22/01/2014
QUANDO TUDO É POSSÍVEL
Depois de combater as cotas e sabotar luta contra o racismo, oposição tenta manipular rolezinhos
Paulo Moreira Leite
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Vários leitores escrevem para fazer de sua preocupação com o rolezinho. Não. Não são pessoas preconceituosas, que querem impedir a entrada de jovens da periferia nos palácios do consumo de elite que chamamos de shoping centers. São democratas, que reconhecem os direitos de todos e já se mostraram capazes de lutar por eles.
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Temem a manipulação dos rolezinhos no ano eleitoral de 2014,
quando a oposição fará o possível manipular todo tipo de mobilização
para atingir o governo. Vamos combinar que essa estratégia já está clara
e não é segredo para ninguém.
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Claro que, no plano da realidade, os adversários do governo Lula e de Dilma não tem o que dizer a respeito dos direitos da população pobre e dos jovens negros. A pavorosa distribuição de
renda brasileira é produto de seu principal mito ideologico, a economia
do mercado e o país do Estado mínimo.
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Seus intelectuais orgânicos fizeram uma campanha aberta contra a
criação das cotas nas universidades. Debocharam de toda iniciativa nessa
direção e tentaravam convencer os brasileiros de que não podemos negar
as vantagens da meritocracia.
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Recuperaram a lenda da democracia racial, uma construção ideológica
destinada a fingir que a cultura brasileira não admitia o preconceito
de raça.
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Sem respeitar a obra integral de Gilberto Freyre, que tinha uma
tendencia a embelezar o colonialismo português, ignoravam que nem ele
deixou de apontar a brutalidade e a violência contra a população negra,
registrando inclusive o sadismo de crianças brancas contra negros da
mesma idade.
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Os dados do instituto Data Popular mostram um grande progresso dos
brasileiros negros a partir de 2003. Situados nas camadas mais altas da
piramide de renda, os brancos tiveram um acrescimo médio de 26% em seus
rendimentos. O rendimento dos negros, que partiram de baixo, subiu mais.
Passou de 105% em dez anos.
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Sem deixar de considerar que a distancia segue enorme, cabe
registrar essa melhoria foi obtida pela derrota dos adversários das
cotas e de todas medidas de ação afirmativa.
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O Bolsa Família -- outro alvo da oposição, que gostava de
apresentá-lo como simples truque eleitoral -- também tem muito a ver com
isso, na medida em que chega as camadas mais pobres, onde os negros são
maioria.
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Em resumo: as mudanças só ocorreram quando se decidiu usar os
poderes do Estado para produzir melhorias que o mercado não tornava
possível.
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Num país onde a memória política tem consistencia, é difícil imaginar o que essa turma teria para dizer num ano eleitoral.
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Vai sair as ruas com faixas em defesa da " democracia racial"?
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Vai pedir respeito " pela meritocracia?"
Vai denunciar o Bolsa Família?
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Claro que não. Tentarão, claro, denunciar a Copa do Mundo.
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Tentarão alimentar e ampliar um descontentamento compreensível --
apesar dos progressos recentes, o país está longe de oferecer condições
civilizadas para a maioria de sua população -- e esconder sua
contribuição histórica, decisiva, para o atraso e a desigualdade.
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O grave é que essa operação mágica pode dar certo.
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Isso porque o país assiste, hoje, a um debate político definido por
meios de comunicação engajados de forma radical no esforço para
derrotar o governo em 2014.
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Capazes de monopolizar o debate e lhe dar uma direção única,
criou-se um ambiente onde a notícia boa vira média, a média vira ruim, a
que era ruim vira péssima.
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Até a criação de 700 000 empregos em 2013 é apresentada como pouca
coisa -- numa economia que vive um dos mais altos níveis de emprego de
sua história, o que já torna difícil, por si só, a criação de tantas
vagas no mercado de trabalho. A inflação segue abaixo da meta, mas segue
sendo tratada em tom de alarme.
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O consumo cresce, a inadimplencia é baixa, o mercado de varejo --
termômetro do consumo de massas -- nunca esteve tão bem. Mas é porrada,
porrada, porrada. O monopolio autoriza até momentos constrangedores de
ignorância explícita.
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Davi Rousset, um dos muitos heróis anonimos do século XX, cunhou uma frase adequada para o momento:
" As pessoas normais não sabem que tudo é possível."
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Militante trotskista na França dos anos 30, Rousset foi preso, torturado e deportado para campos de concentração nazista.
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No fim da guerra, Rousset também foi perseguido pela máquina stalinista.
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Suas memorias serviram de materia prima aos principais estudos
teoricos a respeito, como reconhece a própria Hanna Arendt, que escolheu
a frase como epígrave de um de seus livros. Rousset queria dizer que em ambientes onde não há democracia, não
há um debate plural nem um confronto de opiniões, onde vigora um
discurso dirigido a partir de verdades convenientes, tudo se torna
possível -- em especial a manipulação de consciências.
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O governo tem uma herança positiva a apresentar. Resta saber se conseguirá defender o que fez. Esta é a questão.
Paulo Moreira Leite. Diretor da Sucursal da ISTOÉ em
Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente
em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época.
Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
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