23/02/2013
Simbiose ideológica
Do Brasil de Fato - 20/02/2013
João Brant
Merval
Pereira, colunista do jornal O Globo e da Globo News, acaba de lançar
um livro sobre o mensalão. Quem escreve o prefácio? Carlos Ayres Britto,
ex-presidente do STF. O fato de Ayres Britto ter aceitado escrever já é
simbólico, mas pior é o que ele escreve sobre Merval: “cidadão full
time e conscientemente postado no píncaro da devoção à causa pública,
entregou-se à corajosa missão de escrever os artigos, na presciência de
que a Ação Penal 470 sinalizava uma virada cultural de página no nosso
país”.
Quem acompanhou a preparação para o
julgamento da Ação Penal 470 sabe que a pressão dos grupos de mídia foi
essencial para que se estabelecesse a agenda do STF. Dois objetivos
diretos estavam em vista: garantir que Cézar Peluzo e Carlos Ayres
Britto participassem do julgamento e, principalmente, garantir que este
acontecesse antes ou durante o processo eleitoral.
Ayres
Britto respondeu às pressões dos grandes meios. Fez questão de dizer,
algumas vezes, que “o STF está atento à opinião pública”. O problema é
que o que Ayres Britto chama de opinião pública é, na verdade, a opinião
da Globo. Se ele fosse ouvir o conjunto de opiniões da sociedade, teria
levado em conta várias outras perspectivas, entre elas aquela que
defendia que os julgamentos sobre financiamento de campanha fossem
feitos na ordem em que chegaram o tribunal e aquela que defendia que não
se misturasse o julgamento com o período eleitoral.
A
visão restrita de Ayres Britto, contudo, não se dá em função de
desconhecimento. Há, sim, um encantamento e uma simbiose ideológica com
os meios de comunicação. Ele já tinha demonstrado esse encantamento em
seu relatório sobre a lei de imprensa, no julgamento sobre a ação TV
digital e na avaliação dele sobre a classificação indicativa, em que
apresenta visões que fariam corar os republicanos nos Estados Unidos
(falo seriamente).
Agora, aposentado do STF,
Ayres Britto, reconhecido pela visão progressista e humanista, termina
sua carreira – por identidade ou vaidade, não importa – se dispondo a
prefaciar o livro de um dos quadros mais ativos da direita brasileira.
Que coisa.
João Brant é coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Texto originalmente publicado na edição 520 do Brasil de Fato.
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