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21/09/2014
Ex-editor da Globo contesta condenação
Brasil 247 - 21 de Setembro de 2014 às 18:30
Jornalista Marco Aurélio Mello, que foi editor da Globo, publica artigo sobre a condenação sofrida em primeira instância, em processo movido por Ali Kamel, diretor de jornalismo da emissora; "Em meu blog pessoal, mantido voluntariamente até março deste ano, aperfeiçoei uma técnica de ficção ácida e bem humorada, e também fiz severas críticas à maneira desastrosa e desonesta como se pratica telejornalismo no Brasil", diz ele; "Mas como a arte imita a vida (ou seria o contrário?) hoje tenho que lidar com uma situação no mínimo curiosa: fui condenado duas vezes por um texto de ficção"; leia a íntegra
.247 - Condenado em primeira instância num processo movido por Ali Kamel, diretor de jornalismo da Globo (leia aqui), o jornalista Marco Aurélio Mello, ex-editor da emissora escreveu artigo em que relata a situação kafkiana que enfrenta. "Hoje tenho que lidar com uma situação no mínimo curiosa: fui condenado duas vezes por um texto de ficção", diz ele. Leia, abaixo, a íntegra:
Sobre o meu direito de manifestação
O "modus operandi" é o mesmo. "A
vítima" ingressa com uma ação, ganha em primeira instância, um site
(jurídico) publica a sentença e pronto, o serviço está feito. Que
serviço? O assassinato de reputações. Dar publicidade à uma ação que
ainda não transitou em julgado tem um impacto negativo sobre a imagem do
"condenado", impacto muitas vezes irreparável.
É a segunda vez sou condenado em
primeira instância numa ação movida pelo número um do jornalismo da TV
Globo. Primeiro foi em 15 mil, agora o dobro, 30 mil. Isso sem contar os
honorários que são acrescidos ao valor das causas, as custas dos
processos e os salários dos advogados.
No primeiro Encontro Nacional de
Blogueiros, em 2010, Paulo Henrique Amorim cunhou a seguinte frase:
"diga quem te processas, que eu te direi quem és." Ele se referia a
muitos, não só a ele próprio, PHA, mas ao Azenha, ao Rodrigo Vianna, ao
Nassif, ao sr. Cloaca. Mais tarde veio juntar-se ao grupo o Miguel do
Rosário, aquele mesmo que revelou o escândalo do DARF que a TV Globo
nunca mostrou.
Não é preciso ler Kafka para saber
que um processo é sempre uma angústia, uma aflição permanente, não só
para si, mas para todas as pessoas próximas, que compartilham
solidariamente a mesma inquietação.
Quem me conhece sabe que sou um
pacifista, adepto do diálogo e absolutamente contrário a qualquer forma
de violência e arbítrio. Transformei a luta pelos mais fracos em razão
de viver e sou intransigente na defesa de todos os que não tem voz e que
são massacrados por interesses mesquinhos e excludentes tão comuns num
país desigual e provinciano, como o nosso.
Fui demitido sumariamente depois
de 12 anos de bons serviços prestados e não entrei sequer com uma
reclamação trabalhista. Razões não faltavam para isso: assédio,
intimidação, humilhação... No dia em que fui comunicado do meu
desligamento, minha mulher, grávida de sete meses, ficou sem a
maternidade e o obstetra. Tive que pleitear um plano de saúde tampão,
porque um novo exigiria carência. Mesmo assim, para ter as mesmas
condições anteriores, tivemos que fazer up grade, no popular, "pagar
por fora".
Nada disso nos tirou do eixo.
Contornada a situação, segui minha carreira normalmente e obtive - ao
lado de tantos parceiros - importantes prêmios jornalísticos, entre
eles, o Prêmio Petrobras de Comunicação, em 2013.
Em meu blog pessoal, mantido
voluntariamente até março deste ano, aperfeiçoei uma técnica de ficção
ácida e bem humorada, e também fiz severas críticas à maneira desastrosa
e desonesta como se pratica telejornalismo no Brasil. A internet
permitiu que eu ganhasse relevância e passasse a influenciar leitores,
entre eles ex-colegas de trabalho. Tanto como editor do Jornal da Globo,
por três anos, quanto do Jornal Nacional, por quatro, fui testemunha
ocular de fatos históricos relevantes, por isso, minhas análises
passaram a ter importância no meio.
Escrevi sobre como se dá a
criminalização dos movimentos sociais, sobre como o racismo é disfarçado
no noticiário e sobre como é feita a obstrução ao debate de temas
sensíveis, entre eles: a influência da indústria farmacêutica e da
indústria do álcool, esta última um dos maiores patrocinadores dos meios
de comunicação, para ficar apenas em dois exemplos. Também apontei para
um sem-número de desvios na cobertura econômica e política.
Nos textos de ficção tinha uma
predileção por histórias que misturavam poder, o mundo da TV e muita,
muita sacanagem. Assim, em séries, desnudei figuras que, apesar de terem
glamour, são seres humanos como nós, sujeitos às desilusões seja na
vida profissional, pessoal, amorosa... A brincadeira dos internautas
passou a ser identificar quem teria inspirado cada texto.
Mas como a arte imita a vida (ou
seria o contrário?) hoje tenho que lidar com uma situação no mínimo
curiosa: fui condenado duas vezes por um texto de ficção, repito,
ficção, envolvendo uma prosaica disputa judicial de vizinhos, causada
pelo odor exalado pela fumaça de maconha, usada por jovens num
apartamento chique da zona Sul do Rio de Janeiro.
Para a maioria das pessoas -
muitas delas por desinformação - a culpa é atribuída antes mesmo do
pronunciamento final das instâncias superiores. Assim, o justiçamento
virou expediente preferencial de quem quer causar dano antecipado, antes
do feito legal consumado. Vale sempre lembrar que só se firma a culpa
depois de trânsito em julgado. Mas o que importa, não é mesmo?
E por que é assim? É assim porque
no Brasil não há controle externo dos abusos cometidos pelos meios de
comunicação. É assim porque não há quem investigue e puna, quando for o
caso, abusos cometidos em coberturas jornalísticas. É assim porque não
há um órgão com legitimidade para regular questões que envolvam relações
entre jornalistas e produção de conteúdo jornalístico. E é assim porque
questões de interesse privado ganham ampla publicidade depois de
congestionarem as comarcas, também chamadas de primeiras instâncias.
E o debate, que poderia ser
franco, republicano, dá lugar ao pugilato, ao uso e abuso da força
coercitiva do poder econômico. É por tudo isso que digo: sinto-me
perseguido. E sei bem o porquê. Participo de uma disputa que é muito
maior do que um mero embate entre dois contenedores sobre técnica
jornalística. Estamos falando aqui de uma pequena batalha dentro de uma
guerra muito maior, a Democratização dos Meios de Comunicação.
E, se estamos realmente
construindo uma democracia com ampla participação popular, com mais
igualdade e justiça social tenho que acreditar que as instâncias
superiores serão capazes de - amanhá - reparar decisões tomadas ao
arrepio da lei.
Quando recebi a notificação de que
estava sendo processado mais uma vez pelas mesmas razões tomei a
iniciativa de suspender o blog. Sou profissional liberal, assalariado,
com patrimônio modesto, mas com convicções inabaláveis. A principal
delas: a de que estou do lado certo. Infelizmente neste momento estou
legalmente sob censura.
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