terça-feira, 22 de julho de 2014

Contraponto 14.263 - "A 'Brasília' desta geração é a democracia participativa"

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22/07/2014

A 'Brasília' desta geração é a democracia participativa


Contrapor ao galope conservador um salto da democracia participativa não é desprezível. Torná-lo uma referência de avanços aos olhos da população é o desafio.

Carta Maior - 21/07/2014



Arquivo

por: Saul Leblon



Um dos maiores desafios das forças progressistas em um embate político, a exemplo da disputa presidencial em curso no Brasil,  é dar transparência aos campos em  confronto.

Ao conservadorismo, ao contrário, favorece a dissimulação por razões históricas  objetivas: sua agenda é intrinsecamente vulnerável ao escrutínio popular democrático.

Aécio, como Serra em 2010, e Alckmin, em 2006, amortece esse impasse recorrendo à velha promessa de preservar ‘o que deu certo’, a exemplo dos programas sociais de massiva abrangência e elevado prestígio criados desde 2003.

Sem verbalizar a mudança estratégica embutida em sua candidatura o tucano sonega espertamente seu  custo às grandes maiorias.

A dissimulação é favorecida pelo confortável espaço de indiferenciação propiciado por uma correlação de forças local e global que dificulta uma agenda crível, não apenas exclamativa, de superação estrutural do conflito entre os interesses da ‘Internacional Financeira’, na feliz definição do governador Tarso Genro,  e o desenvolvimento da sociedade.

É nesse limbo ideológico que o martelete moralista opera com enérgica desenvoltura nas mãos do dispositivo midiático.

Sua narrativa divide a sociedade em dois gomos.

O doce  reúne os que cometem irregularidades pontuais  – por exemplo, eventuais aeroportos erguidos em propriedades familiares, com dinheiro público.

O gomo azedo condensa a corrupção ‘lulopetista’.

Esta, como se sabe, será sempre sistêmica, não importa que de 2003  a maio deste ano a Polícia Federal tenha efetuado 24.881 prisões em 2.226 operações anticorrupção.

No ciclo do PSDB?

Apenas 48.

Cerca de quarenta vezes menos empenho em investigar e punir.

Não importa.

Essa é apenas uma ilustração  dos dilemas embutidos na fixação de uma diretriz eleitoral progressista, no âmbito de uma crise em que os mercados e seus ventríloquos ainda desfrutam de espaço para asfixiar a democracia e repetir à exaustão, à moda Tatcher: “não há alternativa”.

O fatalismo que esbanja tal resistência, reconheça-se, não é obra do improviso.

Ele foi sedimentado ao longo de décadas de derrotas políticas, mas também de recuos programáticos e organizativos, de concessões aos mercados e a seus dogmas, com  correspondente renúncia e desarmamento das fileiras progressistas.
Desse ovo vingou o paradoxo  de uma hegemonia em frangalhos que ainda dá as cartas do jogo.

Na crise de 29, quando a Bolsa de Nova Iorque derreteu e o desemprego atingiu um em cada quatro norte-americanos (em 1933 a taxa de desemprego foi de 24,9%), a relação de forças existente no mundo era distinta.

Doze anos antes uma revolução operária havia instalado o primeiro governo revolucionário em uma das maiores nações do planeta. A Alemanha escalpelada pelas reparações da Primeira Guerra produziu um poderoso movimento socialista que quase tomou o poder. Sua derrota ‘resolveu’ a crise alemã pela ascensão do nazismo.

Desempregados e veteranos da Primeira Guerra Mundial ergueram um acampamento na principal avenida de Washington e enfrentaram o Exército quando o governo tentou removê-los.

Entre 1929 e 1933, o PIB dos EUA recuou 27%. Nove mil bancos quebraram. A taxa de desemprego só retornaria a um dígito com o esforço de mobilização provocado pela Segunda Guerra, em 1941.

Um tempo de miséria e desmonte econômico, mas simultaneamente, também, de vigoroso florescimento da organização social, com expansão do sindicalismo e das ideias socialistas em todo o mundo.

Foi essa relação de forças que impôs uma solução heterodoxa para a crise de 29, que hoje seria taxada como irrealista e intervencionista.

O New Deal estabeleceu a dura regulação estatal dos mercados financeiros, abriu frentes de trabalho, multiplicou direitos operários, incentivou a sindicalização em massa, criou bônus de alimentos, financiou maciçamente a moradia popular e o investimento público em infraestrutura.

É a ausência dessa mesma correlação de forças na esfera global e local, bem como das estruturas organizativas a ela correspondentes, que facilita a dissipação dos reais interesses em confronto nas eleições presidenciais de outubro próximo.

Se naquela crise se assistiu à pavimentação do Estado do Bem Estar Social, extraído à fórceps pelas ruas, nessa o que se verifica é o virulento cerco contra direitos econômicos e sociais onde quer que eles ainda resistam.

O Brasil, desde 2003 –com todas as limitações e contradições intrínsecas a um governo de base heterogênea--  tem figurado aos olhos do mundo como uma da estacas de resistência à retroescavadeira ortodoxa de direitos.

 O que o conservadorismo sibila nos salões elegantes  –embora Aécio Neves desconverse à luz do sol-- é a necessidade imperiosa de silenciar esse ruído.

Ou seja, de reconduzir a agenda do desenvolvimento brasileiro aos fundamentos estritos de sua autorregulação  pelas forças dos mercados globais.

Não é uma acusação eleitoreira; é uma operação em marcha promovido por massas de forças ferozes.

Curto e grosso: seu intento  é colocar o Estado esfericamente à serviço dos interesses privados e asfixiar a participação da sociedade para que o sistema democrático seja integralmente capturado para o mesmo fim.

Os sinais da ofensiva são noticiados pelo jornalismo abestalhado como evidencias do trunfo conservador.

Tome-se o intercurso entre a especulação nas bolsas e as pesquisas eleitorais.

O Ibovespa, principal bolsa de valores do país, assumiu sua condição de palanque de quem promete facilitar a vida dos endinheirados.

A Bolsa sobe quando Dilma supostamente cai nas pesquisas; cai quando ela sobe.

Não importa a manipulação no trato das tendências que mostram forte probabilidade de uma vitória da candidatura progressista no 1º turno.

Antigamente dava-se a isso o nome de pouca vergonha.

Hoje dá manchete eufórica.

Recapturar integralmente o Estado brasileiro, ao que tudo indica, é uma operação de potencial lucrativo tão elevado que compensa as cenas de aviltamento ético cometidas com não desprezível dose de sofreguidão pelos atores envolvidos nesse tour de force.

Diante do mutirão galopante, dizer  ‘somos uma democracia, não um anexo do sistema financeiro’, não é algo desprezível.

Torná-lo uma referência pertinente de avanços sociais aos olhos da população é que é o desafio.

Juscelino Kubitschek empolgou a sociedade brasileira nos anos 50/60 transformando Brasília na meta síntese de uma aspiração  por desenvolvimento.

Hoje, a democracia participativa talvez seja a meta síntese mais consequente para as urgências,  demandas e políticas inscritas na proposta progressista para o passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.

Não há exagero e dizer que o salto da participação popular nas decisões que vão modelar o destino brasileiro é a ‘Brasília’ desta geração.

Nesse campo, por certo, a dissimulação conservadora terá dificuldades em fagocitar o discurso progressista.

Ele tem um ponto de partida significativo para avançar –o decreto 8.243 que cria a Política Nacional de Participação Popular; e uma hesitação a vencer: a regulação da mídia.

A ver.

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