Um livro traz respostas interessantes e perturbadoras.
Paulo Nogueira
Leia O Menino de Guantanamo, da escritora inglesa Anna Perera. Uma versão em português foi lançada no Brasil pela Editora Agir.
Neste momento em que escrevo, uma greve de fome dos prisioneiros comove o mundo progressista. Cem dos 166 detentos aderiram ao protesto. Muitos estão sendo alimentados à força. O governo americano enviou médicos e enfermeiras para ajudar a lidar com o problema.
E Obama, o sorridente e inoperante ocupante da Casa Branca, mais uma vez falou em fechar Guantanamo, uma promessa da campanha de 2008.
O Menino de Guantanamo é uma ficção baseada na realidade. Khalid é um adolescente inglês. Seus pais são paquistaneses, e acabaram indo para a Inglaterra, como tantos conterrâneos, para fugir da miséria de seu país. Para os ingleses era uma coisa boa, porque os imigrantes representavam mão de obra barata para funções humildes que os nativos não estavam nem um pouco interessados em realizar eles próprios.
Khalid vai visitar a terra dos pais.
Mas havia um fato novo e destrutivo lá. Os Estados Unidos, na chamada Guerra ao Terror, estavam dando um dinheiro considerável a pessoas que denunciassem suspeitos de terrorismo. Era uma cifra que equivalia a meses, talvez anos de trabalho na miséria paquistanesa. Muitas pessoas inescrupulosas, para pegar o dinheiro, fizeram denúncias sem fundamento. Como não havia julgamento, como não havia advogado de defesa, como não havia procedimento legal nenhum, o delator ganhava uma pequena fortuna sem risco de descobrirem que ele mentira.
O acusado ia parar em Guantanamo.
É essa a história de Khalid. É essa a história de cerca de 60 garotos presos no Paquistão e no Afeganistão em situação obscura e enviados a Guantanamo. Pais e mães desesperados simplesmente não voltaram a saber de seus filhos. Na prisão as crianças foram tratadas como “combatentes do inimigo”, para usar uma expressão que vi dita num vídeo, pronunciada por um oficial americano que trabalhava em Guantanamo.
Só que os meninos “combatentes”, como mostraram os vazamentos realizados pelo Wikileaks, eram garotos inocentes como o Khalid do livro de Anna.
O que os Estados Unidos fizeram em Guantanamo é comparável ao que os soviéticos fizeram nos gulags tão bem descritos por Solzenitzen: reduzir o ser humano a nada. Subtrair pessoas do convívio com familiares, amigos, enviá-las a terras distantes e submetê-las a atrocidades.
Recomendei a minha filha Camila vivamente que leia este livro. Disse a ela que sugira aos professores que peçam aos alunos que leiam e discutam.
É uma aula – doída, mas essencial — de história contemporânea.
Paulo Nogueira. Jornalista , baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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