08/0/2013
Livro que relata envolvimento de FHC com a CIA esgota edição
Correio do Brasil - 7/1/2014
Quem pagou a conta? está esgotado nas livrarias do Rio
FHC é citado por três jornalistas quanto ao seu envolvimento com a espionagem dos EUA
Está esgotado nas duas maiores livrarias do Rio o livro da escritora Frances Stonor Saunders Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da cultura, no qual o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é acusado, frontalmente, de receber dinheiro da agência norte-americana de espionagem, para ajudar os EUA a “venderem melhor sua cultura aos povos nativos da América do Sul”. O exemplar, cujo preço varia de R$ 72 a R$ 75,00, leva entre 35 e 60 dias para chegar ao leitor, mesmo assim, de acordo com a disponibilidade no estoque. O interesse sobre a obra da escritora e ex-editora de Artes da revista britânica The New Statesman, no Brasil, pode ser avaliado ao longo dos cinco anos de seu lançamento.Quem pagou a conta?, segundo os editores, recebeu “uma ampla cobertura pela mídia quando foi lançado no exterior”, em 1999. Na obra, Frances Stonor Saunders narra em detalhes como e por que a CIA, durante a Guerra Fria, financiou artistas, publicações e intelectuais de centro e centro-esquerda, num esforço para mantê-los distantes da ideologia comunista. Cheia de personagens instigantes e memoráveis, entre eles o ex-presidente brasileiro, “esta é uma das maiores histórias de corrupção intelectual e artística pelo poder”.
“Não é segredo para ninguém que, com o término da Segunda Guerra Mundial, a CIA passou a financiar artistas e intelectuais de direita; o que poucos sabem é que ela também cortejou personalidades de centro e de esquerda, num esforço para afastar a intelligentsia do comunismo e aproximá-la do American way of life. No livro, Saunders detalha como e por que a CIA promoveu congressos culturais, exposições e concertos, bem como as razões que a levaram a publicar e traduzir nos Estados Unidos autores alinhados com o governo norte-americano e a patrocinar a arte abstrata, como tentativa de reduzir o espaço para qualquer arte com conteúdo social. Além disso, por todo o mundo, subsidiou jornais críticos do marxismo, do comunismo e de políticas revolucionárias. Com esta política, foi capaz de angariar o apoio de alguns dos maiores expoentes do mundo ocidental, a ponto de muitos passarem a fazer parte de sua folha de pagamentos”.
O jornalista Sebastião Nery, em 1999, quando o diário conservador carioca Tribuna da Imprensa ainda circulava em sua versão impressa, comentou em sua coluna que não seria possível resumir a obra em tão pouco espaço: “São 550 páginas documentadas, minuciosa e magistralmente escritas”, afirmou.
Dinheiro para FHC
“Numa noite de inverno do ano de 1969, nos escritórios da Fundação Ford, no Rio, Fernando Henrique teve uma conversa com Peter Bell, o representante da Fundação Ford no Brasil. Peter Bell se entusiasma e lhe oferece uma ajuda financeira de US$ 145 mil. Nasce o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)”. Esta história, que reforça as afirmações de Saunders, está contada na página 154 do livro Fernando Henrique Cardoso, o Brasil do possível, da jornalista francesa Brigitte Hersant Leoni (Editora Nova Fronteira, Rio, 1997, tradução de Dora Rocha). O “inverno do ano de 1969″ era fevereiro daquele ano.
Há menos de 60 dias, em 13 de dezembro, a ditadura militar havia lançado o AI-5 e elevado ao máximo o estado de terror após o golpe de 64, “desde o início financiado, comandado e sustentado pelos Estados Unidos”, como afirma a autora. Centenas de novas cassações e suspensões de direitos políticos estavam sendo assinadas. As prisões, lotadas. O ex-presidente Juscelino Kubitcheck e o ex-governador Carlos Lacerda tinham sido presos. Enquanto isso, Fernando Henrique recebia da poderosa e notória Fundação Ford uma primeira parcela para fundar o Cebrap. O total do financiamento nunca foi revelado. Na Universidade de São Paulo, por onde passou FHC, era voz corrente que o compromisso final dos norte-americanos girava em torno de US$ 800 mil a US$ 1 milhão.
Segundo reportagem publicada no diário russo Pravda, um ano após o lançamento do livro no Brasil, os norte-americanos “não estavam jogando dinheiro pela janela”.
“Fernando Henrique já tinha serviços prestados. Eles sabiam em quem estavam aplicando (os dólares)”. Na época, FHC lançara com o economista chileno Faletto o livro Dependência e desenvolvimento na América Latina, em que ambos defendiam a tese de que países em desenvolvimento ou mais atrasados poderiam desenvolver-se mantendo-se dependentes de outros países mais ricos. Como os Estados Unidos”. A cantilena foi repetida por FHC, em entrevista concedida ao diário conservador paulistano Folha de S. Paulo, na edição da última terça-feira, a última de 2013.
