mais natural do mundo.
Ou então, numa variação desse mesmo tema, quando visitam favelas ou cortiços e colocam no colo crianças remelentas de fundilho encardido e depois se limpam com álcool em gel. Um horror! Ah, a santa hipocrisia... Eis que os ministros do Supremo ao que parece resolveram, também, metaforicamente falando, carregar criança de bunda suja no colo e (de)cair no funk das periferias.
O julgamento da Ação Penal 470 foi televisionado e transmitido online através de diversos sites na blogosfera. Isso, pensamos a princípio, seria muito bom: transmitiria a sensação de que, supostamente, há transparência no Judiciário; que aquele seria um julgamento histórico etc. O "detalhe" é que, segundo alguns observadores, e dentre estes muitos mestres dos chamados "operadores do Direito", esse "reality show" pode ter causado um efeito colateral deletério: a supremacia da vaidade e da demagogia.
É deveras constrangedor quando togados se enredam e se rendem ao "popularesco" – remetendo-nos ao teatro demagógico dos políticos citado na introdução desse texto.
Maquiados, os ministros colocaram máscaras das mais diversas, ao gosto da assistência – como na Commedia dell arte, por exemplo. Posaram para fotos com fãs e admiradores; deram autógrafos. Tornaram-se, de uma hora para outra, celebridades dignas de frequentar o Castelo de Caras. Para muito além do bas-fond, fizeram caras e bocas, se esbaldaram.
Travestiram-se de super-heróis e se colocaram num papel de atores principais de uma espécie de telenovela mexicana para, de modo popularesco, insisto, agradar as galerias. Sabemos todos que dentre as preocupações de uma Corte Constitucional não deve estar exatamente a de ser "popular" ou "elitista", mas a de zelar pelo cumprimento da Constituição. A discrição, o anonimato, não custa lembrar, são características essenciais aos magistrados. Ao menos deveriam ser.
Mas na República de bananas em que vivemos as coisas nem sempre são simples como deveriam ser. Impotentes, presenciamos hoje um golpe do Judiciário em andamento no país. A Constituição é desrespeitada pelo próprio Supremo. O Legislativo é estuprado por alguns ministros do STF. Depoimentos sigilosos são criminosamente vazados por autoridades constituídas e entregues a uma revista que é amasiada com o crime organizado.
Os homens públicos se omitem. A grande mídia funciona como mera correia de transmissão das engrenagens do golpismo mais rastaquera. As leis e a democracia servem para preservar intocados os interesses de alguns poucos privilegiados em detrimento de uma maioria marginalizada.
A questão essencial numa democracia minimanete amadurecida é preservar as instituições e a divisão de poder entre os Poderes. James Madison já nos alertava para isso em seu livro, O Federalista, de 1787. Essa obra reúne 85 artigos elaborados no calor das discussões que ocorreram na Filadélfia, naquele longínquo ano do séc. XVIII, para a elaboração da Constituição Americana.
No artigo de nº 51, Madison propõe uma forma de organização de governo baseada em freios e contrapesos (Checks and Balances) de maneira a criar formas de controle dos poderes instituídos – uma vez que se (re)conhecem as tibiezas da natureza humana. "Mas o que é o próprio governo, senão a maior das críticas à natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo algum. Se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem internos" [MADISON, art. 51, p. 350].
O problema, portanto, não seria esperar dos homens uma conduta moral ilibada. Os homens são falíveis – e os ministros do Supremo são homens, e não super-homens. O desafio é manter a divisão dos poderes e os mecanismos de controle externos e internos dos poderes prudentemente divididos. É preciso que se garanta a esfera de ação de cada poder instituído e que não haja usurpação de um poder sobre outro. A democracia se constrói sobre instituições que conseguem manter-se para além das fraquezas e vaidades dos homens. Pois estes, por definição e natureza, são humanos, demasiadamente humanos.
Essas são questões essenciais e caras a qualquer democracia. São esses princípios que os ministros do Supremo deveriam se empenhar em zelar e por eles se balizar. O resto é mero jogo de cena e performances, mais apropriadas a artistas, para agradar a assistência e/ou a mídia.
Os caminhos da democracia não passam pelo castelo de Caras.
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