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05/09/2015
Ajuste fiscal deve ser também ajuste na fiscalização. Mais para os grandes, menos para os pequenos
Do Tijolaço · 05/09/2015
Por Fernando Brito
Parece inacreditável, mas só ontem se publicou uma portaria da Receita Federal instituindo um programa especial de cobrança para grandes devedores do Fisco, aqueles que tiverem dívidas ou autuações superiores a R$ 10 milhões, sem exceção.
Embora possa estar inflada, a expectativa anunciada de arrecadação – R$ 20,6 bilhões – representa mais da metade do déficit previsto no Orçamento de 2016. Que seja a metade e será imensa.
A Portaria 1.265 é daquelas que se deveria, há muito tempo, ter sido posta em prática, porque dá substância e unidade a todos os programas de arrecadação sobre grandes contribuintes que, é verdade, a Receita sempre desenvolveu de forma fragmentada.
Finalmente, ela se torna para todos.
Todas as 25 sanções que ela prevê já existem, mas a novidade é que passam a ser obrigatoriamente aplicadas aos grandes devedores que não compuserem seus débitos, em todas as áreas da atividade econômica, desde bancos até clubes de futebol.
Não foi preciso negociação com o Congresso, bajulação a Eduardo Cunha, ainda “dono” da Câmara dos Deputados, nem briga com Michel Temer . E a mídia, vejam, ficou até bem quietinha.
O sistema tributário brasileiro, complicado, burocrático e injusto socialmente, não é assim à toa. Os números oficiais da Receita
mostram como os 120 mil declarantes do Imposto de Renda mais ricos (as
três últimas faixas do primeiro gráfico) que representam apenas 0,43% do
total dos contribuintes pessoa física brasileiros e que detêm 41,5% de
todos dos bens e direitos (imóveis, depósitos bancários, aplicações,
créditos diversos, ações, títulos, etc) do país têm seu imposto apurado
sobre uma base que é, percentualmente, muito menor que a dos pobres e a
dos assalariados de classe média baixa.
O imposto sobre a renda dos ganhos de capital, quando este se transfere para a pessoa de seu detentor, são escandalosamente baixos frente aos ganhos do trabalho. E não é só neste, porque em quase todos os tributos não se adota a progressividade de alíquotas, o que empresta, claro, características de crueldade para os que menos têm.
Tanto é assim que o imposto sobre grandes fortunas segue parecendo uma heresia digna de um comunismo “bolivariano”.
Foi em função desta estrutura tributária deformada que se organizou um sistema de fiscalização que repete suas características.
Todos se lembram do que aconteceu com o processo por sonegação da Globo, que se arrastou até que a papelada desaparecesse e, afinal, tudo se compusesse numa obscura entrada na empresa no programa de refinanciamento de débitos.
Como eu sou do tempo que que “jornalista não era notícia”, não costumo falar de algo muito curioso, que se passou mais ou menos ao mesmo tempo comigo.
É que a máquina arrecadadora do Brasil, com a sua visão torta, emitiu contra mim o fantástico lançamento de uma “sonegação” de impostos de gigantescos seis centavos do Imposto de Renda, o que – com multa e juros de mora – alcançava a estonteante quantia de 11 centavos.
Evidente que nem os seis centavos soneguei e, depois de muito trabalho burocrático para apresentar e fazer andar uma impugnação, o lançamento foi revisto e o Fisco verificou que havia, de fato, restituição a fazer, o que não aconteceu- diga-se de passagem – até hoje.
Obvio que não estou advogando que a classe média deva deixar de ter verificado o pagamento de seu imposto, mas o fato pitoresco mostra como é mal empregada nossa cara estrutura fiscalizadora e como ela é cruel com quem tem que “se virar” para justificar-se de sua vida normal com o Fisco, enquanto os grandes, que dispõem de grandes escritórios de “planejamento tributário” não apenas sonegam como esticam e dilatam os prazos daqueles desvios que lhes são flagrados, quando não os “ajeitam” em maracutaias como as que se está vendo na Operação Zelotes.
Ou melhor, que quase não se está vendo, tamanha a blindagem midiático-judicial em torno das propinas lucrativas que se pagou nos conselhos de recursos.
Talvez falte a nossos tecnocráticos gestores de finanças públicas, tão adeptos de manuais, vaguear pela literatura e aprender coisas que o xucro Capitão Rodrigo Cambará, de Érico Veríssimo, ensinava n’O Tempo e o Vento:
– Buenas, e me espalho. Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho.
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