Com a cobertura e o dinheiro dos norte-americanos, FHC tornou-se, segundo o Pravda, “uma ‘personalidade internacional’ e passou a dar ‘aulas’ e fazer ‘conferências’ em universidades norte-americanas e européias. Era ‘um homem da Fundação Ford’. E o que era a Fundação Ford? Uma agente da CIA, um dos braços da CIA, o serviço secreto dos EUA”.
Principais trechos da pesquisa de Saunders:
1 – “A Fundação Farfield era uma fundação da CIA… As fundações autênticas, como a Ford, a Rockfeller, a Carnegie, eram consideradas o tipo melhor e mais plausível de disfarce para os financiamentos… permitiu que a CIA financiasse um leque aparentemente ilimitado de programas secretos de ação que afetavam grupos de jovens, sindicatos de trabalhadores, universidades, editoras e outras instituições privadas” (pág. 153).
2 – “O uso de fundações filantrópicas era a maneira mais conveniente de transferir grandes somas para projetos da CIA, sem alertar para sua origem. Em meados da década de 50, a intromissão no campo das fundações foi maciça…” (pág. 152). “A CIA e a Fundação Ford, entre outras agências, haviam montado e financiado um aparelho de intelectuais escolhidos por sua postura correta na guerra fria” (pág. 443).
3 – “A liberdade cultural não foi barata. A CIA bombeou dezenas de milhões de dólares… Ela funcionava, na verdade, como o ministério da Cultura dos Estados Unidos… com a organização sistemática de uma rede de grupos ou amigos, que trabalhavam de mãos dadas com a CIA, para proporcionar o financiamento de seus programas secretos” (pág. 147).
4 – “Não conseguíamos gastar tudo. Lembro-me de ter encontrado o tesoureiro. Santo Deus, disse eu, como podemos gastar isso? Não havia limites, ninguém tinha que prestar contas. Era impressionante” (pág. 123).
5 – “Surgiu uma profusão de sucursais, não apenas na Europa (havia escritorios na Alemanha Ocidental, na Grã-Bretanha, na Suécia, na Dinamarca e na Islândia), mas também noutras regiões: no Japão, na Índia, na Argentina, no Chile, na Austrália, no Líbano, no México, no Peru, no Uruguai, na Colômbia, no Paquistão e no Brasil” (pág. 119).
6 – “A ajuda financeira teria de ser complementada por um programa concentrado de guerra cultural, numa das mais ambiciosas operações secretas da guerra fria: conquistar a intelectualidade ocidental para a proposta norte-americana” (pág. 45).
Espionagem e dólares
Não há registros imediatos de que o ex-presidente tenha negado ou admitido as denúncias constantes nos livros de Sauders e Leoni. Em julho do ano passado, no entanto, o jornalista Bob Fernandes, apresentador da TV Gazeta, de São Paulo, publicou artigo no qual repassa o envolvimento do ex-presidente com os serviços de espionagem dos EUA, sem que tivesse precisado, posteriormente, negar uma só palavra do que disse. Segundo Fernandes, “o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que ‘nunca soube de espionagem da CIA’ no Brasil. O governo atual cobra explicações dos Estados Unidos”.
“Vamos aos fatos. Entre março de 1999 e abril de 2004, publiquei 15 longas e detalhadas reportagens na revista CartaCapital. Documentos, nomes, endereços, histórias provavam como os Estados Unidos espionavam o Brasil.Documentos bancários mostravam como, no governo FHC, a DEA, agência norte-americana de combate ao tráfico de drogas, pagava operações da Polícia Federal. Chegava inclusive a depositar na conta de delegados. Porque aquele era um tempo em que a PF não tinha orçamento para bancar todas operações e a DEA bancava as de maiores dimensão e urgência”, garante Fernandes.
Ainda segundo o jornalista, o mínimo de “16 serviços secretos dos EUA operavam no Brasil. Às segundas-feiras, essas agências realizavam a ‘Reunião da Nação’, na embaixada, em Brasília”.
Bob Fernandes, que foi redator-chefe de CartaCapital, trabalhou nas revistas IstoÉ (BSB e EUA) e Veja, foi repórter da Folha de S.Paulo e do Jornal do Brasil, afirma ainda que “tudo isso foi revelado com riqueza de detalhes: datas, nomes, endereços, documentos, fatos. Em abril de 2004, com a reportagem de capa, publicamos os nomes daqueles que, disfarçados de diplomatas, como é habitual, chefiavam CIA, DEA, NSA e demais agências no Brasil. Vicente Chellotti, diretor da PF, caiu depois da reportagem de capa Os Porões do Brasil, de 3 de março de 1999. Isso no governo de FHC, que agora, na sua página no Facerbook, disse desconhecer ações da CIA no país”.
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