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25/07/2014
O silêncio oportunista
Por que, para a paz mundial, a derrubada do avião malaio é muito menos ameaçadora do que a invasão de Gaza
Não pergunto aos meus botões em que
mundo vivemos, temo a resposta. A crise mundial dispensa maiores
apresentações. Moral e intelectual antes que econômica, embora esta
confirme aquelas precedentes. Por que a humanidade rendeu-se à religião
do deus mercado? Por que aceitou passivamente as leis de uma fé que
aproveita a poucos e infelicita os demais?
Às vezes me colhe a sinistra sensação de
que já começou uma nova, peculiar Idade Média. O mundo, seduzido pelo
chamado avanço tecnológico, vítima de uma globalização dos interesses da
minoria, distanciados os homens uns dos outros não somente pelo
crescente desequilíbrio social, mas também pela versatilidade da
mirabolante internet, não se apercebem do eclipse dos valores e dos
princípios, e da ausência de poetas e pensadores.
É nesta moldura que se desenrolam os
acontecimentos destes dias a agitarem a política internacional, e também
se movem minhas dúvidas e perplexidades em relação aos comportamentos
dos donos do poder, das chamadas opiniões públicas e dos sistemas
midiáticos. No caso, a mídia nativa confirma apenas a sua
insignificância, ao imitar simplesmente os exemplos chegados de fora.
Então vejamos. Por que os restos
retorcidos do avião malaio derrubado no céu ucraniano ganham a primazia
nas primeiras páginas e na fala sincopada dos locutores, no confronto
com os mortos e a devastação na Faixa de Gaza? Não proponho um enigma.
Trata-se do resultado da demonização de Putin misturada com o longo
alcance do lobby judeu. De certa forma, a queda do avião veio a calhar
para os senhores do mundo, sem detrimento da brutal gravidade do fato e a
desolação causada pela morte de 298 semelhantes. Serviu, porém, para
desviar a atenção, até onde foi possível, de algo muito mais grave para a
paz global.
É no Oriente Médio que se decide o futuro
do planeta, e isso é do entendimento até do mundo mineral. A questão da
Ucrânia é complexa e ameaçadora, mas o império soviético, cuja presença
estaria habilitada a precipitar severas complicações, ruiu há 25 anos. O
Ocidente, ainda sujeito ao império norte-americano, tende a apresentar
Putin como uma espécie de herdeiro tanto da URSS quanto do czar. Não é
bem assim, está claro. O defeito do líder russo é sua inteligente
independência, em que pesem sua prepotência e eventual ferocidade, e sem
falar das preocupações geradas por seu envolvimento na criação de uma
nova ordem pelos BRICS. Outra a dimensão da questão médio-oriental, para
a qual reflui o efeito dos momentos mais tensos das últimas décadas.
Feridas profundas
continuam a sangrar em toda a região, marcada pela progressão do
fundamentalismo islâmico, por revoluções em pleno curso, pelos erros das
políticas ocidentais, que aliás são seculares. E por guerras
fracassadas, por revoltas malogradas, por atrocidades sem conta, por
desmandos imperdoáveis. Etc. etc. No centro deste arcabouço instável,
sempre à beira do desastre fatal, está Israel, Estado poderosíssimo por
força própria e de quem o sustenta, a ocupar, desde o pós-Guerra, uma
terra antes habitada por outro povo, conquanto também semita, há cerca
de 2 mil anos.
Eu, por exemplo, não sou responsável pelo
holocausto. Lamento, mesmo porque ceifou a vida de excelentes amigos
dos meus pais, mas não me induz ao remorso, e tanto menos até hoje,
quando a invasão da Faixa de Gaza pelas formidáveis tropas israelenses
evoca a invasão do Corredor Polonês pelo exército de Hitler em 1º de
setembro de 1939, estopim da Segunda Guerra Mundial. O Ocidente
neoliberal diz que Tel-Aviv tem direito a se defender contra o
terrorismo do Hamas. Já o Hamas sustenta estar em luta pelo resgate da
terra usurpada.
Por cima das
razões de cada um, a disparidade exorbitante entre as forças não pode
deixar de influenciar qualquer juízo, para fortalecer a inequívoca
percepção de que de um lado morrem soldados e do outro civis, e muitas
crianças, em proporções absolutamente incomparáveis. Estamos diante de
uma ofensa irreparável aos Direitos Humanos. Que visa Israel? Eliminar
1,8 milhão de palestinos? Dói demais, na circunstância, a falta de
reação de uma porção do mundo que se pretende civilizado e democrático
e, de verdade, sucumbe à soberania do dinheiro. Avulta, nesta encenação
trágica, a ausência de lideranças, a falta daquele gênero de personagens
que já ofereceram espaço à política e a praticaram com competência para
assumir o controle da situação e ditar as regras.
Contamos com uma galeria de figuras
medíocres, quando não parvas, incapazes de enfrentar a turva realidade
para impor um rumo. E isso tudo nesta hora que denigre o gênero humano e
denuncia a chegada da nova Idade Média. Louvo a iniciativa da
chancelaria brasileira: chama às falas o embaixador israelense e de
volta ao País o embaixador brasileiro em Tel-Aviv. Mas o Brasil pode e
deve muito mais. Por exemplo, convocar a ONU, como sempre inerte, a
condenar o massacre e mostrar às lenientes democracias ocidentais o
caminho da razão.
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